Este foi o ano em que Game of Thrones decepcionou até os mais desavisados, em que uma galera aprendeu que a pronúncia correta é Zendeia, e quem tem bom coração se entregou de vez ao culto a Phoebe Waller-Bridge. Foi o ano em que tanta gente foi cancelada que até a Netflix resolveu cancelar mais séries que amávamos, e rolou inclusive um plot twist digno de M. Night Shyamalan quando o canal Pop TV consertou um erro e resgatou One Day At a Time. Foi o ano em que demos adeus a Litchfield, o ano do retorno do Doutor Manhattan, o ano de um novo canal de streaming a cada esquina, e o ano em que os Simpsons entraram para a família do Mickey Mouse.
Este foi também o ano da 2ª temporada de Big Little Lies, que muitos pediram mas de que talvez não precisássemos. E o ano de Maya Hawke, de Hunter Schafer, de Asante Blackk e Jharel Jerome, de Jodie Comer, e de Helena Bonham Carter nas telinhas do streaming. Foi um ano confuso e recheado de conteúdos. Alguns muito bons, outros nem tanto. Mas, definitivamente, de todas as vezes que já escrevemos por aqui que nunca se fez tanta TV, 2019 é o grande vencedor.
O que significa, é claro, que fazer uma seleção de melhores séries do ano torna-se ainda mais difícil do que já seria normalmente. Verdade seja dita, esse tipo de ranqueamento na maioria das vezes é injusto: não se trata de uma matemática exata, e os critérios de escolha nem sempre são tão subjetivos assim, mas são segredinhos muito bem guardados que sempre variam. Mesmo com a dificuldade que aumenta junto à infinidade de episódios e temporadas surgindo a cada semana, e talvez justamente por ela, 2019 foi um ano rico em ousadias na TV. A elas, agradecemos. Há alguma coisa para cada um, e algumas delas estão lembradas aqui.
20. Ninguém Tá Olhando
“As cutucadas feitas pelos Angelus a respeito de como a humanidade mudou desde que eles foram concebidos, há cerca de oito mil anos, são muito bem desenvolvidas em Ninguém Tá Olhando. Desde a ascensão da astrologia como tendência, até os charlatões religiosos e coaches, a série tece críticas sem perder a leveza de seu tema ou acabar tornando-se mais agressiva do que seu tom permite.” Leia a crítica completa.
19. Better Things
O projeto autoral de Pamela Adlon, a delicadeza através da qual a série retrata maternidade, adolescências irritantes e a sexualidade livre de uma mulher adulta irritada, frustrada e exausta são apenas alguns dos elementos que fazem de Better Things uma das melhores séries de sua época. A história real que transparece é tão universal que dói, mas o que realmente eleva esta comédia mais dramática que qualquer outra coisa é a forma como trata cada personagem como um ser completo, ainda que todos estejam em constante formação. Amar e se irritar com todas essas mulheres-meninas ao mesmo tempo faz parte da caminhada, e não seria possível que não fizessem: é assim em casa também.
18. Dickinson
“Além de fugir dos moldes optando por ser uma comédia, a série usa a imagem de Emily Dickinson (Hailee Steinfeld) como filtro para observar os dias atuais. Desde a primeira cena (e o primeiro palavrão), está claro que não se trata de uma biografia comum, mas sim de uma analogia fantasiosa. A aposta da Apple TV+ passeia pelo lúdico para observar a figura de tal pioneira artista, tentando adivinhar o que se passava em sua mente, construindo arcos a partir de seus enigmáticos poemas. Tudo isso com uma ambientação de época, mas usando linguagens e atitudes do século XXI.” Leia a crítica completa.
17. Olhos que Condenam
“Olhos que Condenam é óbvia em seu objetivo – coloca Donald Trump como a representação do privilégio, ditando as conversas sobre o caso ainda que não tenha conhecimento algum sobre ele – de mostrar que essa história é pertinente até os dias de hoje porque continua se repetindo. Ela não deixa de executá-lo com muita força e clareza, e é uma série que causa grande impacto porque sabe onde dói. Ela não suaviza a história que está contando para o conforto de ninguém.” Leia a crítica completa.
16. You’re the Worst
“Falk sempre caminhou no limite o que considera real ou atender as expectativas dos fãs, e não decepciona, mais uma vez. Então, ao mesmo tempo promove momentos como o incrível retorno do Sunday Funday; ou mais um episódio focado em Paul (Allan McLeod) e Vernon (Todd Robert Anderson) mesmo que não seja tão interessante como trama central. Por outro lado, é capaz de criar os três capítulos finais, que comprovam a inteligência de You're the Worst, onde a resolução do casal surge da maneira mais honesta que pode encontrar, novamente abraçando o que há de imperfeito no ser humano.” Leia a crítica completa.
