Odiar o final de uma série amada é um dos grandes desgostos que a cultura pop pode dar a um espectador. De Lost a Game of Thrones, passando por How I Met Your Mother, não faltam exemplos de séries cujo final deixou uma parcela dos fãs desolados ou indignados com a conclusão de histórias que um dia pareceram (ou foram de fato) tão melhores. Dexter não se safou disso.
Mistérios e arcos bem construídos, personagens carismáticos, um protagonista anti herói repleto de dilemas morais e psicológicos foram alguns dos elementos que tornaram a série uma das mais famosas da época na qual saiu.
No entanto, da segunda metade em diante, a trama já não era mais tão consistente e interessante, trazendo conflitos e resoluções que soavam repetidos, enquanto dava a alguns dos personagens, rumos que pareciam perdidos e até mesmo incoerentes.
O fim de Dexter Morgan (Michael C. Hall), forjando sua própria morte foi consequência de uma exigência do Showtime que não permitiu que o personagem morresse, com receio de uma reação negativa dos fãs. O tiro acabou saindo pela culatra, e da forma como tudo foi concluído, o final ficou marcado para muita gente como um dos piores da história da televisão.
DEXTER: NEW BLOOD PODE SER A SALVAÇÃO
Nada a ser feito senão lamentar, certo? Talvez, mas Dexter: New Blood nos faz repensar. Anunciada no fim de 2020, a nova temporada terá dez episódios que têm sido lançados semanalmente desde 7 de novembro pelo serviço de streaming Paramount+.
New Blood é marcada pela volta de Clyde Phillips, showrunner original da série, que saiu após o fim da quarta temporada. Tendo visto os quatro episódios disponíveis até agora, a impressão é de que foi uma ótima decisão retomar a história do assassino.
Dez anos após o final que mostrava Dexter começando uma nova vida como lenhador em uma pequena cidade, o protagonista parece ter se habituado bem ao clima frio, seus novos vizinhos, sua nova namorada chefe da polícia local, e principalmente ao fato de nunca mais ter matado ninguém. Ter deixado para trás tanto os dias de serial killer, quanto as pessoas de sua vida antiga deixa em paz Dexter e sua consciência, personificada agora na figura de sua falecida irmã Debra (Jennifer Carpenter).
A escolha pela personificação foi cirúrgica, e insere nessa nova fase da história uma das melhores e mais íntimas personagens do passado, ao mesmo tempo em que reinventa essa representação dos pensamentos de Dexter, que em temporadas anteriores tomavam a forma de seu pai Harry (James Remar).
No entanto, essa paz e boa relação com os próprios demônios, vai se tornando mais conflituosa, quando a chegada de novas pessoas a cidade traz à tona velhos impulsos e hábitos que Dexter havia deixado para trás.
Em meio a isso, Dexter recebe a visita de Harrison (Jack Alcott), filho que ele teve com sua falecida mulher Rita (Julie Benz) em um dos momentos nos quais tentou ter uma vida normal. Com provas concretas de que sua natureza falha poderia trazer consequências para todos a seu redor, Dexter nunca mais viu esse filho, algo difícil de explicar nesse reencontro.
Dexter e Harrison
A presença de Harrison, além de dar a Dexter mais uma camada de desenvolvimento, tentando retomar essa paternidade abandonada, é mais um motivo de conflito entre ele e Debra, que insiste que a proximidade com o pai será nociva para o adolescente.
Contrariando essa intuição, Dexter traz o garoto para morar com ele, jurando que pode ser diferente, e que juntos eles terão uma vida normal e feliz. É interessante reparar as diferenças e semelhanças entre pai e filho, algo que aos poucos nos leva a crer que talvez Harrison tenha um papel maior do que somente ressuscitar a faceta paterna de Dexter.
Sem entrar em grandes spoilers, o mistério principal que intriga a cidade de Iron Lake, onde a história se passa, é semelhante à caça pelo açougueiro de Bay Harbor, arco trabalhado na segunda temporada.
Mesmo com o protagonista mais do que nunca tentando deixar de lado suas “tendências sombrias”, New Blood não leva muito tempo até construir cenários que remetem às melhores fases da série. Nestas passagens, por um lado, as situações nas quais Dexter se encontra, parecem cada vez mais difíceis de se safar, por outro, a proximidade com a polícia (dessa vez consequência de seu namoro com a xerife local) o permitem acompanhar cada passo da investigação que deixa a corda mais ou menos próxima de seu pescoço.
A partir dessa comoção em torno de um caso extremamente atípico na cidade, a série cria uma intrigante rede, em que algumas pessoas investigam o desenrolar do caso, com diferentes intenções, incluindo Dexter, que precisa sempre estar um passo à frente de todo o resto.
VOLTA ÀS ORIGENS
Dessa forma, a série chega até mesmo a fazer comentários a respeito do fascínio da sociedade em torno de serial killers, e por um breve momento coloca isso em contraste com a realidade crua e trágica de uma morte ou agressão.
Por conta de uma certa maturidade adquirida e outros motivos que enriquecem muito o desenvolvimento do personagem de Dexter, em pontos-chave, a violência que sempre foi mostrada com tanta naturalidade, enfim tem um peso e choque diferente no (agora supostamente aposentado) assassino e perito, tão acostumado a cenas de crime.
Apesar dessas mudanças na construção do personagem, Dexter permanece o mesmo, com seu carisma peculiar e cínico na medida certa.
Dexter: New Blood traz de volta o que a série tinha de melhor, fazendo até mesmo esquecer a decepção gerada pelo final. Mesmo com seis episódios pela frente, parece seguro dizer que os fãs que derem uma chance à nova temporada não somente terão uma grande satisfação, como também ficarão ansiosos por cada episódio novo.