Atenção: esta matéria trata de conteúdos sensíveis como depressão e suicídio. Reforçamos a importância de contatar profissionais de saúde mental e/ou o CVV - Centro de Valorização à Vida pelo número 188 ou via chat.
NOTA: 2,0/5,0
13 Reasons Why é a série errada com os personagens certos. Assistindo a quarta e, finalmente, última temporada da produção da Netflix chefiada por Brian Yorkey, pude ter mais certeza disso do que nunca. Embora tenha reforçado por uma última vez que não deveria ter passado da sua primeira temporada, a série soube dar um encerramento digno a seus personagens — mas entre 8 e 80 existem 72 outros números.
Particularmente, acho incrível a facilidade com a qual é possível se esquecer do propósito inicial de 13 Reasons Why. Embora a emancipação de Hannah Baker fosse necessária para o andamento do projeto de quatro temporadas pensado por Yorkey e sua equipe, é impossível não tomar um susto quando paro para pensar no que era 13RW em sua primeira temporada e no que ela acabou se tornando.
Desde que Hannah Baker cometeu seu tão irresponsavelmente explícito suicídio na primeira temporada, outros três adolescentes morreram de maneiras imensuravelmente trágicas, tendo dois deles sido assassinados e um destes dois morrendo nas mãos de um dos protagonistas da trama (fator este que parece ter sido completamente ignorado ao desfecho da série).
OS PROBLEMAS DA QUARTA TEMPORADA
Chegando ao momento atual da história, temos uma quarta temporada que, sinceramente, é até mesmo difícil de sintetizar em uma sinopse. Não por uma suposta complexidade e sim porque... não há um enredo propriamente dito. Hannah está morta, Bryce (Justin Prentice) e Montgomery (Timothy Granaderos) estão mortos, já sabemos quem os matou e pronto. Vivam com isso.
Antes de qualquer coisa, gostaria de deixar claro uma coisa: eu juro que até o final deste texto falarei sobre um ponto positivo importantíssimo de 13 Reasons Why, especialmente de sua quarta temporada. Mas antes é preciso falar um pouco sobre seus problemas. Voltando a falar sobre a quarta temporada, a falta de uma narrativa talvez seja seu ponto mais prejudicial e evidente.
Seja você um fã incondicional ou um hater inexorável, provavelmente concordará em uma coisa: a quantidade de dez episódios e cerca de onze horas de conteúdo nesta quarta temporada é praticamente ofensiva ao espectador. Seguindo a mesma fórmula de bolo do terceiro arco, começamos o primeiro episódio com um funeral e somos instigados ao longo da trama a descobrir o que aconteceu. Quem morreu, quem matou, etc.
O problema é que, como sugere o subtítulo desta matéria, a estrada é longa e sinuosa, como na música dos Beatles. Somos conduzidos como um cachorro correndo atrás do próprio rabo a diversos acontecimentos que não levam a lugar nenhum e não resultam em praticamente nada. Conteúdo pertinente existe, mas se ele fosse concentrado em três episódios, por exemplo, seria mais do que suficiente e a nota aqui certamente seria mais alta.
O DESENVOLVIMENTO QUE NÃO LEVA A LUGAR NENHUM
Vou dar aqui alguns exemplos práticos que evidenciem melhor do que estou falando, sem tentar dar muito spoiler. Uma das subtramas principais da temporada é a saúde mental de Clay e como ele lida com Estresse Pós-Traumático, síndrome de pânico e alguns outros problemas. Ok, tudo certo. Mas existe mesmo a necessidade de que o personagem tenha uma alucinação a cada dez minutos? Digo, nós não conseguimos entender da primeira vez?
Sei que não é o caso, mas a sensação que deu foi de que os intérpretes de Bryce e Montgomery já haviam assinado para aparecer um tempo X durante a quarta temporada, pois só isso justificaria tantas aparições nas alucinações de Clay. Pode parecer que eu estou exagerando aqui, mas as alucinações tiveram mais tempo de tela que um terço dos personagens da série. E fica no mínimo evidente como isso é usado como muleta para preencher minutos vazios.
Outro exemplo disso é uma subtrama que toma conta dos três primeiros episódios. Clay começa a receber telefonemas misteriosos do celular do falecido Monty, de uma pessoa que o ordena a fazer coisas caso queira acobertar uma suposta prova envolvendo o assassinato do rapaz, ao melhor estilo Pretty Little Liars. De maneira cansativa, isso se estende por horas até que, wow, descobrimos que tudo não passava de um trote.
Assim como acontece na 2ª e na 3ª, a 4ª temporada pode ser entendida com praticamente a mesma eficácia caso você assista apenas o primeiro e os dois últimos episódios. Eu só não recomendo que você o faça pois existe algo a ser salvo em 13 Reasons Why, mas ainda chegarei lá. Uma coisa de cada vez, assim como nos tantos episódios.
