Nota: 3,5 / 5,0
Pense menos em American Crime Story e mais em Glee. Este é o clima de The Politician.
Da primeira cena do primeiro episódio à última cena do final de temporada, The Politician é indiscutível e inconfundivelmente uma série de Ryan Murphy. Todos os tiques dele estão lá: os personagens histriônicos e desligados da realidade, o excesso nos figurinos e nos arcos narrativos que saltam de um ponto a outro sem o mínimo pudor, o exagero nas expressões faciais e no melodrama. Portanto, se você esperava de The Politician uma série que fosse didaticamente mostrar os caminhos até a Casa Branca, pense mais uma vez. Estamos falando de uma jornada de ambição de uma pessoa que eventualmente precisa aceitar que é um ser humano como qualquer outro e entender como lidar com os seus sentimentos.
Protagonizada por Ben Platt, The Politician acompanha a história do jovem Payton Hobart, que se imagina destinado à grandeza e sonha em se tornar um dos próximos presidentes dos Estados Unidos. Para isso, ele estuda a fundo as vidas dos antigos líderes de Estado da nação, e trilha o seu caminho desde cedo. Justamente por isso, ele se candidata a presidente do grêmio estudantil do colégio Saint Sebastian High School, com a ajuda do seu grupo: a namorada e aspirante a Primeira Dama, Alice (Julia Schlaepfer), e os líderes estrategistas James (Theo Germaine) e McAfee (Laura Dreyfuss).
Embora ele ache que a vitória está garantida, sua trilha é questionada quando River (David Corenswet), jogador de lacrosse, galã da escola, fluente em mandarim e namorado de Astrid (Lucy Boynton) também se candidata, e para lidar com o favoritismo do oponente, Payton convoca Infinity Jackson (Zoey Deutch), uma colega que luta contra o câncer, para ser a sua vice-presidente.
Qualquer coisa que se explicasse além disso entraria no campo do spoiler, mas é a partir desta premissa que The Politician entra no âmbito político, embora as tramas e os jogos de poder fiquem em segundo plano em relação aos dramas pessoais dos protagonistas. Isso não quer dizer que não exista uma ambição da série em tratar dos elementos que movem as peças no jogo do poder, mas sim que ela está menos interessada em discutir o que, por exemplo, levou figuras questionáveis e midiáticas como Donald Trump ao poder, do que deseja estudar o que desperta o interesse dos jovens em uma realidade em que absolutamente tudo e todos precisam saber exatamente para onde vão e em que não há espaço para erros.
Por isso, o que The Politician faz em sua primeira temporada no que diz respeito a investigar as manobras políticas funciona mais como um caminho para entrar em um assunto extremamente próximo ao coração de Ryan Murphy. A série é extremamente irônica em relação aos privilégios dos jovens de classe alta, mas muitas vezes acaba se perdendo entre a acidez e um reforço cego do ponto de vista que deseja criticar. Isso acontece sobretudo quando a série está no ponto de vista de Payton, um personagem tão próximo a Rachel Berry (Lea Michele) que você pode facilmente imaginar um diálogo entre eles recheado de hipérboles e tão fascinante quanto exaustivo. Ambos acreditam que estão destinados a futuros incríveis e se enxergam como muito melhores que seus colegas. Ambos são até mesmo filhos adotados, e ambos são exímios cantores. Mas enquanto ela acredita que seu destino é a Broadway, ele acredita que seu futuro é a Casa Branca.
Os paralelos de The Politician com Glee são tão evidentes que não é difícil confundir a Alice de Julia Schlaepfer com a Quinn Fabray de Dianna Agron — ambas personagens mal desenvolvidas que mal são justificadas e pouco existem fora de um ciclo em torno dos que estão em volta. É claro, estamos falando do mesmo trio criador — Murphy, Ian Brennan e Brad Falchuk —, e isso talvez explique um bocado dos paralelos entre as duas séries, sobretudo nas características exageradas dos personagens. Cada um deles parece mais um totem que condensa traços de personalidade grandiosos e que são invariavelmente uma garfada maior do que a série consegue digerir de uma vez só.
Este é o grande problema de The Politician: tanto quanto o próprio Payton, ela se considera algo especial e diferente de qualquer outra coisa que já tenha existido, e por isso se acha capaz de mirar em todos os arcos narrativos sem perder o equilíbrio. Na sua sede de abraçar todos os mundos, infelizmente ela mesma perde a noção da mensagem que deseja transmitir, e o resultado é uma análise deliciosa de se assistir, mas muitas vezes superficial e dispensável tanto do mundo dos ricos (aquele 1%) quanto das maquinarias políticas.
