Mindhunter pode assustar um pouco com sua premissa de investigação sobre serial killers, que muita gente acha um tema espinhoso e talvez até já muito explorado. Em relação ao primeiro argumento, posso assegurar que você só vai ver corpos e sangue nas rápidas imagens (quase flashes) que fazem parte da apresentação de créditos da série. Uma sacada inteligente e provavelmente intencional de produtores e roteiristas, que querem ressaltar o tom investigativo da narrativa, sem espaço para “cenas de crime”. Aliás, se você prestar atenção aos créditos vai se deparar com um nome de Hollywood bastante conhecido, aqui exercendo uma função de produção executiva: Charlize Theron. David Fincher também é um dos produtores executivos, e dirige apenas 4 dos 10 episódios dessa primeira temporada. Fincher está em casa, afinal já havia abordado o tema no seu filme Zodíaco. Outro nome conhecido que assina a direção de alguns episódios (embora aqui saindo totalmente de sua zona de conforto) é do diretor inglês Asif Kapadia, que dirigiu os conhecidos documentários Senna e Amy – premiado com o Oscar.
Em Mindhunter, temos uma dupla de policiais do FBI que resolvem entrevistar psicopatas já atrás das grades, para traçar um perfil de sua personalidade, seu modus operandi, suas motivações, antecipando-se a novos criminosos ou auxiliando a polícia a identificar melhor os suspeitos com perfis semelhantes. A série se passa no final dos anos 70, e a dupla de policiais (interpretada por Groff e McCallany) e suas entrevistas é baseada em fatos reais. O trabalho deles, com o auxílio de uma psicologista universitária, deram origem ao livro em que a série se baseia, e segundo a série, teriam sido eles que cunharam o então inédito termo “serial killers”. Não é preciso ser um grande cinéfilo, nem refletir demasiadamente, para encontrar um paralelo com a história contada nos filmes Dragão Vermelho e O Silêncio dos Inocentes. Hannibal Lecter é, na verdade, um apanhado de características de alguns notórios psicopatas americanos dos anos 60-70, que são, obviamente, abordados na série.
Minhunter tem o cuidado de produção (além da perfeita reconstituição de época) de utilizar um tom de fotografia e efeitos de edição que lembram muito os filmes setentistas. A fotografia lembra muito a de Gordon Willis nos dois primeiros Poderoso Chefão, de Coppola. Mindhunter também não descuida da composição dos personagens principais. Assim, vemos o olhar crítico sobre o policial Holden, mostrando até que ponto se revela imaturo, com atitudes que revelam sua vaidade e arrogância. Bill não recebe também um verniz muito favorável, como um pai assumidamente ausente, que se foca no trabalho para fugir de um filho com problemas com os quais ele não sabe lidar. A dupla de atores principais está bem, mas volta e meio são ofuscados pelos coadjuvantes. Com destaque para o ator Cameron Britton, no papel de Edmund Kamper, mostrando que um ator não precisa de uma overacting (perfomance exagerada), para impactar com sua interpretação. Britton é uma verdadeira revelação, e será muita injustiça se sua atuação não for lembrada no próximo Emmy. Outro ponto positivo é a escolha das músicas que compõem a trilha sonora dos episódios, recheada de clássicos não-óbvios do pop-rock dos anos 70-80.
Embora a série não tenha um primeiro episódio altamente impactante, vale a pena continuar assistindo, porque o desenvolvimento dramático vai melhorando a cada episódio. Como todos os 10 episódios foram disponibilizados de uma só vez, é bem possível que você acabe maratonando a série, consumindo-a avidamente com o apetite de um serial killer canibal.