![](https://br.web.img3.acsta.net/r_654_368/newsv7/17/09/02/12/08/492325.jpg)
"É nossa responsabilidade tomar decisões morais em tempos difíceis e dar voz a inclusividade", comentou o ator Ed Skrein, que foi notícia na última semana após desistir de um papel na nova versão de Hellboy. A atitude do ator de Deadpool foi tomada após ele descobrir que o personagem que ele foi contratado para interpretar o Major Ben Daimio, de ascendência japonesa.
"Está claro que a representação deste personagem de uma maneira culturalmente precisa tem significado para as pessoas, e que negligenciar essa responsabilidade continuaria uma tendência preocupante para obscurecer histórias de minorias étnicas e dar voz a elas nas Artes. Eu sinto que é importante honrar e respeitar isso. Portanto, decidi desistir para que o papel possa ser escalado adequadamente", explicou Skrein, que é inglês e vem de uma família de judeus austríacos.
A recisão de Skrein e a divulgação de sua carta aberta ganharam as manchetes da imprensa especializada por ser um raro caso em que a reação dos fãs na internet contra o embranquecimento de um personagem em Hollywood causou uma mudança real no estado das coisas. Especialmente em um ano como 2017.
Duas adaptações americanas para animes/mangás impulsionaram o debate sobre o "whitewashing" nos últimos meses: A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell, versão de O Fantasma do Futuro, e Death Note, longa da Netflix que é uma versão americana repleta de liberdades criativas da cultuada série animada de mesmo nome. No caso de Ghost in the Shell, a controvérsia na escalação de Scarlett Johansson para o papel principal foi tão grande que a Paramount teria assumido que isso prejudicou o desempenho do filme nas bilheterias e com a crítica.
A prática de embranquecimento em Hollywood vem de longa data, passando por representações grosseiras como o blackface de Laurence Olivier para viver Othello (1965) e grosseiro personagem asiático interpretado por Mickey Rooney em Bonequinha de Luxo (1961).
Mesmo em casos menos gritantes e vulgares, o whitewashing persiste e representa um empecilho a uma maior diversidade na representação da experiência humana na sétima arte. Quando um personagens não-branco é vivido por um ator branco, perde-se a chance de alcançar mais autenticidade em uma performance e valorizar o trabalho de minorias que historicamente foram deixadas em segundo plano em Hollywood.
Um estudo da Universidade da Carolina do Sul publicado em 2016 avaliou mais de 400 filmes e séries de TV lançadas nos Estados Unidos um ano antes e concluiu que apenas 28.3% dos personagens com falas eram de grupos raciais e/ou étnicos não-brancos (negros, hispânicos, asiáticos, nativos, etc), enquanto tais grupos representam quase 40% da população do país. Apenas 7% dos filmes analisados apresentaram um elenco que refletisse a realidade da diversidade racial/étnica americana. Entre as séries o índice sobe para 19%.
No slideshow no início desta notícia, relembre filmes recentes que contaram com atores brancos em papéis de personagens de outras etnias.
![](https://br.web.img3.acsta.net/newsv7/17/09/02/05/43/0515150.jpg)
Johnny Depp como Tonto em O Cavaleiro Solitário (2013) Em O Cavaleiro Solitário, Depp foi recrutado para interpretar um personagem indígena que já havia sido estereotipado na série As Aventuras do Zorro, o Cavaleiro Solitário (1949 - 1957), mesmo sendo interpretado por um nativo americano legítimo, o ator Jay Silverheels. Com uma caracterização bizarra, o ator branco defendeu sua participação no filme alegando ter ancestrais da tribo cherokee, apesar de nunca ter provado sua ancestralidade indígena e descender de ingleses e franceses.
![](https://br.web.img3.acsta.net/newsv7/17/09/02/05/43/1999160.jpg)
Angelina Jolie como Mariane Pearl em O Preço da Coragem (2007) Jolie entregou uma performance incrível neste drama baseado em uma história real sobre uma mulher que teve o marido sequestrado por terroristas. A atriz chegou a receber indicações no Globo de Ouro e SAG Awards. O problema é que ela jamais deveria ter sido escalada para o papel de Mariane Pearl, uma mulher negra nascida na França, com ascendência cubana, chinesa e holandesa. O esforço da produção para fazer Jolie parecer com Pearl, incluindo a maquiagem e os penteados afro, nada mais são do que o velho blackface em pleno século XXI. No filme de ação O Procurado (2008), Jolie embranqueceu uma personagem outra vez. Ela interpreta uma personagem que é negra e inspirada em Halle Berry na adaptação da Fox para a HQ de Mark Millar e J. G. Jones.
![](https://br.web.img3.acsta.net/newsv7/17/09/02/05/43/3938150.jpg)
![](https://br.web.img3.acsta.net/newsv7/17/09/02/05/43/4910630.jpg)
Jake Gyllenhaal como Príncipe Dastan em Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo (2010) Com base no jogo de mesmo nome, que por sua vez faz parte de uma franquia que tem o clássico da literatura árabe As Mil e Uma Noites como uma das inspirações, Príncipe da Pérsia traz Gyllenhaal no papel principal e ainda conta com Gemma Arterton e Alfred Molina como personagens importantes, embora os atores europeus passem muito longe de ter ascendência iraniana.
