Roberto O.
Filmes
Séries
Programas
Voltar
3,5
Enviada em 16 de dezembro de 2014
Apenas diversão, mas com o selo Peter Jackson de qualidade.

Na crítica sobre O Hobbit: A Desolação de Smaug, lançado ano passado, escrevi: “Sim, é apenas espetáculo, sim, é apenas entretenimento, mas ainda assim, é cinema.” Estendo esta opinião sobre toda a nova trilogia dirigida por Peter Jackson que, com este trabalho, totaliza cerca de 18 horas em seis longas-metragens ambientados na Terra Média. Não se pode esperar de uma adaptação cinematográfica baseada em um livro notoriamente infantil, escrito em 1937 por J. R. R. Tolkien, o mesmo nível de profundidade dramática alcançado por O Senhor dos Anéis, baseado nos três livros, de narrativa muito mais densa, que o escritor lançou posteriormente. Embora percorra os mesmos cenários, e contenha personagens em comum – alguns adicionados propositalmente por Jackson com o intuito de conectar as duas trilogias – a história de O Hobbit por si só é simplória, e seus personagens são menos carismáticos (excluindo Thorin, apenas três ou quatro dos treze anões têm certa relevância na trama). Não fosse a injusta pressão causada pela inevitável comparação com a ‘saga do anel’, esta nova série seria melhor compreendida.
Contudo, mesmo se estivesse livre de comparativos, e ainda que consiga entreter na maior parte do tempo, é inegável que esta obra dividida em três partes apresente suas próprias irregularidades, a começar pela sua divisão. Não bastasse a decisão (tomada com fins unicamente comerciais) de esticar o roteiro à exaustão para preencher três longos longas, também pesou a necessidade de se criar um ‘gancho’ entre os episódios. Toda a expectativa gerada pelos minutos finais do capítulo anterior, em que vimos uma tensa sequência envolvendo o dragão Smaug (voz de Benedict Cumberbatch), é solucionada logo no início deste novo filme. Por mais bem realizadas que sejam as cenas, do ponto de vista técnico, muitos poderão dizer: “Eu esperei um ano inteiro para ver essa situação se resolver em poucos minutos?” Este desfecho teria causado um impacto muito maior se tivesse sido utilizado para fechar o filme anterior. Se a desculpa era criar expectativa para o capítulo final, A Desolação de Smaug poderia, logo após mostrar o destino do dragão, ter exposto, em uma grandiosa tomada panorâmica (que Jackson gosta tanto de utilizar), o exército formado por centenas de orcs se aproximando da Montanha Solitária, ou algo assim.
Superada, pois, a ‘crise do dragão’, O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos começa, efetivamente, a justificar seu subtítulo, com uma nova narrativa que pouco tem a ver com os fatos exibidos até então. É quando acompanhamos de perto – literalmente, visto a interminável quantidade de closes – a obsessão do anão Thorin (Richard Armitage) pelo ouro reconquistado. Ocorre que tanto os humanos da Cidade do Lago conduzidos pelo heroico Bard (Luke Evans, protagonista de Drácula – A História Nunca Contada) quanto os elfos, insensíveis por natureza, liderados por Thranduil (Lee Pace), o presunçoso pai de Legolas, reivindicam parte deste tesouro acumulado na montanha. A richa antiga entre elfos e anões, somada à indiferença de Thorin em relação aos humanos atingidos pelo ‘fogo’, impossibilita qualquer tentativa pacífica de negociação. “Não abrirei mão de uma moeda sequer”, contesta o inconsequente ‘rei dos anões’, completamente tomado pela ganância, dando corda a uma contenda que só poderia mesmo culminar em guerra. Até chegarmos lá, porém, veremos algumas tramas paralelas absolutamente desnecessárias ocupando o tempo de projeção, o que inclui a continuidade do entediante triângulo amoroso iniciado no filme anterior, e as travessuras de um personagem insuportavelmente irritante, que em nenhum momento consegue cumprir com seu papel de alívio cômico. São cenas assim que nos levam a querer dizer a Peter Jackson: “meu caro, não há problema algum em fazer filmes que durem apenas duas horas”. E vem aí a versão estendida em DVD e Blu-ray...
