Christopher Nolan chega ao seu décimo longa-metragem numa posição curiosa em Hollywood. Revelado como uma promessa, aclamado como novo pai do blockbuster, o diretor inglês se lançou numa cruzada para ser um divisor de águas e acabou transformando a si mesmo num divisor de opiniões.
Ambicioso, busca dar sofisticação ao cinemão americano, e conquista o público. Pretensioso, banaliza o legado de verdadeiros gênios da sétima arte, e é massacrado pela crítica. Essa relação de "ame-o ou deixe-o" virou regra em se tratanto de Nolan, e não é diferente em seu já controverso novo filme, Dunkirk.
Assim sendo, listamos e ranqueamos os 10 filmes da versátil carreira de Christopher Nolan. Com comentários, e a conclusão a que se chega é de que o cineasta não é mesmo o maior do cinema, mas está longe de ser um dos piores.
10. Insônia
Refilmagem genérica de um longa-metragem estrangeiro, Insônia é um típico filme de encomenda, realizado com tamanho desleixo e impessoalidade que desperdiça o talento de atores como Al Pacino e Robin Williams, contratados para interpretar mera reprodução de arquétipos, personagens muito rasos. Não chega a ser um filme ofensivo de ruim, porém tão sem personalidade — inclusive desprovido de marcas distintivas do cinema de Christopher Nolan — que se mostra, disparado, o longa-metragem mais esquecível da carreira do diretor. Um suspense ordinário, previsível, que, se serve para alguma coisa, é para preencher a grade do Supercine em um sábado qualquer.
- Rodrigo Torres
9. Following
Filmado durante 52 finais de semana — ou seja, um ano inteiro — e por apenas US$ 6 mil, Following pode ser o primeiro trabalho de Nolan, mas já demonstra a confiança e a ousadia de um cineasta que viria a se estabelecer como um dos diretores mais técnicos e cerebrais do cinema contemporâneo. Homenagem à estética e ao aspecto psicológico dos filmes noir das décadas de 40 e 50, o filme apresenta o elemento que se tornaria uma das marcas registradas de Nolan: a narrativa não-linear. Following pode não ser tão espetacular ou grandioso quanto seus trabalhos mais recentes, mas é, certamente, uma obra corajosa e inteligente. Como longa-metragem de estreia, é simplesmente incrível. No fim das contas, a jornada ao interior da fraturada mente do protagonista de Following é puro encanto cinematográfico.
- Renato Furtado
8. Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge
Isolado, o capítulo final da trilogia do Cavaleiro das Trevas não é ruim. Christian Bale e Christopher Nolan mantêm a qualidade de suas performances e Tom Hardy é uma adição valiosa, criando um inimigo ameaçador — ainda que ininteligível. Entretanto, quando O Cavaleiro das Trevas Ressurge é colocado no contexto da saga, torna-se uma das maiores decepções dos últimos anos — e talvez de todos os tempos. Assim que o Batman é gravemente ferido, o longa degringola e vai ladeira abaixo a toda velocidade. As soluções encontradas pelo cineasta são pouco verossímeis (pertencem mais aos quadrinhos do que à lógica estabelecida por ele próprio), minando a qualidade realista da série. Até certo ponto, o filme se sustenta. Mas o longo ato final, confuso e apressado — a trama percorre cinco meses como se fossem segundos —, a ressurreição impossível de Bruce, as motivações cartunescas dos vilões e o melodrama exagerado impedem que a trilogia termine da forma correta.
- RF
7. Interestelar
Seria no mínimo reducionista dizer apenas que Interestelar é um filme ruim. Seria até impreciso, injusto com uma aventura que tão bem se apropria da larga escala para engajar o público na urgência de sua trama e evocar a grandiosidade da missão de Cooper (Matthew McConaughey), da imensidão do espaço e de todo um legado do subgênero — o que atende às expectativas já presentes no inconsciente do espectador. O problema surge quando Interestelar resolve a necessidade de um desfecho improvável, algo quase que inerente à condição de blockbuster que o filme ocupa, com uma articulação filosófica. O resultado é pífio, confuso, implausível, desastroso. Um deus ex machina cretino com verniz existencialista vagabundo. Christopher Nolan tanto anseia um lugar próximo a Stanley Kubrick, Andreï Tarkovski, e atinge o "requinte" de um Paulo Coelho. Pode, no máximo, reivindicar o título de Romero Britto do cinema filosófico.
