Roberto O.
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4,0
Enviada em 7 de abril de 2016
De que lado você está? Esta pergunta, muito utilizada nos quadrinhos, que tem sido vista na campanha de marketing de um outro lançamento muitíssimo aguardado, também se aplica à Batman Vs Superman que, ao longo de todos esses meses que antecederam o seu lançamento, despertou no público uma contagiante torcida por este ou aquele super-herói. Imediatamente após entrar em cartaz, contudo, o filme provoca uma nova divisão, desta vez entre os que gostaram e os que não gostaram do que viram. Não apenas as plateias, mas também a crítica especializada tem se mostrado dividida, com uma leve tendência para a desaprovação. Outro fator interessante nas análises vistas por aí tem sido as comparações com as produções da Marvel. Quais seriam, afinal, os motivos presentes neste filme-evento – que tanta expectativa gerou desde que foi anunciado no fim de 2013 – que justificariam tamanho falatório? Vejamos...

No longa, acompanhamos grande parte dos acontecimentos sob o ponto de vista mais ‘humano’ de Bruce Wayne/Batman (que, ao contrário dos temores, foi vivido com muita dignidade por Ben Affleck). O milionário órfão que há cerca de duas décadas cultiva o hábito de sair à noite vestido de morcego para enfrentar os mais diversos bandidos nas perigosas ruas da soturna Gotham City, com o passar de todo esse tempo se tornou um ser amargurado e atormentado, beirando a paranoia. O desgaste causado pela incômoda sensação de que todo esse esforço de nada adianta se reflete em suas palavras: “Criminosos são como ervas-daninhas, você arranca uma e cresce outra em seu lugar.” Assim, quando a cidade vizinha, a ensolarada (mas nem tanto) Metrópolis é tomada pela épica batalha envolvendo aqueles dois kryptonianos (que vimos no último ato de O Homem de Aço), destruindo inúmeros prédios e, com isso, matando milhares de pessoas, o megaempresário de Gotham passa a ver o sobrevivente daquele embate como um perigo em escala global, tão danoso quanto o adversário que foi derrotado, ainda mais que, no meio do caos, um edifício das Indústrias Wayne veio abaixo. A partir daí, as situações vão se desenvolvendo, com destaque para as maquinações – ainda que sem muitas explicações – de um Lex Luthor jovem, cabeludo (até quando?), moderninho, descolado e cheio de maneirismos (cortesia de seu intérprete, Jesse Eisenberg, como já era esperado). Seus planos poderão levar os dois ‘protetores’ a, enfim, se digladiarem, com consequências... apocalípticas. Em paralelo, outros temas até interessantes são propostos por Zack Snider, embora o cineasta não os aprofunde. Como os governos de diversos países reagiriam se soubessem que um super-ser de outro planeta realmente estaria vivendo entre nós? Temos uma vaga noção das reações contra e a favor que uma descoberta dessas poderia provocar, ironicamente refletindo as impressões da própria plateia acerca do filme.

A opção por despejar delírios e aparições supostamente gratuitas de outros heróis, sem acrescentar nada à trama principal, tem sido um dos itens apontados pela parcela de insatisfeitos. O que muitos críticos conservadores, porém, parecem não entender ou não aceitar é que um dos objetivos da Warner com esta obra é justamente ampliar o seu ‘raio de alcance’ para consolidar novas franquias com esses personagens, e integrá-los (como o próprio subtítulo do filme obviamente sugere). Sabemos que isso já não é nenhuma novidade em Hollywood. A hoje toda poderosa Marvel Studios está nadando em dinheiro desde 2008, quando lançou o primeiro filme de seu universo compartilhado, O Homem de Ferro. A Warner/DC, portanto, tem uma certa pressa em se firmar e pegar a sua ‘fatia do bolo’ nesse mercado milionário. As ‘participações especiais’ vistas neste novo longa podem até parecer desconexas, mas estão preparando o terreno para a colheita desejada. O Homem de Aço foi o embrião para a posterior implementação da ideia, e Batman Vs Superman, o alicerce na construção deste tão (literalmente) sonhado Universo Cinematográfico DC. Os pesadelos (ou devaneios) de Bruce Wayne ao longo da projeção sinalizam escancaradamente o que está por vir.