Em meio a tanto tempo desperdiçado, porém, merece destaque o resgate de Galdalf (Ian McKellen), que envolve Galadriel (a ‘brilhante’ Cate Blanchett), Elrond (Hugo Weaving), Radagast (Sylvester McCoy) e Saruman (Christopher Lee), todos diante da ‘encarnação do mal’. A sequência é poderosa o suficiente para causar delírios na plateia, principalmente aos aficionados pelo universo tolkieniano. A presença no filme da bela Tauriel (Evangeline Lilly) e Legolas (Orlando Bloom, rejuvenescido digitalmente) também é empolgante. No decorrer dos filmes anteriores, já nos acostumamos com a postura do elfo em não demonstrar emoções (como condiz à sua raça). Da mesma forma, sabemos exatamente o que esperar dele quando entra em ação: cenas absurdamente sensacionais. E aqui não é diferente.
Quando, enfim, o confronto decisivo tem início (embalado pela épica e sempre eficiente trilha de Howard Shore) ele se estende pelos próximos 45 minutos, ininterruptamente, quase sem diálogos durante todo esse tempo, e nos brindando com o impecável primor técnico do qual Peter Jackson acabou se especializando ao longo destes 16 anos que se passaram desde que começou a filmar A Sociedade do Anel nas montanhosas e maravilhosas paisagens da Nova Zelândia. As cenas deste derradeiro capítulo, não apenas filmadas, mas pensadas em 3D, garantem profundidade e perspectiva e, se os 48 quadros por segundo (HFR), o dobro do padrão atual, ainda nos causam certa estranheza, vamos nos acostumando aos poucos, até que, alguns minutos depois, já estamos plenamente imersos no que a tela do cinema nos oferece: a projeção que mais se aproxima do ‘movimento real’ que o olho humano consegue registrar. E James Cameron vem aí, utilizando essa nova tecnologia nas sequências de Avatar...
Curiosidade: durante a batalha, procure identificar quais são, afinal, os cinco exércitos dos quais o título do filme se refere, o que tem gerado controvérsias. Por falar em título, não é incomum o personagem que dá nome à saga não ter sido mencionado até agora? E não é porque ele colocou o Um Anel no dedo e ficou invisível... O fato é que, neste terceiro longa, o personagem priorizado pelo roteiro foi Thorin, um sujeito áspero (para não dizer azedo) e que, mesmo após sua redenção não ganha nossa simpatia por completo. Coadjuvante em seu próprio filme, o humilde e sensato hobbit Bilbo Bolseiro (Martin Freeman), possui algumas poucas, porém decisivas intervenções, o que inclui sua atitude em relação à Pedra Arken, que foi o objeto motivador de sua contratação pelos treze anões.
Bilbo, juntamente com Galdalf, sem dúvida trazem a este filme, e à série, um pouco do fator emotivo que tanto nos comoveu na outra saga, em que torcemos, vibramos e nos emocionamos com aqueles personagens. Ao final de O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos, teremos nos empolgado e nos divertido, mas a história que acompanhamos ao longo desta trilogia não terá nos envolvido, nem nos comovido. Sim, é apenas diversão. Na literatura, a simplicidade infantil de O Hobbit gerou a complexidade fantástica de O Senhor dos Anéis. No cinema, a bem-vinda grandiosidade de O Senhor dos Anéis gerou a superficialidade, ainda que divertida, de O Hobbit. O próprio filme, como que reconhecendo isso, nos faz um irresistível convite em sua última cena: revisitar aquela história, em que Frodo, Sam, Aragorn e o próprio Gandalf, entre outros, não apenas nos divertiram, mas nos emocionaram. O apreciador da fantasia em sua melhor expressão não hesitará em estar lá, e de volta outra vez.