ATENÇÃO: O texto contém spoilers de O Golpista do Tinder
Um dos principais lançamentos da Netflix em fevereiro, O Golpista do Tinder chocou ao contar a história das vítimas de Simon Leviev: um documentário baseado em crimes reais, sobre o homem que se passava por bilionário para atrair e tirar dinheiro de mulheres com quem mantinha um relacionamento amoroso. Embora tenha sido exposto e sentenciado por outros crimes, Simon, que hoje vive em liberdade, nunca foi acusado de fraude contra elas, como diz o documentário nos momentos finais.
Mas, afinal, se os golpes, imagens, trocas de mensagens foram todos expostos pelas vítimas, por que Simon não foi acusado? Uma série de motivos poderia ter contribuído para que ele não fosse preso por essas acusações, em especial, a dificuldade de se provar que teria havido coerção propriamente dita. Isto é, as mulheres que aparecem no filme da Netflix podem não ter conseguido provar na justiça que foram, efetivamente, “obrigadas” a entregar dinheiro a Simon, mas, sim, emocionalmente manipuladas - golpe relativamente comum em muitos lugares.
“A princípio, tinham um relacionamento amoroso, sabiam com quem estavam envolvidas e se sentiram seguras para fazer isso [dar dinheiro] voluntariamente, ninguém as obrigou. Este é um argumento que poderia ser usado a favor. É imoral e cínico, mas, ainda assim, não deixa de ser verdade. Confiaram em uma pessoa errada, se envolveram emocionalmente e foram vítimas”, explica a advogada Ana Gonzaga, especialista em Direito Internacional, ao AdoroCinema.
Em 2019, Simon, cujo verdadeiro nome é Shimon Hayut, foi detido pela polícia na Grécia usando um passaporte falso, o que fez com que ele fosse mandado de volta para Israel, país onde nasceu. Na época, negou todas as acusações de suas vítimas: “tenho o direito de usar o nome que quero. Nunca me apresentei como o filho de alguém, mas as pessoas usam a imaginação delas”, disse ao Channel 12 (via The Times of Israel).
O Golpista do Tinder mostra ainda que Simon aplicava golpes em diferentes países, o que também pode tornar mais difícil a execução de um processo, já que as leis variam entre os lugares e que nem sempre as vítimas sabiam exatamente onde ele estava. “Por exemplo, se uma pessoa deu um golpe em dez países diferentes, teria que ser processada em dez países diferentes e cada um tem uma legislação (...) Só que, para isso, a vítima precisa entrar no país, encontrar um advogado, entender se é considerado crime, provar como aconteceram as coisas”, explica a advogada Ana.
O que aconteceu com Simon Leviev?
Em 2019, após ser extraditado por conta do passaporte falso, Simon foi preso por crimes de fraude que cometeu em 2011 (processos que ficaram parados porque ele fugiu do país). Sentenciado a 15 meses na prisão, o golpista foi liberado cinco meses depois, por bom comportamento, e hoje estaria vivendo em Israel, livre. Segundo a Netflix, ele se recusou a participar do documentário e, no Instagram, disse que ainda irá se pronunciar sobre o assunto.
“Compartilharei meu lado da história nos próximos dias, quando tiver encontrado a forma mais respeitosa de falar, tanto para as partes envolvidas quanto para mim. Até lá, por favor, mantenham a mente e o coração abertos”, escreveu, antes de deletar seu perfil (via NME). Ainda de acordo com o documentário, estima-se que Simon tenha tirado mais de 10 milhões de dólares de vítimas em diversos países.
Enquanto isso, as mulheres enganadas ainda precisam pagar as dívidas gigantescas feitas com cartões de crédito e empréstimos que Simon as convenceu a fazer. “Como eles podem dar um voto de confiança a um homem como esse, que fugiu de Israel duas vezes? Um homem que enganou mulheres e levou centenas de milhares de euros. Onde está a justiça?”, disse Pernilla, que está no documentário, ao Channel 12. após descobrir que Simon havia sido liberto.
Infelizmente, histórias como essas acontecem mais do que se imagina, mas nem sempre vêm a público. “Muitas mulheres e homens também acreditam [nos golpes], mas se calam por não quererem se expor. Ainda mais no Tinder, que tem um apelo emocional, as pessoas se sentem valorizadas, ouvem aquilo que queriam ouvir. Tornam-se as presas perfeitas”, alerta a advogada.