Luiz C.
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4,5
Enviada em 3 de fevereiro de 2025
A série começa em registro alto, com citações preciosas para quem é cinéfilo.
DETALHE: a história se passa na região de La Mancha e o sobrenome da família é Cervantes! Já temos, portanto, logo de cara uma citação literária: Miguel de Cervantes escreveu D. Quixote (de La Mancha).
Impossível não perceber toques de "A Sucessora", romance de Carolina Nabuco, transformado em novela da Globo, que, em sendo plagiado por Daphne Du Maurier, se tornou o cult "Rebeca, a mulher inesquecível".
Tal como Marina de "A sucessora", Maria "compete" com a primeira esposa, da qual o marido não consegue se desvencilhar. Também há a governanta, que se chama Juliana em "A Sucessora" e Justa em "Entre duas Terras", amiga, confidente e "fiel escudeira" da falecida primeira esposa, guardiã da sua memória e dos seus pertences, não admitindo que ninguém os tire do lugar. Percebam que até os nomes são semelhantes!
Também há uma clara alusão à novela mexicana "A Usurpadora", onde Paulina, se passando pela irmã gêmea, Paola, cumpre todas as funções de esposa para Carlos Daniel, exceto manter relações sexuais com ele.
O mistério em torno da morte de Llanos, a primeira esposa, e o clima de filme de suspense, ou policial, funciona muito bem.
Vai tudo seguindo muito bem até o sexto capítulo, mantendo inclusive a regularidade e o bom nível no desenvolvimento do enredo, até que Maria, a pretexto de uma doença do irmão, regressa à cidade de origem, onde reencontra José, seu primeiro amor. Deixemos claro que esta doença aparece na história de uma forma muito abrupta e o regresso de Maria quebra completamente a sequência do enredo, que até então vinha evoluindo muito bem, com a aproximação dela e Nicolás, filho de Manuel e a confiança crescente, que ela vinha ganhando tanto do tio, Dom Ramon, quanto de Manuel, seu marido.
A família de Maria é composta por personagens mal construídos, caricatos e enfadonhos (especialmente a mãe, Sagrado, rasa como uma poça d'água), cuja única função, durante todo o capítulo 6, é apenas postergar o encontro/reconciliação entre Maria e Manuel, seu marido, e ir fazendo com que ela fique cada vez mais próxima de seu primeiro amor, José, que é claramente um psicopata megalomaníaco e manipulador. A cumplicidade entre a família de Maria e José é tão explícita e evidente que no 7º capítulo, seu irmão Guilhermo, extremamente vaidoso e narcisista, vai ser gerente da fábrica de farinha, comprada por José, apenas para perturbar a vida e o relacionamento de Maria e Manuel.
Muitas pessoas aqui criticaram a inserção do "romance gay" entre Guilhermo e Custódio, funcionário da fábrica.
A questão destas críticas serem tão recorrentes e tão incisivas é o que me faz ter a certeza de que, pelo contrário, foi uma decisão acertada dos que escreveram a produziram a série: o combate à HOMOFOBIA deve ser constante e incessante, até que, mesmo os espectadores mais resilientes, se acostumem a ver personagens e relacionamentos que destoam do padrão heteronormativo em qualquer produção da teledramaturgia. Afirmo isso porque a comunidade LGBTQIA+ existe, faz parte do real/social e, desde o relatório Kinsey, já na década de 1950, se estima que 10% de qualquer população humana seja composta por expoentes do segmento.
A partir do reencontro de Maria e José, forjado claramente por sua família, a história fica cada vez mais confusa e embaralhada, as referências às boas obras literárias, do cinema e da teledramaturgia somem, se diluem, e vira uma novela, com ênfase em fofocas e boatos. spoiler: Neste clima, vamos ficando cada vez com mais raiva de Justa, que assume de uma vez o papel de vilã da história e que consegue sair ilesa, apesar de provocar uma grande tragédia, que não tinha necessidade alguma de acontecer, e sequer faz sentido no enredo, já que Manuel só morre porque todos os demais estratagemas imaginados pelos vilões José e Justa, para tentar separar Manuel e Maria fracassaram. O final da série poderia ter sido melhor elaborado/construído. Não traz nenhum dos elementos que prenderam a atenção do espectador durante o desenvolvimento da trama e nos deixa com uma grande sensação de "vazio" (a solidão de Maria) e de injustiça (já fazendo o trocadilho com o nome de Justa).