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    Mostra de Tiradentes 2017: Força feminina é exaltada em noite que homenageou Leandra Leal e Helena Ignez

    Noite de abertura foi marcada por performance musical, manifestações (e reações) políticas e sessão do belo documentário Divinas Divas, estreia de Leandra Leal na direção.

    Com trajetórias profissionais bastante distintas e frutos de contextos diferentes do audiovisual nacional, Helena Ignez e Leandra Leal têm em comum uma carreira marcada pela exploração da potência feminina diante e atrás das câmeras.

    As duas atrizes foram foram homenageadas na abertura da 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes, evento que abre o calendário de festivais brasileiros, na noite de sexta-feira (20), na cerimônia realizada no Cine-Tenda.

    "Que beleza de noite", disse Ignez, que recebeu o Troféu Barroco das mãos de sua filha Djin Sganzerla e subiu ao palco ao som de "Mr. Sganzerla", de Gilberto Gil, tema de Copacabana Mon Amour, um de seus principais trabalhos como atriz. "Isso é um grande prazer, é amor. Isso são estilhaços de amor que chegam com grande força e nos leva a fazer um trabalho cada vez melhor", disse a atriz-ícone do cinema marginal que também levou seu espírito libertário para a direção, realizando filmes como Ralé e Luz nas Trevas - A Volta do Bandido da Luz Vermelha.

    Representando uma geração que surgiu nos anos da retomada do cinema brasileiro, Leal voltou à Tiradentes num momento marcante tanto para sua carreira quanto para a mostra. Há duas décadas atriz fazia sua estreia nos cinemas com o filme A Ostra e o Vento (1997), de Walter Lima Jr., que passou na primeira Mostra de Tiradentes, que agora também comemora 20 anos de existência.

    Jackson Romanelli/Universo Produção

    "Que bom que a nossa profissão é generosa e que eu ainda terei muitos anos para vir aqui e compartilhar outros projetos", disse Leal, que recebeu Troféu Barroco de sua mãe, a também atriz Ângela Leal. Com tantas estrelas do cinema nacional no palco, quem roubou a cena foi a pequena Júlia, filna de Leandra, que graciosamente interrompia o discurso da mãe, arrancando risadas do público. "Fiz questão de trazer ela aqui porque eu fui criada assim. Obrigada, minha mãe pela referência" , disse Leal, que começou sua carreira como atriz ainda na infância.

    Performance e protestos

    Meia hora antes da abertura da mostra, uma fila quilométrica se estendia nos arredores do Cine-Tenda, numa agradável noite de verão em Tiradentes. Foram distribuídas mais senhas para o público do que o local comportava e a sala ficou completamente lotada, com algumas pessoas em pé nas laterais.

    Como de costume em cerimônias do tipo, o evento atrasou cerca de 20 minutos, mas quando começou, a noite começou forma impactante com a poderosa performance de voz e percussão da cantora Josi Lopes. Ao todo, a abertura trouxe diversos números musicais que dialogavam com a questão feminina e com temas políticos, como uma versão retrabalhada de "Perfeição", da Legião Urbana.

    Jackson Romanelli/Universo Produção

    Após os agradecimentos protocolares aos patrocinadores e parceiros do evento, Raquel Hallak, agradeceu a presença de Fernando Pimentel (PT), governador de Minas Gerais. As menções ao político foram marcada por protestos. "Volta, Filme em Minas!", gritavam algumas pessoas em relação ao programa de incentivo ao audiovisual mineiro que, segundo a Associação de Trabalhadores do Cinema Independente de Minas Gerais (ATCIMG), está paralizado desde o início da gestão de Pimentel. Chamado ao pulpito, Pimentel falou brevemente e terminou sua participação dizendo que "quanto mais difíceis os tempos, mais nós precisamos da arte para nos ajudar", sendo recebido por um misto de aplausos e mais protestos.

    O clima de reivindicação se alinha perfeitamente ao tema desta edição da Mostra de Tiradentes, que é "Cinema em Reação/Reinvenção na Crise", que norteou a curadoria a selecionar filmes que estabeleçam leituras e percepções às conturbações políticas e sociais que permearam os acontecimentos do ano de 2016 no Brasil e no mundo.

