Se vocês não está entre as 700 mil pessoas que vão passar pela Cidade do Rock nos próximos finais de semana, não lamente. O AdoroCinema separou alguns filmes-concerto que são superiores a qualquer coisa programada para a transmissão da edição deste ano do Rock In Rio pela TV ou internet.
A afirmação acima não surge para simplesmente desvalorizar o trabalho dos artistas escalados para o Palco Mundo do tradicional festival carioca que colocou o Brasil no roteiro de atrações internacionais. Por mais que o line up deste ano conte com uma série de atrações requentadas de edições anteriores (Red Hot Chili Peppers e Guns N' Roses são dois dos muitos exemplos), há espaço para shows que prometem ser interessantes como o dos veteranos do The Who.
Esta matéria trata de valorizar obras cinematográficas que chamam a atenção por seu estilo, formato e filosofia. Separamos produções audiovisuais que são muito mais do que o produto de câmeras apontadas para uma apresentação musical. São obras que são Cinema com "C" maiúsculo sobre artistas que resistiram ao teste do tempo e ressoam até hoje em influência e importância.
O Último Concerto de Rock (1978), de Martin Scorsese
Martin Scorsese promoveu diversas interseções entre a música e a sétima arte em sua filmografia, mas nenhuma delas superou sua eulogia visual para a The Band, grupo de alma própria que passou parte de sua história atuando como banda de apoio de Bob Dylan. Anunciado como a despedida do conjunto musical dos palcos, a visão de Scorsese produz um retrato solene de um grupo que vivia, ao mesmo tempo, o auge de suas carreiras e o colapso das relações interpessoais.
A direção de fotografia é de Michael Chapman, parceiro de Scorsese nos clássicos Taxi Driver e Touro Indomável, que captura de forma poética as performances da The Band em um show antológico com diversas particpações especiais de pilares da música anglo-americana, como Neil Young, Joni Mitchell, Eric Clapton, Van Morrison, Muddy Waters, Ron Wood, Emmylou Harris e The Staple Singers. Nem sempre um grande elenco garante um grande filme, mas essa constelação ajudou — e muito — The Last Waltz (título original) a ser o clássico que é hoje.
Stop Making Sense (1984), de Jonathan Demme
Se O Último Concerto de Rock foi o filme-concerto que definiu como um bom trabalho do gênero deve ser, Stop Making Sense identificou todas as regras do formato e as desconstruiu. Idealizado como uma resposta aos excessos grandiloquentes dos rockstars dos anos 70, o trabalho celebra a energia do pós-punk funkeado e cerebral da banda Talking Heads.
Com uma cenografia iconoclasta, o filme usa elementos inusitados para "dessacralizar" o espaço de perfromance, como um simples abajur, transformado em companheiro de dança. David Byrne começa o show sozinho em um palco que ainda está sendo montado e apresenta um novo arranjo de "Psycho Killer". De canção em canção, um novo integrante da banda se junta ao excêntrico frontman até o palco virar uma incrível festa estranha e esquisita em "Burning Down the House".
Diante das câmeras, Byrne se revela um grande ator, capaz de dar vida ao espetáculo com suas danças exóticas e desconcertadas que antecipam as esquisitices de um Thom Yorke e seu clássico e icônico terno gigante.
Woodstock - 3 Dias de Paz, Amor e Música (1970), de Michael Wadleigh
Há um rumor de que o diretor Michael Wadleigh rodou mais de 120 horas de material para realizar seu documentário sobre o Festival de Woodstock. Não era pra menos. O diretor estava diante de um evento que representaria o auge da contracultura de uma geração e teria impactos em todo o mundo. Com duas frentes, o filme se divide entre capturar os bastidores dos festivais e entender o que pensa a geração flower power, de forma quase antropológica, e mostrar as explosivas performances que estão escritas para sempre na História do rock. Wadleigh tinha tanto conteúdo que o corte original do filme conta com 185 minutos, muitos deles com a tela dividida com duas imagens para que o público tenha um panorama maior do evento. Scorsese, antes de realizar O Último Concerto de Rock, foi um dos montadores de Woodstock - 3 Dias de Paz, Amor e Música.
