Os anos 90, nunca foram tão elegantes quando em “Por Amor” ao escutar os diálogos de Manoel Carlos, me sinto como se estivesse ouvindo uma orquestra sinfônica: cada diálogo cuidadosamente construído para ressoar com autenticidade. Se você espera ação ao nível de um marido traficante do morro que morre e uma esposa que toma seu lugar, cheio de sexo, drogas, pessoas sendo enterradas vivas, e violência o tempo todo, esta novela não é para você. Aqui o realismo da narrativa é o que a diferencia, temos pessoas comuns do dia a dia, com quem convivemos.
Quem não conhece uma Branca Letícia (Susana Vieira) preconceituosa, manipuladora, cínica e falsa, ela esconde tudo por trás de um sorriso e de um charme encantador, que faz até o espectador duvidar de sua maldade em certas cenas. A protagonista é Helena Viana (Regina Duarte), que parece ser a atriz preferida do autor, já que interpretou mais duas Helenas em outras novelas. Não há como questionar: ela faz um trabalho belíssimo, sendo uma mulher linda de alma e aparência, que conquistou sua casa e trabalho, criando sua filha sozinha, acolhendo e ajudando todos à sua volta sem esperar nada em troca. Mas não pense que ela é um ser perfeito: Helena tem defeitos, incluindo amar demais sua filha Eduarda (Gabriela Duarte, sua filha na vida real também), algo que ela admite e que gera o trama principal da novela.
No começo, Eduarda é uma menina muito mimada, insegura, arrogante e maldosa até com sua meia-irmã Sandrinha (Cecíllia Dassi) filha do seu pai Orestes (Paulo José). Ela tem ódio de questões mal resolvidas no passado com o pai e se sente constantemente pressionada a ter um filho, que não pode ser de forma alguma menina, para segurar seu casamento com Marcelo (Fábio Assunção), filho de Branca. Marcelo é um homem machista, possessivo, emotivo e ciumento, pressionado por sua mãe, que manipula todos à sua volta para que façam o que ela quer. É lindo ver a evolução de Eduarda e Marcelo, a forma como Sandrinha alegra o coração de Eduarda nos seus dias tristes como um anjo iluminado, puro e inocente, fazendo-a abrir um sorriso. Sandrinha também reaproxima Orestes de Eduarda, algo que parecia impossível.
A novela é cheia de histórias românticas e aborda preconceito, traição, racismo, injustiças, tudo fluindo de forma muito natural, nada é forçado. Não senti essa monotonia que alguns mencionam; senti angústia, ódio, raiva e discordei de atitudes de certos personagens. A novela não é perfeita, é imperfeita, assim como as pessoas no cotidiano: uma mulher que volta com o marido agressor, uma madame que se safa de cometer crimes, um marido que trai sua esposa e esconde, colocando a culpa nela quando é descoberto, isso de forma a provocar reflexão e empatia no público. Tudo isso com personagens que sabem atuar e estão lá por talento, especialmente as mulheres: a inesquecível e chique Branca Letícia de Barros Motta, a impecável Helena que dispensa elogios, a talentosa Sandrinha (uma criança que dá um show) e Eduarda, que no começo foi criticada, mas à medida que a novela se desenvolvia, foi crescendo nos telespectadores e se tornou uma das melhores personagens e por ser filha da Helena na vida real, deu um toque a mais na relação entre as duas personagens que expressam seu amor de mãe e filha de uma forma única. E não podemos esquecer tudo isso com a trilha sonora de bossa nova, ambientação no Leblon, com corridas e passeios no calçadão da praia e mansões lindas na barra da Tijuca, charme comum das novelas de Manoel Carlos, eu como telespectador esqueço da minha vida e chego a sentir vontade de viver essa realidade.
"Por Amor" é uma novela que não busca ser extravagante ou sensacionalista. Em vez disso, ela se concentra nas emoções e dilemas reais das pessoas comuns, fazendo com que o público se veja refletido nas histórias apresentadas. É essa autenticidade que a torna um clássico atemporal, deixando os espectadores com um desejo de mais, mesmo após o final.