Poucos dias antes da virada de 1992 para 1993, a atriz e bailarina Daniella Perez foi cruelmente assassinada por seu então colega de elenco Guilherme de Pádua e sua esposa, Paula Thomaz. A jovem de 22 anos era filha da autora Gloria Perez e estava fazendo um sucesso enorme como a Yasmin da novela De Corpo e Alma, exibida no horário nobre da Globo. Sua morte prematura, a punhaladas, chocou o país inteiro, que sempre teve nos folhetins sua maior fonte de entretenimento.
Cerca de 30 anos depois, o caso é reaberto na nova série documental da HBO Max, Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez, que chega hoje (21) ao catálogo. Em cinco episódios, a obra dirigida por Tatiana Issa e Guto Barra revisita o crime que ocorreu na noite de 28 de dezembro, no Rio de Janeiro, e que culminou, mesmo com a repercussão midiática, na liberação de ambos os condenados em 1999.
"Eu nunca esqueci", confessa Tatiana em entrevista exclusiva ao AdoroCinema. "Todo mundo lembra onde estava na ocasião. Sabe aquele tipo de crime que marca toda uma geração, que marca um século? Foi bárbaro, brutal, terrível."
A cineasta e também atriz explica que, no seu caso, o impacto foi além daquele gerado pelo noticiário. Afinal, era amiga próxima do então marido de Daniella, o ator Raul Gazolla, e da prima dela, Bárbara Ferrante. Ela recorda que, no dia, estava gravando com Raul nos Estúdios Globo, na zona oeste do Rio, e que saíram para jantar depois.
9 documentários sobre crimes reais que vão te deixar chocado"São aquelas coisas bem confusas na memória, mas de repente a gente começou a procurar a Dani e não achava", detalha Tatiana. "A minha vida de alguma maneira estava muito conectada àquilo tudo. Aquilo fez parte do meu cotidiano", diz ela, acrescentando que compareceu ao velório na manhã seguinte ao homicídio.
"Passados tantos anos, eu tive vontade, até por ser mulher, de entender tudo que aconteceu e construir meu olhar crítico sobre como a Dani foi tratada e como a culpa sempre cai em cima da vítima. É um clássico no Brasil e no mundo", continua Tatiana. "Para além do meu envolvimento pessoal, havia o interesse como ser humano de entender por que o caso não foi tão esclarecido na época, apesar de ter recebido uma imensa cobertura da imprensa."
Foi aí que Tatiana decidiu contar a história direito e se juntou a Guto para tirar o projeto do papel. Os dois têm uma vasta experiência no campo do documentário e, inclusive, já ganharam inúmeros prêmios dentro e fora do país. Tatiana, por exemplo, esteve à frente de Dzi Croquettes (com Liza Minnelli), enquanto Guto comandou Beyond Ipanema - Ondas Brasileiras na Música Global. Eles só não sabiam se a mãe de Daniella, a escritora vencedora do Emmy Internacional, gostaria de comentar o episódio novamente.
COMO GLORIA PEREZ REAGIU AO SABER DA SÉRIE DOCUMENTAL?
Um dia, meia noite, Tatiana tomou coragem e mandou um e-mail para Gloria Perez. A mensagem dizia o seguinte: "Querida, faz tempo que a gente não se vê. A gente trabalhou juntas em muitas ocasiões, espero que esteja bem. Eu não sei se você já está fazendo, se você já fez ou se você não quer falar sobre esse assunto. Mas, caso queira, a gente se coloca à sua disposição para contar essa história da maneira mais correta e baseada em cima dos autos do processo."
A resposta da criadora de sucessos como O Clone, América e Caminho das Índias veio mais rápido do que a diretora imaginava. Dizia: "Nossa, Tatiana, que bom que é você, que tem uma ligação com a Dani, que tem uma ligação com a história, que tem uma delicadeza, uma sensibilidade, que é mulher. Tinha que ser você."
Caso Evandro na Globoplay: Conheça o crime que chocou o Brasil nos anos noventaEstabelecido o primeiro contato, Gloria deu a Tatiano e Guto total acesso ao seu arquivo pessoal. Assim, no começo de 2021, a dupla se debruçou sobre o material para, um ano e meio depois, trazê-lo na forma de uma série documental. Mas qual foi, de fato, o papel da autora e mãe de Daniella nessa empreitada da HBO Max?
"É bom deixar claro que a Gloria não participa nem como produtora nem como roteirista", elucida Tatiana. "O roteiro é do Guto, a direção é nossa compartilhada, e a Glória apenas cede o arquivo dela. É óbvio que, ao fazê-lo, ela fornece algo muito valioso, que nunca havia compartilhado com ninguém, que nunca havia confiado a ninguém", completa, reiterando que o crédito da autora como entrevistada.
Em Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez, Gloria apresenta não só seu relato, como recorte de jornais da época, capas de revistas, fotos e outros documentos inéditos. Como mãe da vítima, ela rastreou testemunhas, identificou evidências e ajudou a expor os erros da investigação. Sua atuação foi fundamental para a resolução do caso, além de ter deixado um legado ao conseguir mudar a legislação brasileira para que incluísse homicídio qualificado dentro dos crimes hediondos.