- RT
6. Dunkirk
Há uma benção e uma maldição em Dunkirk e ambas atendem pelo mesmo nome: Christopher Nolan. Quando acerta, o cineasta entrega ao público sequências repletas de tensão e drama, utilizando seu extenso domínio da linguagem cinematográfica a seu favor. Nesses momentos, em que o diretor consegue conjugar perfeitamente a narrativa fraturada em três espaços-tempo distintos, a fotografia de Hoyte Van Hoythema, a trilha sonora de Hans Zimmer e a incrível engenharia de som, Dunkirk é fantástico. O cineasta mergulha o público no estado de espírito dos soldados que esperam pelo resgate e faz com que a plateia sinta toda a angústia e o desespero provocados pela situação. Por outro lado, quando Nolan erra, o filme sofre demais. A pesada direção, que exagera no uso das composições de Zimmer e não tira proveito algum do silêncio, realça os fracos diálogos fracos e o desperdício do talento de atores como Kenneth Branagh e Cillian Murphy. Há uma ausência de refinamento em certos pontos de Dunkirk — e quando até mesmo as eletrizantes cenas de guerra se tornam repetitivas, Nolan não consegue corrigir os equívocos que cometeu.
- RF
Se o cinema realmente é a arte da ilusão — como defendia o lendário Orson Welles —, O Grande Truque ajuda a comprovar o argumento. Baseado na competição obsessiva entre dois ilusionistas (Christian Bale e Hugh Jackman em performances inesquecíveis), o quinto filme de Nolan é baseado no cruzamento e articulação das temáticas e estratégias narrativas que definem o seu estilo de direção. O mistério central se desenrola como um passe de mágica e, como em todo bom show de ilusionismo, o que está em questão em O Grande Truque não é a resolução. Aqui, o cineasta se concentra na intrincada estrutura de sua proposta narrativa e na sua habilidade da execução. Carismático e irresistível como seus protagonistas, O Grande Truque é um ousado e extragavante experimento cinematográfico repleto de reviravoltas e surpresas. Mais Nolan, impossível.
- RF
O Homem-Morcego parecia fadado a um limbo de esquecimento depois que o diretor Joel Schumacher transformou o personagem num objeto de fetiche (com direito a mamilos!) em Batman & Robin. Não à toa, oito ano depois Batman Begins era lançado com publicidade modesta, sob um intenso espectro de desconfiança, e um nível de suspeita que crescia à medida em que era revelado o seu tom supostamente realista em excesso. Pois a contrapartida sombria ao tom carnavalesco dos filmes anteriores do Vigilante de Gotham viria a se mostrar um verdadeiro mergulho na essência severa do herói — o que não refuta a natureza fantástica do Batman, e, sim, resgata os arcos dos quadrinhos que melhor dimensionam a psique conturbada de um jovem bilionário que se esconde nas trevas para encontrar a si mesmo. Assim, Nolan realiza uma história de origem de fato, morosa porque dedicada, que uma vez estabelecida, realça grandiosos set pieces de ação regidos por uma trilha sonora empolgante e conduzidos por um protagonista (Christian Bale) inspirado. Não surpreende, portanto, que a aula de construção ensaiada em Batman Begins seja prelúdio de uma obra-prima dos filmes de super-heróis.
- RT
3. Amnésia
Esqueça o pior título já traduzido para o mercado brasileiro. Amnésia (condição que o protagonista diz claramente não ter) é um modelo exemplar das possibilidades do cinema, tanto servindo como um interessantíssimo exercício de linguagem, como articulando com eficiência e engajamento sua intrincada narrativa de trás pra frente. A cada reboot da memória de Leonard (Guy Pearce, num icônico visual platinado), uma nova sequência cujo final já se sabe, o que confunde deliciosamente a cabeça do espectador para além da sessão, e o convida para revisitas futuras. Mas, além disso, Christopher Nolan experimenta já aí, nos idos de 2000, seu interesse em refletir sobre temas mais profundos enquanto realiza uma obra essencialmente de entretenimento, explorando as potencialidades da (falta de) memória de seu personagem principal para pincelar sobre questões como identidade e vingança.
