“Stranger Things” e a fórmula de nostalgia de J.J. Abrams
J.J. Abrams está fazendo escola. O diretor e produtor de sucesso aplica uma fórmula que tem dado muito certo, como provam “Star Wars: O Despertar da Força” (2015), “Além da Escuridão: Star Trek” (2013) e “Star Trek” (2009). Não é à toa que os irmãos Matt Duffer e Ross Duffer bebem de sua fonte na série “Stranger Things”.
A série produzida pela Netflix, assim, toca a sentimentalidade do espectador através da nostalgia, ambientando-a nos anos 80. E preenche o mise-en-scène com inúmeras referências da época, colocando quem assiste, principalmente quem viveu o período, em um estado de conforto, comparável a retornar para casa e voltar no tempo. O visual procura resgatar o estilo de fotografia usual no cinema daqueles anos, fugindo dos estilos modernos de outras séries da produtora, como “O Demolidor” e “House of Cards”.
A estória gira em torno de um grupo de garotos de uma pequena cidade estadunidense, envoltos em acontecimentos misteriosos. J.J. Abrams partiu de uma premissa semelhante para construir seu filme “Super 8” (2011), que, por sua vez, se inspirava em “E.T. – O Extraterrestre” (1982). As sequências em que os meninos andam de bicicleta pela cidade remetem diretamente a esse filme de Steven Spielberg, da mesma forma que o tema dos cientistas do governo como vilões.
Os personagens mirins possuem características que facilmente os distinguem um dos outros. Mike Wheeler (Finn Wolfhard) é o protagonista com “cara de sapo”, o gordinho com dentes atrofiados Dustin (Gaten Matarazzo) e o negrinho nervoso Lucas (Caleb McLaughlin) são seus amigos. Quando eles descobrem que o outro integrante da turma, Will Byers (Noah Schnapp), desaparece de maneira enigmática, saem em busca dele. Nessa procura, esbarram em Eleven (Millie Bobby Brown), uma menina da mesma idade sem cabelos e com poderes de telecinésia.
Outra forte referência aparece quando esse grupo anda pela floresta, inclusive ao lado dos trilhos de trem, à procura de Will, lembrando “Conta Comigo”, o filme de Rob Reiner baseado no livro de Stephen King. O escritor, inclusive, é mencionado em um dos episódios.
Joyce, a mãe de Will, vivida por Winona Ryder (outra referência oitentista), ouve seu filho pedir ajuda, mas todos pensam que ela está louca, inclusive seu primogênito, Jonathan (Charlie Heaton). Ela chega até a encontrar, na parede de sua casa, um portal para um lugar gosmento, o mesmo que os cientistas experimentam adentrar dentro de seus laboratórios. Um dos funcionários é amarrado em um cabo de aço para poder ser puxado de volta, trazendo à lembrança uma cena de “Poltergeist: O Fenômeno” (1982). Lá dentro, alguns casulos remeterão a “Alien: O Oitavo Passageiro” (1979). Esse longa de ficção-científica/horror de Ridley Scott também voltará à mente nos últimos capítulos da série. Outro filme de terror é citado na forma do pôster no quarto de Jonathan: “Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio” (The Evil Dead, 1981).
Além da utilização dessas referências, “Stranger Things” acerta também no ritmo ágil, evitando se concentrar demais em uma cena. E privilegia o suspense, terminando cada episódio com um gancho que estimula o binge watching, o hábito de assistir vários capítulos de uma vez. Os mistérios surgem num crescendo, esclarecendo aos poucos cada segredo.
Isso tudo explica a boa recepção da primeira temporada de “Stranger Things”, e a confirmação da segunda. Talvez represente a sedimentação da fórmula de J.J. Abrams, que dá nova roupagem ao que já deu certo. Seu uso habitual poderá até originar um novo gênero, o filme de nostalgia.
Por Eduardo Kaneco