A direção da série continua apresentando um trabalho interessante e consistente, e o mesmo pode ser dito de outros elementos técnicos como a direção de fotografia e as atuações do núcleo principal. Não há sequer um ator dos principais que não tenha acabado combinando com seu respectivo personagem, porém aqui neste caso valem os destaques de Brandon Flynn, o Justin, e Alisha Boe, a Jessica. O casal entrega os momentos mais emocionantes e impactantes da série e, em um específico, os dois o fazem juntos, sendo este de longe o momento mais impactante e interessante da temporada inteira.
Também vale observar como até mesmo as limitações de alguns atores foram incorporados a seus personagens, como é o caso de Miles Heizer que interpreta um Alex apático, por mais que esteja se descobrindo de várias maneiras diferentes nesta temporada. Mas a apatia é bem justificada em seu comportamento, então está valendo.
Mas bons quesitos técnicos nem sempre salvam decisões ruins de roteiro. 13 Reasons Why vem sendo há algum tempo uma série com um bom texto e linhas interessantes de diálogo, mas com péssima estruturação de roteiro, especialmente no que diz respeito às atitudes de certos personagens que parecem vir do nada, ou apenas para surtir um determinado efeito na trama.
A POLÊMICA DA IRRESPONSABILIDADE NA ABORDAGEM
E, é claro, não podemos deixar de tocar no tema da irresponsabilidade na abordagem da série. Gradativamente — provavelmente após certa insistência dos produtores executivos —, a série foi tentando manter os pés mais no chão em relação a problemática da romantização no suicídio da Hannah, incluindo a cena em que ela de fato se mata, na primeira temporada.
Seja para chocar ou para oferecer conforto a pessoas na mesma situação, é um consenso entre qualquer organização de saúde mental que cenas como a da banheira (já removida), na primeira temporada, não deveriam ser exibidas em nenhum produto audiovisual. Até que tentaram correr atrás inserindo alertas de gatilho, mas... o erro foi repetido na temporada seguinte com uma cena de estupro.
Na terceira temporada isso pôde finalmente ser deixado para trás. Tyler, que foi vítima do estupro — uma excelente atuação de Devin Druid no terceiro ano da série —, foi protagonista de um interessante arco de redenção e as consequências passaram a ser debatidas de maneira mais clara, objetiva e honesta. Já era hora. Na quarta temporada, também não houve nenhum grande absurdo em relação a isso, e o propósito da série pôde finalmente ser cumprido com mais eficácia.
É como se 13 Reasons Why nunca tivesse precisado de mais do que uma só temporada, mas apenas na quarta ela tenha de fato obtido êxito em realizar uma conversa eficiente com adolescentes que passem por problemas parecidos com os dos protagonistas. Com isso vamos ao ponto bom.
A LUZ NO FIM DA LONGA ESTRADA
Mesmo irresponsável, mesmo cansativa, mesmo às vezes até mesmo ofensiva, 13 Reasons Why deu início à abertura de debates importantes em séries infanto-juvenis no cenário mainstream. Não que obras como My Mad Fat Diary e, mais recentemente, Euphoria, não estivessem fazendo um ótimo trabalho em dialogar com o público adolescente, especialmente aquele que passa por temas sérios e complicados como Depressão, bullying, vício em drogas, Ansiedade, entre outros. Mas talvez 13 Reasons Why chegue em um lugar onde estas não consigam, especialmente por seu destaque.
Podemos, sim, tirar dela coisas boas. Podemos conversar sobre o Estresse Pós-Traumático de Clay; sobre o vício de drogas de Justin; sobre a depressão e posterior suicídio de Hannah; sobre a ressignificação de Jessica; sobre a sobrevivência de Alex; sobre a superação de Tyler; sobre o comportamento autodestrutivo de Zach. Quando eu disse, no início da matéria, que 13RW é a série errada com os personagens certos, me referia a isto.
Todas estas pessoas, todos estes personagens, todos estes problemas, eles são tão reais e tão palpáveis, porque estão perto de nós. Porque, às vezes, NÓS somos eles. E alguém precisa falar sobre isso. Os filmes precisam falar sobre isso, as séries precisam falar sobre isso, você precisa falar sobre isso. Se abra, tome como exemplo todos estes personagens e lembre que eles só conseguiram o melhor de si mesmos depois que se abriram com outras pessoas a respeito dos problemas.
Procure por um amigo de confiança, um parente próximo, um profissional de saúde mental. Lembre-se que você não precisa e não vai passar por isso sozinho, e a melhor qualidade de 13RW é fazer lembrar disso. Caso não sinta-se confortável para conversar com amigos, parentes ou profissionais de saúde, ou não consiga fazer isso a qualquer momento, reiteramos a disponibilidade do número 188, como citado no início da matéria, ou do chat do Centro de Valorização à Vida. Ambos são gratuitos e anônimos.
A estrada é longa e sinuosa: mas você não está sozinho.