Tem algo errado com vovô e vovó
por Bruno CarmeloDizer que a carreira de M. Night Shyamalan está em má fase seria um eufemismo. Há pelo menos dez anos, o antigo prodígio de O Sexto Sentido acumula fracassos em grandes produções, o que tem diminuído a confiança dos estúdios. O cineasta decidiu então fazer o que muitos artistas em situação semelhante fazem: criar uma pequena obra com pouquíssimo dinheiro, de cunho autoral, para voltar a experimentar e colocar a carreira nos eixos. Para a surpresa geral, Shyamalan escolheu o found footage, subdivisão do terror que vive sua pior fase neste momento.
Ao menos, o diretor consegue fazer bom uso da imagem supostamente amadora. O roteiro cria, na maior parte do tempo, situações plausíveis para a câmera estar sempre ligada, afinal, os protagonistas são o garotinho exibicionista Tyler (Ed Oxenbould) e sua irmã Becca (Olivia DeJonge), uma cinéfila que sonha em se tornar documentarista. Por isso, eles registram a primeira viagem à casa dos avós, que tinham rompido com a família há décadas. Certamente, alguns enquadramentos parecem compostos demais, mas de modo geral, a premissa funciona.
Outro fator que contribui à verossimilhança do found footage é a quantidade de humor usada na trama. A jovem documentarista detesta cenas sentimentais, câmeras tremidas ou outros recursos fáceis do cinema de indústria. A Visita surpreende por parodiar os filmes de terror com fórmulas gastas, incluindo citações hilárias à personagem de cabelos longos em O Grito e à câmera escondida nos cantos da casa de Atividade Paranormal. Shyamalan, especialista no suspense e no terror, decidiu brincar com as regras do gênero responsável por sua fama.
Enquanto as crianças se encarregam da comicidade, os avós transformam esta história em um conto de terror. Na chegada da noite, os netinhos percebem atitudes muito estranhas do casal idoso. Mas todas elas são plenamente justificadas pelo roteiro cético. Quando Becca se depara com a avó (Deanna Dunagan) vomitando no chão da casa de madrugada, o avô (Peter McRobbie) explica que ela sofria de uma simples dor de estômago, algo normal nesta idade. Os comportamentos estranhos são explicados pela idade: afinal, é comum velhos manifestarem algum tipo de delírio, andarem pela casa à noite, ou dizerem coisas que não fazem sentido… Para as crianças, a velhice se torna sinônimo da loucura, e portanto do terror.
Shyamalan oferece sensações honestas ao espectador: não há portas rangendo para despertar horror, ou pessoas chegando sorrateiramente por trás dos personagens para dar sustos. Quando Tyler escuta um barulho atrás da porta, basta abri-la para descobrir a origem dos ruídos. Quando os dois sentem ameaçados, correm para fora de casa, ao invés de subirem as escadas como a maioria dos personagens pouco inteligentes das histórias de terror. Talvez isto diminua o potencial do suspense, diluído pelas explicações racionais, mas a escolha atribui à obra uma fina e bem-vinda ironia.
A Visita encontra seus pontos fracos na tentativa rasteira de psicologismo, atribuindo a cada protagonista uma fobia que se potencializa no lar desconhecido dos avós: Becca não consegue se olhar no espelho, e Tyler tem medo de germes. As explicações para estas doenças, ligadas a um trauma paterno, são simples demais, funcionando como desculpa para que a dupla pareça complexa aos olhos do espectador. Felizmente, o roteiro sabe usar essas duas fobias na hora certa, algo potencializado pela excelente dupla de jovens atores.
Outro grande problema é a obrigação, autoimposta por Shyamalan, de oferecer uma reviravolta no final da trama, forçando o público a reinterpretar tudo que viu até aquele momento. Isto funcionou muito bem em O Sexto Sentido, mas tem funcionado cada vez menos em suas últimas obras. A Visita se desenvolvia com destreza, tanto no suspense quanto na comédia, até o truque final comprovar que o diretor ainda não abandonou seus piores vícios. A tal reviravolta torna a história menos verossímil, apesar de fornecer a oportunidade para algumas belíssimas imagens (como a aparição de uma nova personagem ao som de música romântica).
Mesmo assim, A Visita atinge seus objetivos com folga. Talvez seja cedo para dizer que o cineasta “voltou à boa forma”, mas ele teve a disposição de revisitar o gênero com senso crítico e com uma história muito acima da média do terror contemporâneo.