- RT
2. A Origem
A estrutura dos sonhos humanos é um mistério que ainda não foi (e provavelmente não será) totalmente solucionado. O que está por trás das imagens que vemos em nossas mentes quando dormimos? Como todo bom enigma sem resposta, o ambiente onírico é tema principal de alguns dos maiores clássicos da sétima arte. Monstros sagrados do cinema — como Federico Fellini e Luís Buñuel — podem ter explorado a questão dos sonhos em suas principais obras, mas foi Christopher Nolan quem ajudou a popularizar o debate no cinema com A Origem. O oitavo filme do realizador britânico arrecadou quase US$ 1 bilhão nas bilheterias ao redor do mundo trazendo uma mistura singular: um filme de arte com explosões, em sua essência, puro entretenimento com conceitos profundos sobre a psique humana. Espetacular, visualmente belo e absurdamente ousado, o longa equilibra diversas influências riquíssimas como a obra surrealista de Satoshi Kon (Paprika) e o apuro estético de Stanley Kubrick. As performances de Leonardo DiCaprio, Marion Cotillard e companhia são incríveis e elevam o drama ao nível da tragédia. Um filme de roubo ambientado dentro da arquitetura da mente, dizia o slogan do longa. Bem, A Origem é exatamente isso. E muito mais.
- RF
1. Batman - O Cavaleiro das Trevas
O maior problema dos filmes de super-heróis da atualidade é a sua plena fugacidade. Não sabemos quem são esses personagens para além de suas ações, que, assim, acontecem como que no piloto automático de uma pequena lista de valores banhados em maniqueísmo. O Homem-Morcego esbanja complexidade graças à sua introdução minuciosa em Batman Begins. Então, no filme seguinte, o Cavaleiro das Trevas é presenteado com um antagonista que é a sua contraparte do mal, ou possuidor de um conjunto de idiossincrasias mais particular, deturpadas. Assim nasce, também, algo raro na atualidade: um grande vilão, dotado de consciência, de autoconsciência, embora movido justamente pela loucura. Tal como o Homem-Morcego abraça a justiça para não enlouquecer, o Coringa enlouquece por descrença na justiça, e se torna ele mesmo o fiel dessa balança, sendo ele mesmo o agente do caos que o rodeia. Heath Ledger constrói esse fenômeno de maneira assombrosa, até trágica, com singularidade tal que supera a performance burlesca de Jack Nicholson. E a dualidade que move a trama, engenhosa, é conduzida num crescente permanente de tensão, reveses, tragédias, tudo representado com o que Hollywood tem de melhor a agregar ao subgênero (e definitivamente não é o CGI — tão responsável pela superficialidade dos desfechos na Marvel, aplicado em excesso no sofrível Universo Estendido da DC e aqui empregado com eficiente economia), de uma trilha sonora épica às tomadas grandiosas em IMAX.
- RT
10. Insônia
Um suspense sob encomenda genérico como um típico exemplar do Supercine.
9. Following
Following é o primeiro trabalho de Nolan e já demonstra sua coragem e ousadia como cineasta.
8. Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge
O Cavaleiro das Trevas Ressurge pode ser uma das maiores decepções da história da sétima arte.
7. Interestelar
Nolan mira em Stanley Kubrick e acerta em Paulo Coelho no final desastroso de Interestelar.
6. Dunkirk
Há uma benção e uma maldição em Dunkirk e ambas atendem pelo mesmo nome: Christopher Nolan.
5. O Grande Truque
O Grande Truque é um ousado experimento repleto de reviravoltas e surpresas. Mais Nolan, impossível.
4. Batman Begins
Um reinício envolto em desconfiança que aposta num ambicioso realismo e acerta ao resgatar a essência sombria do Homem-Morcego.
3. Amnésia
Exercício inventivo em prol de uma narrativa envolvente. Um filme pra ver e rever.
2. A Origem
Espetacular, visualmente belo e absurdamente ousado, A Origem é um marco na história do cinema.
1. Batman - O Cavaleiro das Trevas
O maior filme de super-heróis da história do cinema, com o vilão mais complexo e assombroso.