Roberto O.
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2,5
Enviada em 28 de agosto de 2014
Benigni insiste no discurso de que a vida ainda pode ser bela.

Roberto Benigni é um autêntico italiano. Com inflexões na voz que fazem com que sua fala saia “cantada”, além do inevitável hábito de gesticular ao excesso, o cineasta e ator compõe o estereótipo perfeito do habitante daquela região da Europa. Seu discurso de agradecimento ao receber, em 1999, o Oscar de melhor Filme Estrangeiro por A Vida É Bela só evidenciou, via satélite para todo o mundo, essas características tão ítalas. O longa – que ganhou ainda as estatuetas de ator para o próprio Benigni, e de trilha sonora – narrava o comovente esforço de um pai judeu para convencer seu filho pequeno de que o deprimente campo de concentração para o qual foram enviados durante o Holocausto nazista na verdade não passava de um cenário para uma insólita “gincana”. Sete anos depois, o diretor propõe uma nova incursão à formula que tanto sucesso fez em seu longa premiado.
Novamente escrito, dirigido e protagonizado por Benigni, O Tigre e A Neve apresenta uma variação do mesmo tema (amor na guerra). O astro italiano é Attilo De Giovanni, um poeta que se vê na tumultuada Bagdá em pleno Conflito do Iraque para um novo esforço em nome do amor: cuidar da mulher de seus sonhos, a escritora Victoria (Nicoletta Braschi, esposa de Benigni na vida real), vitimada por um bombardeio, e à beira da morte em uma enfermaria improvisada e sem recursos.
Em se tratando de Benigni, a comédia é imprescindível. Contudo, ao contrário da muitíssimo bem sucedida química entre pai e filho vista em A Vida É Bela (impossível não compará-los), beneficiada pela presença do garoto que torna tudo mais leve e divertido, aqui as pretensas cenas cômicas encontram como empecilhos a ausência de interação com a donzela – em coma durante quase todo o tempo – além do próprio cenário de guerra enfatizando que, por mais hilária que possa ser uma situação, quando inserida no contexto, acaba por perder completamente a graça.
Todavia, Benigni acerta o tom na utilização das palavras. O fato do protagonista ser poeta poderia levar a crer que ele ficaria declamando versos inadvertidamente durante toda a projeção. Versado e esclarecido, na mesma proporção com que é afobado e inconsequente, o poeta se utiliza de palavras e gestos que chegam a incomodar tanto iraquianos quanto os soldados americanos (e em alguns momentos até o próprio espectador). Sua insistência, no entanto, em afirmar que “é italiano”, torna-se a chave para tirá-lo de muitas situações de perigo nas quais se mete, sempre com o objetivo de trazer provimentos para sua bela adormecida.
Apesar de serem poucos e sutis, há, sim, momentos introspectivos, e são eles que constituem a maior justificativa para a obra. Sóbrio e cabisbaixo, o amigo do “casal” e escritor iraquiano Fuad, vivido respeitosamente por Jean Reno (com seus olhos tristes e caídos), faz o contraponto perfeito ao alucinado poeta de Begnini. É Fuad quem pronuncia as mais belas palavras do filme, quando disserta acerca da Torre de Babel, enquanto contempla uma melancólica paisagem de Bagdá sendo banhada pela chuva de mísseis e foguetes que iluminam o céu, em uma intrigante metáfora para a falta de comunicação e entendimento entre os homens.
A narrativa, aparentemente simples, reserva algumas pequenas surpresas em seu final, fechando um arco iniciado nos primeiros minutos da projeção, e envolvendo – em meio a outros detalhes – o real relacionamento entre o poeta e sua musa, bem como a representação visual que justifica o título do filme, referência que havia sido apenas mencionada rapidamente no início do longa. Esses momentos líricos que abrem e fecham o filme podem facilmente ser interpretados como mais uma alegoria ao otimismo, como Benigni também fez em A Vida É Bela. O poeta vivido por ele (quase) sempre insiste em ver o lado positivo das situações, sem se deixar atormentar pelo clima caótico que o circunda.
Roberto Begnini costuma dividir opiniões acerca dos trabalhos que apresenta. Nesta obra, são notórias as suas tentativas deslocadas de intercalar humor onde não seria cabível, como também são inegáveis as suas qualidades poéticas, que ao final podem nos fazer refletir acerca da superação das dificuldades e a busca pela felicidade. Ao final de O Tigre e A Neve, talvez você não o considere bravíssimo, mas sem dúvida, não há como negar que ele seja Italianíssimo!