O arco potencialmente interessante de Infinity Jackson e sua avó, Dusty Jackson (Jessica Lange), fica perdido em meio a uma maré de reviravoltas abertamente novelescas, que fazem com que a comparação com outra série recente do Hulu seja inevitável — a resposta, no caso, sendo a constatação de que Murphy poderia muito bem ter dispensado esta parte da história, que serve apenas para dar à sua favorita Jessica Lange acontecimentos a que reagir, sem aprofundamento ou a reflexão que a outra faz.
Da mesma forma, a jornada de Payton nesta temporada — que consiste em sua transformação de privilegiado egoísta a alguém com uma personalidade mais palpável — soa ao mesmo tempo muito rápida e pouco desenvolvida. É possível ver todos os pontos de transformação, de quando ele é atingido pelos próprios erros que descendem de seu envolvimento superficial com a realidade aos momentos em que enfim precisa admitir sua própria humanidade e descer do pedestal que o transformou em uma estátua de cera feita aos moldes dos antigos presidentes. Mas com um personagem tão desapegado de todo o resto, é difícil criar empatia e fazer com que o público se identifique com ele, mesmo com o talento inquestionável de Ben Platt. O vencedor do Tony Awards de 2017 por Dear Evan Hansen se entrega completamente ao personagem, embora dificilmente convença como um jovem de 18 anos. No entanto, isso é algo que se espalha por todo o elenco jovem, e justamente por isso aparenta ser um traço pensado da série, que utiliza o ambiente colegial como uma estufa da corrida presidencial, uma amostra controlada e em menor escala do que está envolvido no jogo de poder político.
Mas a entrega competente de Platt nada tem a ver com o distanciamento natural que se sente do personagem, que é algo intrínseco da forma como ele foi construído: Payton vem de um berço de ouro (embora se convença de que tem origens pobres por sua mãe biológica ser uma garçonete), é um jovem branco com os melhores estudos e, dos seus sofrimentos com o pai (Bob Balaban) e os irmãos (Trey e Trevor Eason), certamente não são coisas que lhe tirem o sono. Sua mãe, Georgina Hobart (Gwyneth Paltrow), é de longe sua melhor amiga e confidente, a única com quem ele consegue se abrir e é capaz de admitir as fraquezas e as inseguranças. No fim das contas, a maior dificuldade de The Politician é justamente ter no centro da história um personagem feito para que não seja possível haver traços de empatia. É o tipo de dicotomia que se encaixa perfeitamente com um político, e a exata linha de raciocínio do próprio Payton: você sabe que as intenções dele são boas, mas precisa admitir que é incapaz de enxergar qualquer originalidade ou honestidade nos seus atos.
A partir do ambiente do ensino médio, The Politician traça um paralelo inteligente e ambicioso entre o ponto de vista do mundo político e a visão apocalíptica e imediatista da adolescência, e este é o seu maior trunfo. Cada decisão de Payton e de seu time, cada decisão de Astrid, Skye (Rahne Jones) e cada reflexo que isso causa na escola de elite em que eles estudam serve como uma metáfora, em menor escala, para o que acontece em gabinetes de campanha e qual a linha de raciocínio adotada por cada frente política. Há algo de particularmente especial no episódio 5, “O Eleitor”, o episódio que de longe melhor retrata o distanciamento do jovem da política e os motivos por que esse mesmo distanciamento é causado por um discurso que jamais atinge certas camadas dos eleitores, dando origem a uma geração de desinteresse com a realidade e da falta de conhecimento sobre decisões governamentais.
The Politician não é a série mais requintada de Ryan Murphy, embora o cuidado estético que vai gerar comparações imediatas com Wes Anderson passe outra impressão. A bela direção de arte, no entanto, esconde uma história bem intencionada e cativante, mas que está tão deslumbrada consigo mesma que se perde nos comentários ácidos e petulantes e deixa de lado uma discussão mais aprofundada do seu tema central. No fim das contas, a série vai aos poucos se transformando em algo mais calmo, que dá ao espectador tempo para respirar entre uma cena e outra e tentar pensar melhor nas motivações de Payton. É claro, isso nem sempre funciona, com os personagens cartunescos e impulsos dúbios e inexplicáveis do protagonista. Mas quando ela enfim encontra o seu ritmo, The Politician é mais delicada do que a primeira impressão deixa transparecer. Fique de olho no episódio final da temporada, que é basicamente o episódio de abertura da temporada dois, com direito a performances deliciosas de Judith Light e Bette Midler.
Se não por outra coisa, The Politician é uma ótima desculpa para ver Ben Platt cantando, embora os momentos musicais não façam muito sentido na história a não ser explorar todos os talentos do ator e cantor. E errado Ryan Murphy não está.