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    Hebe: Crítica da minissérie no Globoplay

    A série, que complementa a história do filme Hebe: A Estrela do Brasil, estreia hoje na Rede Globo.

    NOTA: 4,0/5,0

    De todas as coisas incríveis das quais é possível dizer a respeito da figura icônica de Hebe Camargo, uma das menos lembradas — porém mais importantes — é o seu controle absoluto do próprio auditório. Acompanhar qualquer programa comandado pela apresentadora sempre foi sinônimo de tornar-se praticamente hipnotizado pela força, dinamismo e simpatia deste que foi um dos maiores nomes da história da televisão brasileira. No entanto, no meio disso tudo, surge uma questão importante: quanto controle tinha Hebe dentro de sua própria vida?

    Por mais que não busque diretamente uma resposta objetiva a esta pergunta, a minissérie Hebe, lançada diretamente no Globoplay, cumpre muito bem a excelente tarefa de passear pelos principais pontos da trajetória da artista, aproveitando-se da melhor plataforma que ela mesma utilizou durante sua vida para levantar pautas que tanto defendia: seu próprio trabalho.

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    Hebe Camargo sempre foi uma das apresentadoras mais transgressoras de sua geração, e o roteiro de Carolina Kotscho faz questão de deixar isso bem claro já nos minutos iniciais da série. Contada de maneira não linear, a narrativa se inicia já com Hebe enfrentando problemas significativos durante a exibição de seu programa na Rede Bandeirantes — muitos deles advindos do delicado período da pós-ditadura.

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    Logo de cara, já é possível notar o quanto a história de Hebe Camargo muitas vezes se confunde com a do Brasil. Em 1985, com a memória da ditadura ainda fresca em uma sociedade relativamente diferente da que vemos hoje, e a Censura Federal nas emissoras na corda bamba para sua finalização, a apresentadora fazia questão de convidar em seu programa nomes como Roberta Close e Dercy Gonçalves, algumas das precursoras de movimentos importantíssimos em nosso contexto atual. 

    Close, que inclusive, foi verdadeiramente apresentada na época como "A Mulher Mais Linda do Brasil" para que Hebe pudesse, ao vivo, explicar didaticamente a diferença entre travestis e transsexuais. Se hoje isso já parece um tanto distante, imagine há 30 anos. Toda a construção deste momento, por si só, explica muito mais sobre o posicionamento e os ideais de Hebe do que qualquer linha de diálogo desnecessariamente expositiva que pudesse estar presente na cena. 

    É claro que a série realiza algumas modificações em prol de um impacto maior, como na cena em que Dercy mostra os seios ao vivo em forma de protesto contra a Censura Federal: na série, isso ocorre junto à entrevista com a Roberta, enquanto na vida real foram dois momentos isolados. Nada que prejudique muito. 

    No entanto, uma das melhores alternativas para que a minissérie não acabasse parecendo apenas um recorte alternativo do filme (Hebe: A Estrela do Brasil) feito às pressas — como aconteceu recentemente com obras feito O Doutrinador, por exemplo — torna-se também um problema com o ritmo dos episódios. Aqui, há muito mais destaque para a juventudade de Hebe Camargo em seus primeiros momentos de fama no rádio, além dos primeiros romances. Mas tudo isso acaba ficando consideravelmente mal encaixado na narrativa. 

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    Apesar da boa alternativa de não se prender a questões cronológicas, os pulos entre momentos mais atuais e antigos muitas vezes quebram o ritmo da história, o que talvez poderia ter sido resolvido com melhores escolhas do diretor Maurício Farias junto à edição. É claro que o problema em si não está na existência dos episódios focados em sua juventude. Aliás, vale até destacar o o trabalho excepcional de Valentina Herszage na pele de uma Hebe muito mais ingênua, mas já calejada pela infância e adolescência difíceis. A atriz não apenas é naturalmente muito parecida com a jovem cantora e radialista, como também soube manter a essência aplicada por Andrea Beltrão

    E já que chegamos nela, valem alguns parágrafos para falar sobre as atuações. Aqui, o elenco inteiro foi muito bem escolhido, uma vez que a produção não se apegou tanto à semelhanças físicas, e sim aos principais trejeitos de cada uma das pessoas retratadas na série: Danton Mello faz bem um sobrinho e empresário cauteloso e carinhoso; Marco Ricca traz as nuances certas de um marido problemático; Caio Horowicz é um filho preocupado e internalizado; Claudia MissuraKarine Teles mostram, respectivamente, Nair BelloLolita Rodrigues emblemáticas e de presença forte. Mas é Beltrão quem brilha unânime. 