O clima lúgubre e a opção pela paleta noturna também tem gerado discussões. A narrativa é quase totalmente desprovida de humor, como também foi a trilogia estrelada por Christian Bale. A diferença é que, enquanto Christopher Nolan concebeu aqueles filmes de uma maneira mais ‘realista’, pois o Homem-Morcego permite uma abordagem assim, aqui Zack Snder teve que lidar com elementos de fantasia, sem abrir mão, contudo, desse tom mais sóbrio. Essa ‘fantasia séria’, portanto, desapontou quem esperava por algo mais ‘divertido’. Em relação à fotografia dark, a apresentação de um Batman (desde sempre uma ‘criatura da noite’) ainda mais assustador e violento do que já foi visto em versões anteriores, inevitavelmente tornaria a produção mais sombria, até porque uma das (muitas) inspirações para o roteiro foi O Cavaleiro das Trevas, não o do Nolan, mas o de Frank Miller, clássica HQ lançada em 1986. E a trilha sonora espetaculosa, composta pelo experiente Hans Zimmer, e incrementada por corais operísticos, se em alguns momentos pode soar exagerada, em outros contribui para deixar o longa com uma estrutura de fábula sinistra. Em contrapartida, em meio a tanta escuridão que marca o estilo de vida e a ambientação do Homem-Morcego, há, sim, alguns (poucos) trechos ensolarados, que nos levam ao outro pilar deste duelo de titãs.

Durante todo o filme, o Superman é visto de uma maneira lírica, evidenciando o seu aspecto sobrenatural. Nuvens e raios de sol ajudam a ilustrá-lo como um ser celestial, quase divino, e referências cristãs pontuam o longa em vários momentos (como também já havia ocorrido em O Homem de Aço). Gostem ou não dele, as pessoas do mundo o veem como alguém diferente, e o herói alienígena sente isso. A interpretação propositalmente sisuda de Henry Cavil enfatiza não só a enorme inadequação de Kal-El/Clark Kent na Terra, mas também a preocupação que sente em relação à sua presença neste mundo, e as consequências que isso pode gerar. Também o vemos raivoso, com os olhos vermelhos incandescentes que o tornam uma figura surpreendentemente ameaçadora, algo incomum em se tratando deste personagem, (quase) sempre retratado como um ideal de bondade e altruísmo. A época da inocência há muito já ficou para traz. Zack Snider nos trouxe velhos heróis em novas versões para os nossos tempos!

Quando, finalmente, chega a hora do aguardadíssimo confronto entre estes dois ícones da Cultura Pop (que talvez sejam os mais famosos super-heróis de toda a História, encantando gerações desde que surgiram, nos anos 1930), a luta em si é mesmo visceral e tempestuosa, com direito a closes e câmeras lentas, marcas registradas do diretor de 300. Todavia, a solução encontrada pela trama para que a batalha de fato ocorra é tão rasa tanto quanto sua resolução. Agora, convenhamos, a suspensão da descrença é imprescindível para que uma obra assim seja apreciada.

Complementado por um ótimo e estelar elenco de apoio, Batman Vs Superman traz ainda um bônus que parece estar (até que enfim) agradando a todos: a Mulher-Maraviha. Apesar de ela surgir aqui e ali sem motivo aparente (seu primeiro nome nem sequer é mencionado), quando a heroína, vivida pela lindíssima modelo e atriz israelense Gal Gadot, dá o ar da graça com seu ‘traje de combate’, ela realmente rouba a cena, e nos dá uma maravilhosa prévia de como deverá ser seu filme solo, com lançamento marcado para o ano que vem. Ainda ouviremos falar muito sobre ela... ATENÇÃO: a próxima frase não chega a ser um spoiler, mas dá uma pista. Se preferir, pule para o último parágrafo.

Você já tinha reparado que as mães de Bruce Wayne e Clark Kent têm o mesmo primeiro nome, Martha? Nem eu...

Sobrepondo, pois, trevas à luz, a DC mantêm o seu estilo sombrio na tela. Ocorre que, desde a virada do milênio, o público foi se acostumando com a ‘marvelização’ dos filmes de super-heróis (mais leves, coloridos e bem-humorados), e talvez a estranheza causada por essa proposta tão reversa apresentada pela Warner seja até, em parte, compreensível. Mas foi muito bom constatar que a rivalidade histórica entre a Marvel Comics e a sua Distinta Concorrente tomou forma também na telas do cinema, em que a última está oferecendo ao consumidor um produto novo, com uma embalagem e um conteúdo bem diferenciados dos que até então estavam nas prateleiras. Enquanto a Marvel desenvolve suas tramas quase sempre em plena luz do dia, a DC deixou sua opção pelo escuro muito clara! Enquanto a Marvel optou pela humanização de seus super-heróis na tela, a DC preferiu retratá-los como lendas. Isso não quer dizer que uma abordagem seja melhor ou pior do que a outra, são apenas... diferentes. E você, de que lado preferiu ficar? Um passo importantíssimo foi dado para que, com o decorrer dos anos, estejamos tão acostumados com esses personagens quanto já nos acostumamos com aqueles. Que o tempo possa sanar as más impressões, o estúdio possa corrigir eventuais falhas e o público possa se deleitar com filmes fabulosos que poderão ser realizados. Universo Cinematográfico DC, seja bem vindo!