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    Cine Ceará 2016: Belos filmes e 'Fora Temer' marcam a abertura do festival

    Realizadores e o homenageado Chico Diaz pedem a volta de Dilma Rousseff. Abissal cativa, Avó encanta.

    A noite quente de Fortaleza invadiu o Cine Teatro São Luiz na abertura do Cine Ceará 2016. A crise política que assola o país inflamou o ambiente em quase toda a apresentação do evento. Na telona, a escolha sintomática de um curta e um longa-metragem que representam o esforço dos curadores na 26ª edição do evento: no documentário Abissal, a força do cinema nacional e cearense no festival; no onírico Avó, a descoberta de uma joia que dá singularidade a um tema universal (família) por sua estrutura narrativa e, principalmente, estética.

    Seguindo o tom do Festival Guarnicê, há 10 dias, o evento começou sob os gritos de "Fora Temer" de uma plateia munida de cartazes. Homenageado da noite, o ator Chico Díaz lamentou a corrupção institucionalizada no país e tratou como injusto o impeachment em curso. A declaração final de seu apoio a Dilma Rousseff foi uma camiseta com o rosto da presidente eleita, sob da camisa de botão, como pele.

    Chico Díaz também falou sobre a carreira. Dedicou a homenagem a todos que participaram de sua trajetória e revelou orgulho por ter trabalho com estrelas internacionais, como Marcello Mastroianni, e nacionais, de Nelson Pereira dos Santos e Ruy Guerra a Zezé Motta. Brincou ao lembrar de como sofreu preconceito ao virar ator ("Mas você é tão inteligente...") e ao ver o resultado de seu ato de rebeldia: um cinema de pé, aplaudindo-o e emocionando-o.

    Localizado na Praça do Ferreira, o Cine Teatro São Luiz remonta à tradição dos cinemas de rua, com uma fachada clássica e carrocinhas de pipoca na entrada. Lá dentro, o cinema — reaberto em 2015 após cinco anos sem atividades — ainda proporciona uma ótima experiência cinematográfica, com poltronas confortáveis, grande qualidade de som e imagem e uma arquitetura linda. Se a acústica vacila quando o volume é mais alto, isso se deve pela estrutura do prédio tombado. Um pequeno ônus diante da maravilha do São Luiz.

    Abissal é a força do cinema do Ceará

    Arthur Leite representa a relação do Cine Ceará com a produção cinematográfica local, que cresceu proporcionalmente com à criação de cursos superiores e técnicos de cinema no estado. O resultado disso é uma indústria independente consolidada e de muita qualidade — como o diretor e roteirista comprova com seu novo curta-metragem, Abissal.

    Vencedor do principal festival nacional de documentários, Isto é Tudo Verdade, Abissal tem uma estética curiosa. Com gravidade, o curta transita entre o registro tradicional dos depoimentos de sua biografada (e somente ela, Rosa), no maior estilo Eduardo Coutinho, e uma narração ilustrada por imagens contemplativas que não só evocam o tom de mistério da história, como remontam à emblemática fotografia de um dos filmes mais premiados do cinema cearense recente: Mãe e Filha, de Petrus Cariry. Sua irmã Bárbara é produtora de ambos, Mãe e Abissal — será coincidência?!

    Pouco importa. Importante aqui é pontuar como essa atmosfera de suspense realça a confusão de Arthur, o cineasta que se surpreende ao ouvir de sua avó uma história completamente diferente daquela que ouviu ao longo de 24 anos; toda a sua vida. Para ele, os anos de mentira sobre a história do avô revelam uma atriz em sua avó — que é magnífica! Com seu discurso confuso, cortado, falso e involuntariamente hilário, Rosa faz jus à "profissão" e, como uma personagem de neo-noir, jamais revela a verdade por trás da "verdade" que conta.

    O final em aberto não impede Abissal de ser um ótimo filme. Pelo contrário: inconscientemente, ecoa um dos grandes documentários dos últimos anos: Histórias Que Contamos, de Sarah Polley. Porém, a história incompleta incomoda Arthur, que capta recursos para rumar Ceará adentro e descobrir, no formato minissérie, a história perdida de sua família. Que ele tenha sucesso em sua empreitada e, em seu objetivo pessoal, dê luz a mais uma obra cinematográfica tão bonita e bem contada.

    Avó, o elo de família que move a arte

    Um drama familiar baseado na figura da avó narrativa e esteticamente único. A elogiosa descrição cabe tanto a Abissal como a Avó — que, enquanto longa-metragem, se mostra uma investigação mais lenta e profunda tanto de uma relação em família, como de outros temas.