    Sabendo que não possui muitas similaridades físicas com Hebe, Andrea precisou redobrar a eficiência do modo de falar, agir, e até mesmo andar para que sua personagem fosse identificada pelo público como uma figura tão conhecida. Suas puxadas no sotaque e seu semblante sempre despreocupado de frente ao grande público, por exemplo, não pareceram, em nenhum momento, imitações, e sim maneiras autênticas de se portar. 

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    Mas a tal "personalidade forte" de Hebe sempre foi uma via de mão dupla, fosse nas suas relações interpessoais ou no âmbito profissional. E logo nos primeiros episódios percebemos que Hebe nunca foi uma Santa. E ela provavelmente não gostaria de ser retratada assim. Sua tratativa às vezes era de alguém que, por nunca se deixar dobrar ou conceder concessões, acabava trazendo alguns problemas — mas era justamente o que a fazia tão especial e autêntica. E Andrea Beltrão, novamente, sabe evidenciar muito bem essa dualidade. 

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    Fugindo mais uma vez do padrão de fazer uma minissérie que se assemelhe a um filme estendido, Hebe também acaba sendo uma grande homenagem aos fãs da televisão brasileira. O próprio gancho para nos lembrar do câncer que levou a artista a óbito é, por exemplo, a última grande entrevista de Hebe Camargo, que foi concedida a Marília Gabriela. Lá, um momento simbólico no qual ela diz que não tem medo de morrer, e sim "peninha" é reproduzido de maneira bem encaixada com a trama. Como não há uma linearidade específica, somos praticamente conduzidos por esta entrevista, assim como acontece com outro momento extremamente emblemático da carreira da apresentadora, que foi sua participação no Roda Viva, em 1987. Lá ela falou abertamente sobre polêmicas da sua vida, assim como seu posicionamento perante a causas como a luta contra a homofobia. 

    É legal ressaltar também como a produção não se podou em mostrar a Globo exatamente da forma como a emissora era vista pelos concorrentes na década de 80: careta, quadrada e "toda-poderosa", nas palavras da própria Beltrão. Inclusive, a estreia da minissérie fez com que a Globo anunciasse seu lançamento na grade da SBT, um cruzamento inédito nestes tantos anos de rivalidade pela audiência. Ponto positivo para o marketing. 

    No fim das contas, Hebe é uma figura tão representativa à nossa própria história, que nenhuma obra poderia resumi-la (quanto mais uma crítica). Mas a minissérie do Globoplay soube muito bem onde e como pincelar os momentos mais importantes da vida da artista e do nosso país para transformá-los em fios condutores de uma trama que passeia pelos mais contundentes tipos de emoções. Seja paquerando Roberto CarlosPelé em plena TV aberta, abandonando o programa na Bandeirantes sob a justificativa de estar sendo cerceada ou trazendo pessoas dos mais diferentes gêneros — mas não para servirem como elementos de uma espécie de atração circense, e sim para mostrarem-se como seres humanos plenamente capazes de entreter, conversar ou debater. 

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    Sendo sua trajetória tão parecida com a do próprio país onde viveu durante 83 anos, nada mais justo do que encerrar com uma frase dita por Hebe já no primeiro episódio: "É muito difícil lutar contra uma coisa que a gente não sabe o que é. E eu cansei de lutar sozinha. Cansei de ser explorada. Cansei de ser censurada". 

    Poderia ser ontem, hoje, ou amanhã. E isso é o que cativa. Mas assusta. 

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