    Um vídeo que compila de forma não-cronológica alguns dos acontecimentos mais importantes no Brasil e no mundo nos últimos 20 anos foi exibido para apresentar o tema. O vídeo instigou a plateia que "caiu na isca" e não hesitou em reagir com intensas palmas no momento em que exibida a posse do ex-presidente Lula e com muitas vaias contra a figura de Michel Temer. Quando a retrospectiva mostrou a notícia da morte do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, que morreu num acidente de avião no dia anterior, houve reações: "Atentado!"

    Beto Staino/Universo Produção

    Outro mote muito forte da noite foi a questão feminina. O tema foi abordado nas canções, nas performances e num belo discurso da performance de abertura com alusões a Ignez, Leal e a todas as mulheres que trabalham com audiovisual: "Eu sou mulher, eu sou menina, eu sou muitas. Eu sou todas numa só. Eu também sou dessas, sou daquelas. Eu sou o que eu quiser. Dessas que produzem seus próprios discursos tijolo por tijolo. Que mudam o eixo da tela no coração do cinema marginal, no borogodó do Teatro Rival. Daquelas que nos mostram outras margens do país. Dessas que se fazem divas, divinas. Que tem orgulho de ser marginal, que tem orgulho da ralé. A mulher que nina a vanguarda no colo e que canta para a vanguarda acordar. Daquelas que escolhem suas próprias belezas e abrem teatros e caminhos. Dessas que seguram suas próprias câmeras e seus próprios estandartes."

    Je suis comme je suis

    Após todas as solenidades, foi apresentado ao público o filme de abertura da 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes, o amoroso e vivaz documentário Divinas Divas, estreia com o pé direito de Leandra Leal como realizadora.

    Movido por um profundo senso de ternura e humanismo, o longa-metragem lança seus holofotes na vida das artistas que marcaram seus nomes na história do teatro ao se consolidarem como a primeira geração de sucesso de performers travestis do Brasil. Acompanhamos o canto, a dança, as memórias, altos e baixos de Rogéria, Camille K, Divina Valéria, Eloína dos Leopardos, Fujika de Halliday, Brigitte de Búzios, Jane Di Castro e Marquesa, que viveram o estrelato nos palcos entre as décadas de 1960 e 1970, formando o grupo que dá nome ao filme.

    Divulgação

    Leandra conheceu muitas dessas artistas ainda na infância. Filha de uma atriz e neta de um agitador cultural, foi no teatro do avô Américo Leal que teve seu primeiro contato com as Divinas, que estavam em casa quando se apresentavam no Teatro Rival. Enquanto examina suas próprias memórias pessoais e familiares em paralelo, Leandra exibe a história de vida dessas mulheres e acompanha os ensaios dessas artistas, agora septuagenárias, em 2014, quando se reuniram para um espetáculo que serve como o canto do cisne das Divinas.

    O filme tem um potencial pop muito grande que se deve às divertidíssimas tiradas das artistas, que avaliam suas vidas com muito um humor por vezes extravagante, por vezes agridoce. Há um bom equilíbrio entre imagens de arquivo e depoimentos recentes, uma montagem muito competente que faz com que a extensa duração do filme pouco seja sentida e uma competente direção de fotografia, que destaca dos tons dourados do palco e as marcas corporais da velhice com a mesma reverência e respeito.

     

    Ignez e Leal receberam Troféu Barroco acompanhadas de suas famílias.

    Helena Ignez, Leandra Leal e Júlia, filha da atriz.

    Angela Leal e Helena Ignez se cumprimentam.

    Helena Ignez e Djin Sganzerla, sua filha.

    Três gerações: Júlia, Leandra e Ângela Leal.

    Grazi Medrado durante a performance audiovisual que abriu a noite.

    Cine Tenda lotado na noite de abertura da Mostra de Cinema de Tiradentes.

    Fernando Pimentel (PT), governador de Minas Gerais, fala na abertura da mostra.

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