Missa da meia noite
EUA, 2021
O título pode ser macabro. E é, de certa forma.
Missa da meia noite é uma minisérie que tem como pano de fundo a religião católica e suas indagações sobre crença, fé e dogmas. Acrescidos de uma pitada de suspense. Essa mistura é equilibrada e rende sustos discretos e reflexão acerca daquele velho dilema existencial: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?
Tudo nos é contado através de uma sinopse nada ortodoxa, pouco convencional e controversa para uma história, supostamente religiosa. No entanto, é instigante e inteligente.
O atormentado Riley, retorna a sua minúscula ilha natal, Crockett, depois de uma longa ausência. No continente, onde passou os últimos anos, foi preso em consequência de um homicídio culposo: dirigia alcoolizado e atropelou uma adolescente. Após quatro anos preso, volta a velha cidadezinha; desiludido, desanimado, arrependido e traumatizado.
O ambiente da ilha em nada ajuda, nesse retorno. Está abandonada, solitária e à beira da decrepitude.
A chegada do intrigante Padre Paul, em substituição temporária ao velho Monsenhor da comunidade, bafeja naquele ambiente desolador, novos ânimos. Padre Paul é entusiasmado, fervoroso e bastante enigmático.
Riley tem longas conversas com ele. De algum modo, parecem trazer-lhe conforto. Parecem...
Aos poucos o cenário misterioso e soturno da comunidade, ganha um ar tecnicamente leve. Sem no entanto, deixar de conviver, com pequenas situações medonhas, que gravitam, sutilmente, em torno de todos moradores. É como se Crockett estivesse há muitos anos enredada numa teia de acontecimentos infelizes, sem saber como se safar deles. Um pântano profundo e melancólico, de onde ninguém consegue emergir.
Agarrar-se à Igreja para uns é a solução. Para outros, não faz o menor sentido.
O equivocado padre tenta, a seu modo, contemporizar e harmonizar os sentimentos díspares de todos.
Um plot twist a partir de certo momento do enredo, nos faz rever os conceitos e situações que julgávamos sabidas e esclarecidas e faz surgir intolerâncias, crueldades, fanatismos, medos e descrenças. A moral, de alguns, é colocada em xeque. Um grande caos se instala.
Concomitantemente, uma série de acontecimentos inexplicáveis e bizarros, passam a fascinar e assombrar os residentes em Crockett Island, na mesma proporção.
Novos dilemas são trazidos à baila, para meditação e ponderação.
É importante ficar atento ao ótimo casal Riley e Erin (a professora) e suas conversas inspiradas. E não desgrudar da palavra do Padre. Além de ficar ligado na estranha e preconceituosa beata, Beverly.
A essência da narrativa está nas longas coversas entre os personagens: absolutamente reveladoras para o espectador mais atento. É possível desvendar quase toda a trama, sem perder o interesse. Somente ouvindo com sensibilidade o que se diz. E, observando o que se faz, em nome de uma pretensa devoção.
Podemos enxergar ainda, em Missa da meia noite, uma bonita fábula sinistra, sobre vida, medo da morte, redenção, resiliência, aceitação e o sempre sublime, amor.
Uma solução emotiva e trágica encerram a angustiante, triste e curiosa história.