    Asier Altuna ambienta Amama (no original) quase todo num típico caserío do País Basco. Ali, as tradições da região são ainda mais fortes e acentuam um conflito de gerações. Tomás (Kandido Uranga) é o patriarca, um homem rural que aprendeu a ganhar a vida com as mãos e vive somente para isso. Seu modo severo e arcaico (assim como o ganha pão no campo) já não se sustenta no mundo atual, e o isola dos filhos. A caçula Amaia (Iraia Elias) retorna para um ensaio fotográfico com a avó (Amparo Badiola) — e é isto que torna a personagem-título ao mesmo tempo secundária e tão importante à história. É ela quem une a família e move a arte de Amaia. E de Altuna, já que ela é motriz desse longa-metragem com ecos de semiautobiografia.

    O caserío basco se tornou um local místico para as novas gerações. Este é o ponto de vista de Amaia, que, enquanto artista plástica, permite que o diretor e roteirista Asier Altuna alterne a realidade que viveu ao onirismo que permeia suas lembranças. Base fundadora daquela família, a avó é retratada como um mito que insiste em fincar as raízes de Amaia e seus irmãos no campo. O que rende planos belíssimos, mas também um certo excesso estilístico por parte do cineasta, estreante em longas-metragens.

    Ainda assim, Asier Altuna faz e mostra o que é Cinema. Sua narrativa é repleta de simbolismos e está sempre contrastando o passado e o presente em modos, objetos e cores. Engole o espectador pelo modo como explora o caserío, o dia a dia rural, a chuva que escorre da calha, a maçã colhida... Quando Isabel (Klara Badiola) acende o fogão, quase se sente o cheiro de comida caseira à lenha. E isso se dá por sua plena realização cinematográfica, da fotografia detalhista ao magnífico trabalho de captação de som direto.

    Avó, também assim, aglutina aspectos caros à curadoria do Cine Ceará: um senso artístico forte, mise-en-scène refinada, de experimentação, libertação estética, e a capacidade de explorar um tema tão comum ao público (família) de forma lírica, sensível, singular.

    Hoje no Cine Ceará 2016

    Nesta sexta-feira (17), a mostra competitiva de curtas apresenta os filmes Quando é lá fora, de André Pádua e Leonardo Branco, O Teto Sobre Nós, de Bruno Carboni, USP 7%, de Daniel Mello e Bruno Bocchini, e Monstro, de Breno Baptistae. O filme mexicano Epitáfio, de Yulene Olaizola e Rubén Imaz, representa o México na mostra competitiva de longas.

    O ator Francisco Gaspar comemora a abertura do 26º Cine Ceará à frente do Cine Teatro São Luiz.

    Iraia Elias

    Panorâmica do segundo andar do lindíssimo Cine Teatro São Luiz.

    Cine Teatro São Luiz

    Wolney Oliveira, diretor do Cine Ceará, cumprimenta o homenageado da noite, Chico Díaz.

    Reitor da Universidade Federal do Ceará, o professor Henry Campos.

    Chico Díaz, Silvia Buarque e, desfocado, o diretor Halder Gomes.

    Secretário de Cultura do Ceará, Fabiano dos Santos.

    Embaixadora do México no Brasil, Beatriz Paredes Rangel representou o país homenageado no 26º Cine Ceará.

    Chico Díaz recebe a homenagem do 26º Cine Ceará das mãos do cineasta e amigo Halder Gomes.

    Chico Díaz...

    ... emocionado com o carinho do público.

    Nasce um meme? Chico Díaz "surpreso" ao abrir no palco uma das dezenas de folhetos de "Fora Temer" levantados na plateia.

    Ovacionado, Chico tomou coragem e, à la Clark Kent, revelou a camiseta com o rosto da jovem Dilma Rousseff que vestia sob a blusa.

    Chico Díaz protestou contra a corrupção do governo interino de Michel Temer e pediu a volta de Dilma Rousseff.

    Abissal representado pelo diretor e roteirista Arthur Leite e pela produtora Barbara Cariry.

    Após dedicar Abissal à família e a Dilma Rousseff, Arthur Leite convocou seus amigos, que protestaram no palco do 26º Cine Ceará.

    "Fora Temer", gritavam os joves.

    A atriz Iraia Elias apresentou e representou o longa-metragem Avó.

    Iraia Elias

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