O cineasta Mike Flanagan é um dos nomes mais interessantes e requisitados no gênero de terror atualmente, responsável por filmes como Hush: A Morte Ouve (2016), Jogo Perigoso (2017) e Doutor Sono (2019), além da criação da antologia A Maldição na Netflix, composta pelos sucessos A Maldição da Residência Hill e A Maldição da Mansão Bly. A minissérie Missa da Meia-Noite marca o retorno da parceria de Flanagan com a Netflix em seu projeto mais pessoal na carreira até o momento, analisando de forma profunda temas complexos como religião, em comentários sobre fé e vício no comportamento humano.
Missa da Meia-Noite: Conheça a série de terror da Netflix do criador de A Maldição da Residência HillNa trama, Riley Flynn (Zach Gilford) retorna para sua cidade natal depois de anos e esconde um passado sombrio. E com a chegada de padre Paul (Hamish Linklater), um homem carismático e misterioso, nessa comunidade costeira e isolada, eventos milagrosos e presságios assustadores começam a acontecer, causando comoção entre os moradores da pequena ilha. O AdoroCinema assistiu Missa da Meia-Noite e contamos nossas primeiras impressões sobre uma das produções mais aguardadas da Netflix em 2021.
O terror lentamente pega fogo em Missa da Meia-Noite
Em seus trabalhos, Mike Flanagan sempre quis ir além de um terror convencional e isso fica evidente, por exemplo, em Residência Hill e Mansão Bly – que na superfície podem ser consideradas histórias de fantasmas, mas essencialmente lidam com temas sérios como saúde mental e vícios. Isso não é diferente em Missa da Meia-Noite, onde o roteirista e diretor faz uma reflexão sobre suas próprias experiências pessoais: um ex-coroinha na Igreja Católica e que, segundo o próprio, completou 3 anos de sobriedade.
A minissérie estabelece um verdadeiro caldeirão de simbolismos religiosos colocando no centro de sua história uma comunidade isolada, composta por pessoas de personalidades diferentes e que precisam lidar com os problemas da vida preenchendo esse vazio de alguma maneira ou com alguma crença – o que, em muitos casos, faz as pessoas procurarem uma religão para encontrar um caminho ou propósito. Mike Flanagan dirigiu todos os sete episódios de Missa da Meia-Noite e constrói, aos poucos, o terror que abala essa pequena comunidade, especialmente quando lados opostos chegam e se encontram na ilha Crockett.
Riley Flynn, que perdeu sua fé depois de um incidente horrível e precisa reconstruir sua vida; e padre Paul, que chega para substituir um padre que adoeceu e logo instaura um fervor religioso na cidade com eventos milagrosos. Os dois são peças centrais para a narrativa e são colocados em conflitos ideológicos. Mas, além deles, mais personagens são acrescentados nisso, com destaque para Bev Keane (Samantha Sloyan) e sua crueldade em forma de fanatismo religioso, o xerife muçulmano Hassan (Rahul Kohli) e Erin Green (Kate Siegel), que também precisa de reconstrução depois de passar por eventos traumatizantes. Para isso, acompanhamos longos diálogos nos episódios mostrando as perspectivas psicológicas dos moradores sobre a fé, a vida ou a morte. Então, não espere um terror visceral logo de cara, ele vai sendo mostrado aos poucos, conforme os mistérios e revelações religiosas acontecem, de maneira cada vez mais sinistra.
Missa da Meia-Noite é marcada pelo confronto entre fé e descrença religiosa
Nada em Missa da Meia-Noite é por acaso, Mike Flanagan quer discutir de maneira incisiva o vício, o poder da fé nas pessoas e os perigos do fanatismo, especialmente quando ele se transforma em violência. Todos esses elementos espinhosos lembram visões e narrativas de obras do autor Stephen King – vale lembrar que ele adaptou duas obras de King: Jogo Perigoso e Doutor Sono. Inclusive, Flanagan iria comandar uma adaptação do livro Revival, mas acabou sendo cancelada, que também aborda temas como vício e fé. Na produção da Netflix, não necessariamente vemos um apelo anti-religiosidade, mas um alerta para as pessoas acerca dos perigos em confiar cegamente nas crenças como uma forma de salvação pessoal.
Encontramos os moradores da cidade envolvidos em uma batalha dividindo os fiéis e os céticos. Os nomes dos episódios são basedos em cada livro da Bíblia e repletos de simbolismos religiosos sobre os acontecimentos que veremos: partindo do Gênesis e terminando no Apocalipse, com os elementos de terror crescendo conforme a progressão da narrativa alcança proporções bíblicas. Todas essas alegorias e metáforas são bem construídas pelo roteiro como uma representação sobrenatural para as revelações sobre o caminhoso tortuoso ou glorioso da fé, seja na condenação, redenção ou salvação da humanidade. Milagres existem? E se existem, o que você sacrificaria por isso? Esse é um dos principais tópicos de Missa da Meia-Noite, onde Mike Flanagan questiona o fanatismo e a fé cega, que coloca as pessoas nas mãos de falsos profetas, além de refletir os significados individuais da existência, da vida e da morte.
Missa da Meia-Noite pode não agradar todo mundo, principalmente quem procura por enredos mais assustadores como Residência Hill e Mansão Bly. Isso acontece porque a narrativa acaba caindo em algumas armadilhas, repetindo de maneira cansativa textos bíblicos e reflexões acerca de seus temas principais, focando primeiramente nos diálogos e explorações do drama psicológico. Porém, a minissérie ganha contextos misteriosos, chocantes e obscuros a cada episódio, sem falar da imersão e deslumbre visual durante a densa exploração da ilha Crockett.
Missa da Meia-Noite demora para engrenar completamente, mas recompensa os amantes de terror psicológico. Uma narrativa que se aprofunda em replexões complexas sobre o vício e as revelações da fé, nos fazendo questionar sobre nossas próprias crenças e quando estamos sendo enganados por elas.