Maldição da mansão Bly, o tempo agostiniano e a parapsicologia
O filósofo Santo Agostinho entendia que o passado não existe mais, e nem o futuro. Existe um presente das coisas passadas, um presente das coisas futuras. Isso fica mais claro ao se ver a série de terror “Maldição da mansão Bly”, onde duas crianças órfãs são tuteladas por uma jovem, a qual também passou por um trauma recente, perdendo o marido em acidente terrível, por atropelamento. O menino Miles e a menina Flora se veem solitários numa ampla mansão, a não ser pelo cozinheiro, a jardineira e uma religiosa, que aos poucos vão tomando um ar misterioso e difícil de entender, ao se assistir a série. O passado se mistura ao presente, e os fantasmas ganham vida em todos os tempos, clareando o enredo à medida que se assiste. No caso a tutora ou também chamada de babá, esta já vê antes de ir a mansão, o fantasma do falecido marido. Esta esconde-se de espelhos, o que faz pensar a vaidade de tempos atuais, com selfies, avatares, redes sociais e uma idolatria do ego. Criamos fantasmas de nós mesmos. Mas ao longo que esta, Dani, se encontra também na mansão, acaba por descobrir outros fantasmas, como as pessoas sem rosto, a garota do lago, bem como um antigo namorado da anterior babá, que rodeia a mansão em espectro um tanto ameaçador. O tio Henry não aparece para ver as crianças, e fora o ato de contratar a babá, pouco se vê este na história, a não ser quando se revela ao pouco o passado de cada personagem.
A cidade de Bly nem existe na realidade. Muitas das cenas da série foram filmadas no Canadá, e a história seria baseada em livro de 1860, o que mostra a temática supersticiosa e fantasmagórica, quase espírita a que ganha “Maldição da mansão Bly”. O tempo vira uma maldição para algumas das personagens, de modo que algumas querem evitar reviver certas cenas de suas vidas, como eventos infernais que os assolam. O caso da época que se desenrola ser os anos 80, mais especificamente 1987, mostra boa música e um bom gosto de vestimentas, além de alguma máquina de escrever, cigarro, telefone colorido, festas mais sociais e coisas que quem viveu os anos 80 e 90 se recorda, como estar off-line e conversar com amigos, não por celular e nem por redes sociais. Isso já rende uma boa ambientação, e talvez também seja estratégia da plataforma de streaming, uma vez que pessoas adultas de 40 anos têm mais condições de bancar a permanência em assinatura, para continuar assistindo a série. Voltando ao filósofo e padre Agostinho de Hipona, o tempo não é muito a questão de passado e futuro. Vivemos em um presente que resolve tudo, e nos fantasmas da série, isso tudo toma um poder maior, uma vez que revivem em verdadeiro purgatório suas vidas, mescladas com antigos moradores da mansão, alguns mesquinhos, outros vingativos, que tomam uma porção parapsicológica do local, paranormal e de fenômenos inexplicáveis ao público em geral.
Uma casa mal-assombrada muitas vezes revela telergia, ou outro fenômeno paranormal, onde uma pessoa no raio de 50 metros teria influência, segundo padre Quevedo. Já para Herculano Pires, o fenômeno seria psi-teta, e logo espiritual, com desencarnados ou mortos que estariam ali, presos a essa residência. Lembro de outra série, Ghost Whisperer, onde a médium ajudava esses espíritos, e estes tinham de resolver questões, bem como ao fim encontrar a luz, para não mais perturbar pessoas ou “assombrar” casas. O caso de pessoas sem rosto, revela em muito a ausência de personalidade a que as pessoas chegaram, com ideais de corpo, magreza, musculatura, beleza e mesmo simpatia, a que lhes esvazia o ser. O paranormal apenas revela muitas vezes um grande desequilíbrio, e isso mostrava parapsicólogo Pedro Antônio Grisa, quando dizia que muitos paranormais sofreram grandes traumas ou sofrimentos, de modo que seu subconsciente teria algo nesse processo. Observamos que não se trata tanto da questão externa, mas que muitas pessoas são envoltas de alucinação, manias, obsessões que muitas vezes as levam a repetir um passado, a se autopunir, a perseguir o impossível, destruindo o que passa a sua frente, ao alimentarem o ego diabólico que faz o verdadeiro terror em suas vidas. A série da mansão revela muito mais que um terror de clichê, ou alguma situação para atrair fortes emoções e adolescentes, mas revela nossa obsessão pelo tempo, vivendo mortalmente no passado, e construindo um futuro que nunca existiu. Os fantasmas são o nosso passado não resolvido.
Mariano Soltys, filósofo, escritor e advogado