Cecéu Carvalho
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5,0
Enviada em 2 de abril de 2021
De acordo com o trabalho de diversos autores especialistas no assunto, "A administração burocrática é a maneira mais racional de exercer o controle. A burocracia possibilita o exercício da autoridade e a obtenção da obediência com precisão, continuidade, disciplina e rigor." Se a ideia inicial parava por aí e tinha como meta colocar a casa em ordem, numa espécie de meritocracia, não se sabe, mas o capitalismo levou o conceito original às últimas consequências criando mecanismos quase intransponíveis com o objetivo de fazer com que cidadãos e cidadãs desistam de reivindicar seus direitos adquiridos tamanhas as dificuldades impostas através de idas e vindas sem fim até que se consiga preencher todas as suas estapafúrdias exigências. Em resumo, a burocracia é uma das mais devastadoras armas de manipulação e controle das massas. Rico não corre esse risco. Em caso de necessidade ele paga alguém pra fazer o trabalho sujo e estressante de passar pelo inferno burocrático, ele paga alguém pra fazer o trabalho.

Este é o tema do extraordinário "Eu, Daniel Blake". Extraordinário porque direção, atores, produção e edição funcionam como uma só peça onde não há furos ou deslizes, muitas vezes parecendo um documentário, tamanha é a integração com os personagens não deixando espaço para interpretações mas sim identificação emocional e existencial com os mesmos. Todos são brilhantes, desde os protagonistas Daniel Blake (Dave Johns) e Katie (Haley Squires) até os coadjuvantes como China (Kema Shikazwe) e Daisy (Briana Shann), a criança, filha de Katie, que rouba a cena por sua beleza estonteante e natural espontaneidade, demonstrando maturidade prematura exigida pela situação.

A direção de Ken loach é perfeita por deixar fluir com pouca ou nenhuma interferência o desempenho dos atores e o roteiro de Paul Laverty não tenta inventar dramas desnecessários além dos que já são evidentes. É uma crítica aberta e direta a um sistema social cruel, injusto e excludente que tende a piorar na medida em que os robôs são aperfeiçoados e tomam os lugares dos seres humanos.