Teatro da Pacificação.
Quando o renomado diretor Steven Spielberg trouxe ao mundo O Resgate do Soldado Ryan em 1998, o cinema passou a ver a ação de filmes de guerra sob uma outra ótica, mais incisiva e retratando suas consequências de maneira mais forte e quase minimalista. Dessa forma, a expectativa sobre produções do gênero passaram a ser altas, sempre com elevada tensão, ainda mais se produzidas pelo Spielberg. Em 2010, ao lado de Tom Hanks e Gary Goetzman, Spielberg produziu com a HBO uma minissérie chamada THE PACIFIC, esta agora acompanhando esquadrões da marinha norte americana.
Protagonizada por três soldados, The Pacific mostra as investidas da marinha americana na segunda guerra mundial, em específico com ações em território japonês. As subdivisões da história mostram o pelotão comandado por John Basilone (Jon Seda) e outros dois soldados de companhias distintas, sendo eles Robert Leckie (James Badge Dale) e Eugene Sledgehammer" Sledge (Joseph Mazzello). O arco narrativo tem começo na batalha de Guadalcanal, já mostrando a brutalidade da ação e seus resultantes, com todas as dificuldades de enfrentar soldados inimigos na selva e sob forte chuva. Embora não seja uma vitória tão complicada de ser alcançada, isso torna o sargento John Basilone uma celebridade, pois a marinha resolve ar a ele uma condecoração e fazer uso disso para torná-lo uma celebridade, elevando a moral da corporação às alturas e visando também mais investimentos em armamento e soldados. Esse aspecto político cria uma cultura premeditada na nação de pura alienação, uma vez que faz parecer que o massacre em Guadalcanal foi ato de heroísmo, mas jamais trata das baixas de ambos os lados, algo que não é diferente da cultura atual.
Com Basilone nos holofotes da mídia, o enredo passa a dar foco ao soldado Leckie, aqui começamos a notar os aspectos dramáticos da guerra e não seu suposto glamour. Leckie e seus companheiros enfrentam as adversidades e dificuldades oferecidas pelo clima, principalmente chuvas fortes e constantes, geografia do terreno, seja nas florestas ou em terrenos mais abertos e, principalmente, doenças. Por se tratar de uma época em que a medicina não era tão evoluída e cuidar dos soldados era algo básico, percebemos as sérias dificuldades que o ambiente da guerra trazia aos jovens soldados. Diarreias, infecções urinárias, malária ente outras eram comuns e em alguns casos fatais, pois a precariedade do ambiente não permitia cuidados devidos. Ainda focado em Leckie, acompanhamos as loucuras de jovens inexperientes psicologicamente, presenciando a diversão deles ao torturar um japonês que, após uma batalha restou como único sobrevivente; ou mesmo no itinerário de trem quando se divertem matando as vacas de um fazendeiro local. O protagonista em questão se mostra mais lúcido ao ponto de questionar abertamente as ações infantis de outros soldados diante do caos que é a guerra.
A partir da metade da série, outro protagonista ganha presença, talvez a mais marcante do ponto de vista dramático. Trata-se de Eugene Sledge, um morador de Atlanta, de classe média e fortemente influenciado pela mídia e amigos para se alistar e servir aos propósitos da guerra. Mesmo contrariando opiniões do pais, Sledge segue para as ilhas no entorno do pacífico achando que estava a caminho de uma festividade, da celebração de invencíveis soldados e amigos insuperáveis. É neste mote que ele começa a ter suas primeiras e mais frustrantes experiências, vivenciando o contrário do luxo que tinha na comodidade de sua casa e o que soldados fazem para espantar o ócio. Durante as batalhas é que ele passa a notar do que a guerra é capaz, vivenciando toda a brutalidade resultante do desejo de sair vencedor, mesmo que para isso o ser humano seja tratado como mero objeto descartável. Ao longo de suas participações, ele aprende como as pessoas tendem a se portar perante um ambiente tão hostil, alguns sendo genocidas por prazer, inclusive se divertindo com a morte ou sofrimento alheio; outros se desesperando pela falta de preparo psicológico para lidar com as situações típicas de uma guerra.
Apesar do forte apelo dramático ser notável, já que isso sustenta muito bem a minissérie, The Pacific também é um primor do ponto de vista técnico, até porque seus 150 milhões de dólares em orçamento permitiram isso. As batalhas, muitas inclusive se prolongado além do que estamos acostumados a ver em filmes, são tecnicamente impecáveis, desde o ambiente e suas variantes geográficas muito bem aproveitadas para ampliar a tensão claustrofóbica de algumas situações. Quanto aos aparatos de guerra usados, há uma gigantesca variedade de armamentos de fogo, desde os portáteis até os mais pesados, como jipes e blindados, tudo com uma precisão de detalhes que deixa os mais atentos surpresos. Sem contar o nível de realismo proveniente dos tiros e explosões: sangue jorrando, pernas sendo partidas, braços e rosto perfurados, vísceras expostas, corpos inteiros explodindo, partes humanas em decomposição e por aí vai... Evidentemente que para tudo isso funcionar, os aspectos sonoros devem ser bem usados e dosados; isso também merece nota, a começar pelo brilhante tema de abertura composto por Hans Zimmer que tem alguns trechos que ficam grudados e sendo reproduzidos mentalmente sempre que lembramos da série; sem contar os efeitos sonoros dos tiros e explosões, estes que causam um espetáculo a parte, pois são fruto de uma cuidadosa edição, dando a plena noção de situações que estão ocorrendo próximo ou longe do personagem em foco; sem deixar também de dar destaque aos efeitos visuais, em mar aberto e aeronaves ajudam a compilar e dar uma boa noção da grandeza do que ocorre.
THE PACIFIC carrega consigo o trunfo de ser produzido por Steven Spielberg e Tom Hanks, algo que já denota qualidade por si só, mas ainda sim é uma série grandiosa em todos os aspectos, tanto técnicos quanto narrativos. Prima por dar grande destaque às consequências da guerra do ponto de vista humano e psicológico e os agravantes para aqueles que participaram e saíram "vivos". É uma produção que traz questionamentos sobre as futilidades da guerra e como a cultura trata isso de forma alienada. Ainda sim é uma série emocionante, angustiante e chocante por suas conclusões, vale cada minuto investido nos 10 capítulos sensacionais.