15. What We Do In the Shadows
Quem foi que disse que uma série baseada em O Que Fazemos nas Sombras tinha o direito de ser tão boa? Naturalmente, a nova versão se aproveita do formato inicial do falso documentário para criar uma estrutura segmentada que a torna o produto ideal da televisão. Mesmo assim, o ponto alto é o aproveitamento do humor nonsense para entregar um resultado que usa o humor para catapultar uma conversa insana sobre padrões, poder, expectativas e os vampiros mais incríveis da TV.
14. Crazy Ex-Girlfriend
Qualquer temporada final chega com uma senhora missão, mais ainda quando existem tantos enlaces românticos e um quase triângulo amoroso em curso. O que a temporada final de Crazy Ex-Girlfriend constrói, neste sentido, é eficaz em fechar todas as caixinhas que haviam ficado abertas respeitando o tempo e os desejos dos personagens. Números musicais farão falta, White Josh fará falta, mas fará mais falta ainda o quanto CXG abriu espaço para uma conversa sobre saúde mental, dependência emotiva e liberdade sexual.
13. Tuca and Bertie
“Tuca & Bertie é a ‘prima’ de BoJack Horseman em mais de um sentido. Além de ser a criação de Lisa Hanawalt, uma das produtoras de BoJack, compartilha com o cavalão os traços, o gosto pela ironia, pelo tom ácido e pela ideia de colocar no mesmo balaio personagens teoricamente opostos e torná-los amigos. Tuca & Bertie transitam por temas sensíveis como assédio moral, sexual e machismo institucional, e se baseia acima de tudo na sororidade e na empatia de duas personagens honestas e abertas sobre suas sexualidades e sobre estabilidade financeira e emocional.”
12. Veep
“Veep sempre foi uma trama rápida e sarcástica que brinca com limites do absurdo, mas é impossível não sentir o espelho da narrativa virando contra o espectador, a ponto de refletir sobre a sociedade atual dividida pelo ódio. A história segue centrada numa Selina (Julia Louis-Dreyfus) determinada a fazer tudo pelo poder, mas também redireciona parte de sua crítica para a multidão que acaba apoiando tal tipo de comportamento. E tal visão é feita de forma tão genial, que o roteiro é capaz de fazer referências ultrajantes sobre assuntos sérios.” Leia a crítica completa.
11. BoJack Horseman
Alguns dizem que o tempo cura tudo, outros que já cansaram de frases do Orkut entendem que o tempo é apenas um paliativo, que não funciona se não houver disposição. São seis temporadas em que o cavalão se mantém firme e forte como a série mais coerente e poderosa da Netflix. Prestes a sair de cena de uma vez por todas, nossa lembrança na lista jamais passaria em branco. Neste ano, o que BoJack fez foi finalmente começar a se deixar respirar aliviado com o homem (ou melhor, cavalo) que vê ao olhar no espelho, e o resultado é a sua tão almejada paz como recompensa do seu próprio esforço. BoJack Horseman talvez seja certeira demais para o seu próprio bem.
10. Undone
“A temporada inteira carrega entre as duas teorias (poderes ou doença?) mas não perde seu ritmo ou estilo, por conta disso. Pelo contrário, a dualidade apenas enriquece a trama, contada em sagazes oito episódios de 20 minutos cada. Seu único defeito é ser, por vezes, conveniente demais para avançar o roteiro, mas nada que afete seu resultado final. O equilíbrio tênue entre essas duas realidades constrói uma aventura dinâmica e profunda, onde acompanhamos o amadurecimento de Alma, finalmente disposta a enfrentar as dores de sua vida e se valorizar como ser humano.” Leia a crítica completa.
9. Watchmen
“Por isso, pela forma como todos os arcos se fecham perfeitamente e pela forma como as perguntas sem resposta devem ficar assim — o que vai acontecer com Adrian Veidt? E com Angela Abar? —, o final de Watchmen soa como uma espécie de elevação, e não como um gancho para uma temporada seguinte. Tanto em perspectiva de personagens quanto em desenvolvimento dos temas, a história está completa. Já foi contada, e desta forma sai de cena como uma séria candidata ao cargo de melhor adaptação de HQs já vista na televisão. É o que ganhamos com liberdade criativa.” Leia a crítica completa.
8. Boneca Russa
“A história não perde tempo em inserir uma reviravolta, quebrando o clichê imortalizado por Feitiço do Tempo. Apesar de ainda usar tal famosa fórmula como base, Boneca Russa encontra um jeito de manter o interesse do espectador, construindo sua própria mitologia numa curva. [...] Não precisa criar malabarismos confusos como Westworld, nem ficar preso numa situação superficial estética como Black Mirror: Bandersnatch. O foco aqui é mostrar o desenvolvimento humano.” Leia a crítica completa.
