"Alice in Borderland" é uma série original da Netflix que estreou em dezembro de 2020, adaptada do mangá homônimo de Haro Aso. Com uma proposta visual e narrativa intensa, a série ganhou rápida popularidade e recebeu aclamação tanto pela crítica quanto pelo público, destacando-se como um dos títulos mais bem-sucedidos da plataforma. A produção, marcada por um roteiro envolvente, atuações notáveis e uma estética visual deslumbrante, reúne elementos que prendem o espectador desde o primeiro episódio até o desfecho da segunda temporada.
O ponto central de "Alice in Borderland" é a sua premissa fascinante: um grupo de jovens, liderados por Arisu (Kento Yamazaki), é transportado para uma Tóquio distópica e desabitada, onde se veem forçados a participar de uma série de jogos mortais para sobreviver. Esses desafios são categorizados de acordo com os naipes das cartas de baralho, e cada jogo exige habilidades físicas, mentais e emocionais específicas. A série se destaca pela forma como explora os temas de sobrevivência, amizade, sacrifício e o próprio sentido da vida, construindo um ambiente de tensão constante.
O roteiro consegue equilibrar habilmente a ação frenética dos jogos com momentos de introspecção e desenvolvimento dos personagens. Há um cuidado na construção de uma trama intrincada, onde as motivações dos jogadores e a estrutura por trás dos jogos são lentamente reveladas. Esse mistério constante, aliado à imprevisibilidade dos eventos, mantém o público ansioso e engajado, especialmente à medida que a história vai se aprofundando nas camadas filosóficas e emocionais que a sustentam.
Além disso, a série utiliza de maneira eficaz o contraste entre os momentos de alta tensão dos jogos e os intervalos de calmaria, criando um ritmo dinâmico que impede o espectador de sentir monotonia. A cada episódio, novos desafios são introduzidos, cada um com regras complexas e implicações profundas, tornando o roteiro não apenas emocionante, mas também reflexivo. Há uma clara inspiração em obras como "Battle Royale" e "Jogos Vorazes", mas "Alice in Borderland" consegue se destacar por sua originalidade na abordagem dos jogos e na exploração das relações humanas.
O elenco de "Alice in Borderland" é um dos seus grandes trunfos. Kento Yamazaki, no papel de Arisu, entrega uma performance excepcional. Inicialmente, seu personagem parece apenas um jovem desiludido e perdido, mas ao longo da trama, Yamazaki transmite com habilidade a evolução emocional de Arisu, de um rapaz desmotivado para um líder determinado, abalado pelas perdas e responsabilidades que surgem com a sobrevivência. Sua interpretação é emocionalmente rica, expressando com precisão o desespero, a tristeza e, eventualmente, a esperança.
Tao Tsuchiya, no papel de Usagi, também se destaca. Sua personagem é uma sobrevivente habilidosa e resiliente, cuja história trágica a transforma em uma figura complexa e profunda. A química entre Usagi e Arisu é palpável, e a parceria dos dois personagens se torna um dos pontos altos da narrativa. Tsuchiya interpreta Usagi com uma força silenciosa, contrastando perfeitamente com a vulnerabilidade emocional de Arisu.
O elenco coadjuvante também merece destaque. Personagens como Chishiya (Nijirô Murakami), um jovem estrategista enigmático, e Kuina (Aya Asahina), uma personagem com uma história de superação emocionante, trazem camadas adicionais à trama. Cada um dos personagens secundários é dotado de motivações únicas e passados envolventes, o que os torna mais do que meros participantes dos jogos. As atuações são convincentes e adicionam profundidade à narrativa, fazendo com que o espectador se importe verdadeiramente com seus destinos.
A direção de Shinsuke Sato é outro ponto a ser elogiado. Ele consegue traduzir para a tela a intensidade e a complexidade emocional dos personagens e dos jogos, além de criar uma ambientação que mistura o surreal com o realismo. A versão distópica de Tóquio é retratada com um cuidado meticuloso, utilizando paisagens urbanas vazias e desoladas que aumentam a sensação de isolamento e desespero. Há um contraste interessante entre a grandiosidade da cidade abandonada e o foco íntimo nos personagens, o que intensifica o clima claustrofóbico.
Os efeitos visuais são impressionantes, especialmente nas sequências dos jogos. Cada cenário é único e traz uma atmosfera específica que se alinha ao tipo de desafio apresentado, variando desde ambientes claustrofóbicos até vastos espaços abertos. A fotografia e a paleta de cores contribuem para a construção desse universo, intensificando o suspense e a dramaticidade dos momentos mais cruciais.
"Alice in Borderland" não é apenas uma série de ação e sobrevivência. A trama levanta questões filosóficas profundas sobre o valor da vida, a natureza humana e as escolhas morais que somos forçados a fazer em situações extremas. Em muitos momentos, os personagens são confrontados com dilemas éticos que desafiam suas convicções e revelam as suas verdadeiras naturezas. Além disso, a série explora a ideia de alienação e vazio existencial, especialmente por meio do protagonista, que no início sente-se perdido e desconectado da realidade.
A crítica ao individualismo exacerbado e à competição desenfreada também é presente. Os jogos mortais são uma metáfora poderosa da sociedade contemporânea, onde muitas vezes as pessoas são levadas a competir umas contra as outras, esquecendo a solidariedade e o senso de comunidade. A série convida o público a refletir sobre a natureza dessas dinâmicas sociais, ao mesmo tempo que oferece entretenimento de alta qualidade.
As duas primeiras temporadas de "Alice in Borderland" se destacam como uma das melhores produções originais da Netflix. O equilíbrio entre ação, suspense, mistério e desenvolvimento de personagens faz desta série uma experiência imersiva e emocionante. O roteiro bem construído, aliado às atuações de um elenco talentoso, cria um ambiente que prende o espectador e oferece mais do que entretenimento superficial: uma reflexão sobre a vida, a morte e a natureza humana. A série é um exemplo notável de como adaptações de mangás podem ser bem-sucedidas quando tratadas com respeito ao material original e com uma visão criativa forte. "Alice in Borderland" é, sem dúvida, uma obra que transcende as barreiras do gênero, consolidando-se como uma das grandes narrativas televisivas de sua geração.