As performances musicais são as joias do longa-metragem, incluindo a visceralidade latina de Santana e a interpretação antológica de "Soul Sacrifice"; a insana reinterpretação de Joe Cocker para "With a Little Help from My Friends", dos Beatles; a fúria destrutiva do The Who; o groove hipnótico de Sly and the Family Stone levando o público para os céus em "I Want to Take You Higher"; a harmonia vocal de Crosby, Stills & Nash; os protestos de Joan Baez e sua versão acapella de "Swing Low Sweet Chariot".
Entretanto, nada superou a performance de Jimi Hendrix, que encerra o festival e o filme de Wadleigh, unindo o hino dos Estados Unidos com "Purple Haze".
Nina Simone - Live At Montreux 1976 (2005), de Thierry Amsallem
Se você assistiu ao documentário What Happened, Miss Simone?, sabe o quão inesquecível é a apresentação de Nina Simone no Festival de Montreux, na Suíça, e o quanto essa performance epitomiza a persona de uma das maiores artistas americanas do século 20. Vulnerável e agressiva, virtuosa e iconoclasta, crua e sofisticada. Nina em Montreux é uma bomba atômica repleta das contradições, algo que gênios como ela costumam saber carregar e transformar em ouro.
São tantas interpretações marcantes, mas vale ressaltar a versão cheia de sarcasmo para "Feelings", que logo se torna uma aula de como extrair os sentimentos mais profundos de uma canção tão plana quanto a composição do brasileiro Morris Albert.
A gravação do show, lançada em DVD em 2005, foi dirigida por Thierry Amsallem. O diretor não tem as mesmas credenciais de um Scorsese ou Demme, mas sabe usar a linguagem cinematográfica ao seu favor quando investe em enquadrar Simone em primeiríssimo plano e capturar todas as suas microexpressões fervorosas. Ela clama pela resposta da plateia, pede palmas, pede reflexão, insinua estar diante de cadáveres e toma para si o fardo do artista: Canalizar forças para expor o pior e melhor de si sem amarras em nome de algo maior do que si mesmo.
Sigur Rós: Heima (2007), de Dean DeBlois
O estilo da banda islandesa de post-rock Sigur Rós costuma ser adjetivado como etéreo e transcendental pela crítica musical e o diretor Dean DeBlois capturou essa atmosfera no documentário Heima, único longa-metragem live-action de sua trajetória como realizador (ele assina Lilo & Stitch e os filmes da franquia Como Treinar o Seu Dragão).
Heima significa "casa" em islandês e o filme mostra os músicos do Sigur Rós em uma turnê não convencional em sua terra natal enquanto marcada por performances poéticas e intensas em paisagens ermas e deslumbrantes do país nórdico, concertos ao ar livre e aconchegantes reuniões em estúdio.
Menções honrosas
Outros filmes que ficaram de fora da seleção acima mas também são obrigatórios para fãs de concertos bem filmados. Led Zeppelin: The Song Remains The Same (1976) mostra Jimmy Page, Robert Plant e companhia no auge de suas forças. Pink Floyd: Live at Pompeii (1972) pode ter seus exageros, mas como dizer não para um show dos gigantes do rock progressivo no arqueológico anfiteatro da Roma Antiga? Dave Chapelle's Block Party (2005) conta com a visão do francês Michel Gondry, exímio diretor de videoclipes, para retratar a antolôgica festa do humorista Dave Chapelle no Brooklyn, em Nova York, que trouxe a reunião de Lauryn Hill com o The Fugees, além de performances de Kanye West, Erykah Badu e The Roots. Gimme Shelter (1970) é um marco do cinema-verdade que representa a morte do espírito de paz e amor de Woodstock. Scorsese, que já provou seu amor pelos Rolling Stones na escolha das canções que embalam os momentos de seus longas-metragens, dirigiu um show dos veteranos em Shine a Light (2008).
O Último Concerto de Rock (1978), de Martin Scorsese
Stop Making Sense (1984), de Jonathan Demme
Woodstock - 3 Dias de Paz, Amor e Música (1970), de Michael Wadleigh
Nina Simone - Live At Montreux 1976 (2005), de Thierry Amsallem
Heima (2007), de Dean DeBlois
Menção honrosa
Shine a Light (2008), de Martin Scorsese
Menção honrosa
Dave Chappelle's Block Party (2005), de Michel Gondry