Alexandre M.
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4,0
Enviada em 26 de dezembro de 2015
Um fotógrafo que é quase uma unanimidade, mas que também tem seus críticos, e as críticas chegam a ser mordazes, ainda que ele passe longe de ser um equivalente a Romero Britto: assim pode ser bem resumida e grosseiramente apresentado Sebastião Salgado. Outra descrição poderia ser “um mineiro interiorano que em meio à ditadura exilou-se em Paris e lá começou a ter gosto pela fotografia, e com o tempo ganhou o mundo com suas fotos da miséria humana do mundo”, o que não deixaria de ser verdade também, ainda que seja igualmente um resumo grosseiro (além de estranho, por dar a entender que captou miseráveis na capital francesa). O filme O sal da Terra é justamente para apresentar a pessoa do Sebastião Salgado, e especialmente sua fotografia. Como um está intimamente ligado ao outro, termina sendo um filme com essa espécie de foco dúbio. Mas não torna-se, é bom ressaltar, um filme confuso. Pode-se estranhar a falta de abordagens mais profundas nas questões técnicas da fotografia (já que boa parte dos que viram, e verão, a produção são fotógrafos), especialmente acerca de questões filosóficas que envolvem o trabalho de Salgado, porém não uma temática confusa. De qualquer forma, percebe-se, ao final, ser mais um filme-portfólio do que propriamente um documentário discutindo a obra de um dos mais reconhecidos fotógrafos no Brasil e no mundo — o que não impede um posterior debate, claro.

O filme é quase todo em preto-e-branco, como é padrão nas imagens produzidas por Salgado (inclusive as do projeto Gênesis, apesar deste abordar paisagens naturais, um dos pontos controversos passados ao largo). Difícil saber até onde foi a contribuição de Juliano Salgado (filho de Sebastião e um dos diretores, junto com Wim Wenders), mas é fácil notar que o filme, ao mesmo tempo que vagueia por entre a vida e a obra de Salgado (o pai), também passeia entre filmagens de expedições/bastidores de cliques e relatos sobre fotografias específicas. Esses relatos foram captados de uma forma interessante, em que ora está o fotógrafo em foco; ora a foto, estando esta em uma tela translúcida, entre quem assiste e o fotógrafo, que vê a imagem e a comenta — assim como o fotógrafo também conversa com Wenders. As fotos, é bom que se diga, tornam o filme algo impróprio para assistir em meio a uma gostosa reunião entre amigos e/ou família, pois são evidentemente chocantes. Não são apenas fotos de guerra esteticamente bem-resolvidas e algo emocionantes como as de Horst Faas, por exemplo, são fotos que primam por seus contrastes e composições, mas parecem querer por vezes embelezar algo extremamente trágico, de forma que muitas fotos, apesar do apuro técnico, são bastante chocantes. O choque da violência que parece ser mais cotidiana do que a ocorrida durante grandes guerras é mais agressivo.

Como boa parte do filme é baseado nos trabalhos de Salgado retratando situações lamentáveis, o trecho dedicado ao Gênesis termina não conseguindo quebrar totalmente o niilismo do restante do documentário. Assim não é difícil terminar de assistir com um sentimento algo misantropo. Seu último trabalho lançado, que leva o nome do primeiro livro da Bíblia, baseia-se em paisagens e populações afastadas da ‘civilização’. Porém a esperança parece meio exagerada, após ver tanto da parte ruim do mundo e ouvir Salgado contar, inclusive, o quanto os trabalhos anteriores o desgastaram mentalmente — e, volto ao ponto, ter paisagens e populações autóctones em fotos preto-e-branco não ‘soa’ otimista. Em suma: mais interessante é assistir McCullin, sobre Don McCullin, que aborda mais firmemente questões do fotojornalismo e não esconde a descrença na capacidade de renovação da Humanidade.