7. Stranger Things
“Com a estruturação de todas as ambientações e indivíduos bem firmadas, só resta a Stranger Things ser exatamente aquilo que é desde o princípio: agradável, leve e espontânea, ao mesmo tempo que perturbadora e até ousada em certas escolhas – ainda mais nesta temporada, que possui um bônus de trabalhar, também, o patriotismo aflorado do norte-americano em meados dos anos 80, época da Guerra Fria. Mas o mais interessante é que o fato de algumas criaturas do Mundo Invertido voltarem para assombrar Eleven e todo o grupo de Hawkins já é algo que o roteiro toma como ‘natural’, apesar de ser um problema que todos haviam considerado finalizado anteriormente.” Leia a crítica completa.
6. Succession
Com a segunda temporada, Succession foi de uma série sobre uma família rica a um dos dramais mais complexos da televisão, em termos de dinâmicas de personagens e seriedade. Acima de tudo isso, no entanto, o trunfo de Succession está em saber não se levar a sério e ao atualizar o aspecto shakespeariano desta dinâmica familiar como ninguém. Coisas de Adam McKay.
5. Pico da Neblina
“Tá na Netflix?” é a resposta mais comum quando a gente indica uma série para os amigos. Se por um lado, a gigante do streaming tem o monopólio da quantidade (3%, Coisa Mais Linda, Irmandade), a qualidade (ainda) é uma commodity da HBO. É neste contexto mercadológico que se insere Pico da Neblina. “Pico de quem?” A série original da HBO capitaneada por Quico Meirelles se passa numa São Paulo distópica onde a maconha foi legalizada. Um tema difícil, abordado com a complexidade necessária pela equipe da O2. Sofisticada na forma (“Parece série gringa”, diria o espectador lá do início do parágrafo), Pico da Neblina é baseada numa narrativa que queima todos os clichês do “gênero favela”. O resultado dessa combustão é uma produção com diálogos sagazes e atuações impecáveis. Destaque para o trio de protagonistas formado por Luís Navarro (Biriba), Henrique Santana (Salim), Daniel Furlan (Vini), sem esquecer dos excelentes coadjuvantes Piolho (William Costa) e Digão (Bruce de Araújo). Procure saber.
4. Barry
“Bill Hader e Alec Berg foram elogiados por dosar comédia com drama violento, então a segunda temporada investe bastante nesses dois temas supostamente opostos. Mas, se no início, Barry buscava separar os âmbitos de sua vida dupla, cada vez mais é evidente o fracasso do personagem nessa tarefa, o que também afeta diretamente a narrativa. Riso e trauma se misturam, formando um humor obscuro que não desvaloriza ou escracha os temas valorizados, apenas adiciona um toque a mais ou ajuda a conduzir a narrativa.” Leia a crítica completa.
3. Chernobyl
“O criador Craig Mazin acerta, não apenas em usar da adrenalina envolvida nas primeiras horas do acidente como gancho para imobilizar o espectador de frente para a TV já nos primeiros sessenta minutos, como também em relacionar a mesma negligência que serviu de combustível para outros desastres da humanidade. Ao longo dos episódios de Chernobyl, somos consumidos pelo bom e velho sentimento de impunidade ao assistirmos, impotentes, as principais autoridades responsáveis pelo caso entrarem em um ciclo vicioso de descaso, indiferença e reducionismo ao que aconteceu.” Leia a crítica completa.
2. Euphoria
“A abordagem obscura de tudo o que faz parte do clichê dos dramas de ensino médio é diferencial em Euphoria porque a série o tempo todo sabe que aquilo não é eterno. Ao invés de mostrar adolescentes que acreditam piamente que aquilo que vivem antes de ingressarem na vida adulta é para sempre — outro estereótipo cansado de adolescentes na TV —, Euphoria trata cada um daqueles personagens como seres completos, e entende que eles sabem que aquilo está longe de ser o fim.” Leia a crítica completa.
1. Fleabag
“Ao contrário de outras obras, a quebra da quarta parede deixa de ser algo cômico usado apenas para se comunicar com o público. O espectador também faz parte da história, pois somos fração da louca mente da protagonista de Phoebe Waller-Bridge. [..] Essa profundidade emocional segue acompanhada por tiradas sagazes hilárias, que ajudam a conduzir de maneira que surpreenda a quem assiste. É algo que não vemos na TV em muito tempo, a tal ponto que Fleabag se tornou uma joia rara, merecendo ganhar mais apreço.” Leia a crítica completa.