A série "Wandinha" (2022), uma produção original da Netflix criada por Alfred Gough e Miles Millar, sob a direção de Tim Burton, explora uma releitura contemporânea do universo da icônica Família Addams, com foco na personagem Wandinha Addams (interpretada por Jenna Ortega). A primeira temporada da série, composta por oito episódios, narra a trajetória da jovem em um colégio interno para excluídos, a Nevermore Academy, enquanto ela tenta resolver um mistério que envolve assassinatos, segredos familiares e sua própria identidade. Contudo, essa narrativa, apesar de ser visualmente cativante e repleta de potencial, apresenta uma série de questões que merecem uma análise crítica, tanto em termos narrativos quanto de concepção geral.
Tim Burton é conhecido por seu estilo sombrio, gótico e, ao mesmo tempo, excêntrico, características que moldam a atmosfera da série. A estética visual de "Wandinha" é, sem dúvida, um dos pontos altos da produção. A direção artística combina elementos góticos com um toque moderno, criando um ambiente envolvente e visualmente agradável. O uso de uma paleta de cores sombria, contrastada com os tons pálidos de Wandinha, destaca-se como uma escolha estilística que reforça a sensação de deslocamento da personagem em relação ao mundo ao seu redor. Além disso, a construção dos cenários de Nevermore, com seus elementos arquitetônicos neo-góticos, complementa a aura de mistério que permeia a narrativa.
No entanto, ao observar a série sob um olhar mais crítico, é possível questionar a superficialidade com que Burton retrata essa ambientação. Apesar da beleza estética, falta profundidade na construção do mundo de Nevermore. Não há uma exploração significativa dos detalhes e regras desse universo, e muitos dos aspectos mais intrigantes da ambientação parecem estar ali apenas para ornamentar, sem contribuir de forma substancial para a trama ou para o desenvolvimento dos personagens.
Jenna Ortega entrega uma performance digna de nota como Wandinha Addams. A atriz consegue capturar a essência sarcástica, sombria e apática da personagem, resgatando a ironia ácida que sempre caracterizou Wandinha, mas adicionando nuances de vulnerabilidade e curiosidade que são fundamentais para a trama da série. A caracterização de Wandinha como uma adolescente deslocada, introspectiva e com um senso de moral peculiar oferece uma perspectiva fresca e mais profunda da personagem.
No entanto, a série falha em ir além dos clichês esperados em narrativas adolescentes de "outsiders". A introdução da trama investigativa, com Wandinha assumindo o papel de uma espécie de detetive amadora que busca desvendar uma série de assassinatos sobrenaturais, não só reforça estereótipos sobre a "garota estranha" com uma inteligência acima da média, como também dilui o impacto do mistério central. O enredo, por vezes, se perde em reviravoltas previsíveis e na tentativa de equilibrar o tom de comédia macabra com o suspense, sem alcançar o nível de complexidade ou inovação que o público poderia esperar de uma série com um histórico tão icônico por trás.
Um dos problemas mais evidentes na série é o tratamento dos personagens secundários. Embora haja uma tentativa de construir relações interessantes entre Wandinha e seus colegas de Nevermore, como sua colega de quarto Enid (Emma Myers), a série tropeça ao cair em arquétipos bastante superficiais. Muitos dos personagens coadjuvantes não são suficientemente desenvolvidos, existindo apenas para servir como suporte à jornada de Wandinha ou para criar subtramas que raramente têm uma resolução satisfatória. O colégio, por exemplo, que deveria ser um espaço rico em diversidade de personalidades e histórias, acaba se tornando apenas um pano de fundo para os conflitos internos da protagonista.
Em especial, a dinâmica entre Wandinha e sua família, tão essencial para a mitologia da Família Addams, é tratada de forma rasa. Mortícia (Catherine Zeta-Jones) e Gomez Addams (Luis Guzmán) têm poucas aparições e, quando surgem, suas interações com Wandinha carecem de profundidade emocional ou impacto narrativo. A relação mãe e filha, que poderia ter sido explorada de maneira mais complexa, acaba resumida a breves momentos de conflito e reconciliação que não causam o efeito esperado.
A trama investigativa, que deveria ser o ponto central da temporada, sofre com uma execução que alterna entre momentos interessantes e uma previsibilidade frustrante. O mistério dos assassinatos que ocorrem em torno da academia e as ligações com o passado de Wandinha são desenvolvidos de forma dispersa. Embora a série tente se manter envolvente com pistas e reviravoltas, o desfecho da temporada é decepcionantemente anticlimático e previsível. O uso excessivo de clichês do gênero "whodunit" (quem é o culpado) dilui a tensão, e muitos espectadores podem identificar o vilão antes do tempo, o que prejudica a experiência geral.
Além disso, o desenvolvimento do arco de Wandinha como uma "escolhida" com poderes especiais segue uma fórmula já vista em diversas produções adolescentes sobrenaturais, o que contribui para a falta de originalidade da série. A tentativa de misturar o gênero de investigação com o sobrenatural e o drama adolescente, apesar de ser uma ideia promissora, não consegue sustentar uma narrativa coesa e inovadora.
"Wandinha" é, sem dúvida, uma série que chama a atenção por sua estética e pela competente atuação de Jenna Ortega, mas peca por não explorar de maneira mais profunda e original o universo rico que tem à disposição. A direção de Tim Burton oferece um espetáculo visual, mas falha em equilibrar a narrativa e em criar um enredo verdadeiramente intrigante. A série se limita a uma trama que, em última instância, é previsível e formulaica, desperdiçando o potencial de inovação que um projeto da Família Addams poderia proporcionar em uma releitura contemporânea.
A primeira temporada de "Wandinha" parece focada em agradar um público jovem, com um apelo visual e temático que dialoga bem com a cultura pop atual, mas sem arriscar-se a sair das convenções do gênero. Para aqueles que buscam uma história mais densa e cheia de nuances psicológicas ou um desenvolvimento mais profundo das temáticas familiares e sobrenaturais, a série pode deixar a desejar. Contudo, para fãs da estética gótica e de narrativas leves de mistério, "Wandinha" cumpre seu papel como entretenimento escapista, mas sem oferecer muito além disso.