![](https://br.web.img3.acsta.net/newsv7/17/09/02/05/43/5743460.jpg)
Benedict Cumberbatch como Khan Noonien Singh em Além da Escuridão - Star Trek (2013) A piada está pronta. Basta ler o nome do ator, típico de um lorde de alta sociedade britânica, e o de seu personagem, que originalmente era um indiano sikh. Khan foi vivido pelo mexicano Ricardo Montalbán na série Jornada nas Estrelas (1966 - 1969) e no filme Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan (1982). Claro que não seria ideal ter um latino como um vilão asiático, mas Montalbán foi escalado para o papel nos anos 60, uma época totalmente diferente, e era um estrangeiro de um país do terceiro mundo fazendo carreira nos Estados Unidos com um personagem de destaque. De certa forma, a escalação de Cumberbatch representou um passo atrás pela diversidade no filme de J.J. Abrams.
![](https://br.web.img2.acsta.net/newsv7/17/09/02/05/44/1079030.jpg)
Rooney Mara como Tigrinha em Peter Pan (2015) A branquitude indiscutível de Mara foi usada para transformar a única personagem indígena da história de Peter Pan em uma caricatura risível em um filme esquecível dirigido por Joe Wright. Em entrevista, a atriz admitiu ter se arrependido de ter particpado do longa-metragem. "Eu realmente odiei, odiei, odiei que eu tenha ficado do lado do embranquecimento da história do Peter Pan. Eu nunca mais quero ficar desse lado. Entendo o motivo das pessoas terem se chateado e frustrado."
![](https://br.web.img3.acsta.net/newsv7/17/09/02/05/44/1930800.jpg)
Tilda Swinton como Anciã em Doutor Estranho (2016) O personagem Ancient One é um homem tibetano nos quadrinhos. O guru foi transformado em mulher Universo Cinematográfico Marvel, o que causou polêmica e fez a Marvel Studios soltar até nota oficial para explicar a alteração. Segundo um dos roteiristas do filme, a intenção da mudança foi evitar o estereótipo Fu Manchu, que já ajudou a reforçar noções racistas sobre os asiáticos. As justificativas não mudam o fato de que os roteiristas poderiam ter se esforçado para construir um personagem asiático interessante e não mudar sua etnia.
![](https://br.web.img3.acsta.net/newsv7/17/09/02/05/44/2973580.jpg)
Liam Neeson como Ra’s al Ghul em Batman Begins (2005) A trilogia O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan, começou com uma competente atuação de Neeson como o mentor do Batman que se torna seu adversário. Entretanto, este é mais um caso no qual o erro está exposto já na contradição entre o nome do ator e o do personagem. Apresentado como um árabe nos quadrinhos da DC, Ra’s al Ghul é interpretado pelo australiano Matthew Nable em Arrow e pelo ator árabe Alexander Siddig, de cidadania sudanesa e britânica em Gotham.
![](https://br.web.img3.acsta.net/newsv7/17/09/02/05/44/3892330.jpg)
Justin Chatwin como Goku em Dragonball Evolution (2009) Hollywood não consegue adaptar decentemente um anime por motivos como a péssima escolha de elenco da versão com atores do clássico de Akira Toriyama. Chatwin, um ator canadense, interpreta o Goku em um filme que conta com atores asiáticos em papeis menores, mas escala Emmy Rossum para viver Buma.
![](https://br.web.img2.acsta.net/newsv7/17/09/02/05/44/4864220.jpg)
Boa parte do elenco principal de O Último Mestre do Ar (2010) Inspirado em lendas do folclore japonês e chinês, a animação americana-coreana Avatar: A Lenda de Aang é mais uma terrível adaptação que embranqueceu seus personagens principais. M. Night Shyamalan tentou defender seu filme alegando que os personagens de animes tem "características faciais ambíguas".
![](https://br.web.img3.acsta.net/newsv7/17/09/02/05/44/5888880.jpg)
Quase todas as adaptações bíblicas falham em representar adequadamente a etnia de seus personagens. Nos últimos anos, produções como A Paixão de Cristo (2004), Últimos Dias no Deserto (2015), Êxodo: Deuses e Reis (2014) e Noé (2014) trouxeram apenas atores brancos nos papéis principais de personagens que nasceram no Oriente Médio. Uma rara e grata exceção foi o drama A Cabana, que trouxe Avraham Aviv Alush como Jesus, marcando a primeira vez que um ator israelense interpretou o Messias em um filme com diálogos em inglês. Vale ressaltar que o embranquecimento da figura de Cristo e de outros personagens da Bíblia tem origem em aspectos cristalizados da iconografia cristã, já que boa parte da arte sacra da religião usa como base padrões eurocêntricos, como o irrealista Cristo loiro e de olhos azuis que estampa um sem-numero de quadros e ilustrações há séculos.