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    Filhos da Pátria: Fernanda Torres explica mudança de época na segunda temporada (Visita a set)

    Série traz mesmos personagens, agora durante a Era Vargas.

    Globo / Paulo Belote

    A família Bulhosa está de volta, mais ousada e desbocada do que nunca! Os mesmos personagens que desbravaram o Brasil recém-independente no ano de 1822 durante a primeira temporada de Filhos da Pátria retornam para uma nova época do nosso país no segundo ano da série da Rede Globo: o início da década de 1930, no começo da Era Vargas.

    O AdoroCinema visitou o set da segunda temporada da série em agosto deste ano, e conversou com o elenco. Enquanto Filhos da Pátria teve gravações realizadas em locais do Rio de Janeiro como o Theatro Municipal, a Confeitaria Colombo, o Palácio Tiradentes e o Palácio do Catete, acompanhamos uma cena em uma cidade cenográfica nos Estúdios da Globo, ambientada na comunidade onde mora Domingos, personagem de Serjão Loroza.

    A ideia de transportar os mesmos personagens para um novo período histórico foi para mostrar como os problemas do Brasil — e a consequente esperança de melhorar o país — permanecem os mesmos, não importa a época retratada, inclusive se fosse hoje em dia. “Demos um pulo para onde tudo no Brasil continua igual, quem era escravo vira empregada doméstica, quem era corrupto segue corrupto, quem era o dono do dinheiro continua o dono do dinheiro”, adiantou Fernanda Torres em entrevista durante a visita a set. “Então vamos para a década de 30 na hora em que as forças do Getúlio [Vargas] atravessam o país.”

    Mesmos personagens, nova era

    Globo / Paulo Belote

    O período muda, mas a função de cada um dos protagonistas dentro da narrativa segue a mesma — e mais, é exponencializada ou, como diz Fernanda Torres, “mais ‘dark’, com a tinta mais carregada”, justamente por ser escrita por Bruno Mazzeo já com a consciência da essência dos personagens. A matriarca Maria Teresa segue preconceituosa e sem noção, falando o que quer e bem entende. “Ela é uma loucura”, disse Torres sobre sua personagem. “Só que ela é salva porque é uma débil mental, você acaba criando um sentimento afetuoso porque não é possível uma pessoa ser tão imbecil assim”, alfinetou, completando: “Ela parece a sua tia, parece a sua mãe, então você tem amor por ela, mas ela é um monstro e isso é o melhor da Maria Teresa.”

    Já seu marido, Geraldo, vivido por Alexandre Nero, tem algo que, segundo Torres, é “muito brasileiro”: como na primeira temporada, “ele possui essa mistura do pai de família que, ao mesmo tempo, tem noção da corrupção, porque o Geraldo não é totalmente corrupto, e também não deixa de ser um pai bem intencionado, mas ele também é um canalha”, disse a atriz.

    Os filhos Geraldinho (Johnny Massaro) e Catarina (Lara Tremouroux), por sua vez, passam por algumas mudanças. O rapaz, que adere aos movimentos da época, vira fascista, apesar de não saber muito bem o que isso significa. “Ele fala na mesa ‘eu agora sou fascista’, com orgulho. Quando é questionado ‘mas o que você sabe sobre fascismo?’, e responde ‘ué, como conseguir as coisas mais facilmente’”. Enquanto isso, a moça está mais feminista do que era, “mais mulher moderna, com consciência das loucuras do mundo”, aponta Torres.

    Globo / Paulo Belote

    Não são só os personagens dos Bulhosa que mudam. Pacheco, o personagem de Matheus Nachtergaele, segue o corrupto que seduz Geraldo com promessas, enquanto os antigos escravos dos Bulhosa, Lucélia (Jéssica Ellen) e Domingos (Serjão Loroza), também passam a ter novas “funções” na sociedade. 

    “Nos anos 1800, que foi a primeira temporada, relatamos a Lucélia em uma relação de escravizada, que era o momento histórico do Brasil e a ideia da série é retratar esses personagens em cada época específica. A segunda temporada se passa nos anos 30, que são bem diferentes, bem distintos um do outro, mas ainda mostram como a história para os negros e para os brancos ainda está em um momento diferente”, explicou Jéssica Ellen, apontando que a produção aborda mudanças que se deram de forma diferente para cada etnia.

    “A Catarina por exemplo já está trabalhando em um jornal, fazendo o que ela quer, questionando os espaços que ela convive, com o pensamento feminista”, disse sobre a personagem de Lara Tremouroux. “Enquanto a Lucélia se desdobra em três, ela é empregada doméstica, estuda à noite e faz bolo e quitutes para vender. Fica muito evidente na série como ainda tem resquícios até hoje da escravidão no nosso país. Ainda que a gente aborda de forma rasa e superficial, porque é uma série de humor, continua sendo evidente.”

    Globo / Paulo Belote

    Já Domingos, que também era escravo na primeira temporada, se torna compositor de sambas nos anos 1930, quando o samba está começando a ser a música oficial do Brasil. “Ele vende os próprios sambas para poder sobreviver acaba não usufruindo do sucesso ou do glamour que confere o ofício de compositor. Mas então chega um momento — não posso dar muito spoiler — em que aparece uma oportunidade legal para ele”, antecipa Serjão Loroza sobre seu personagem.

    Para o ator, a segunda temporada é bem mais “relax” que a anterior. “Na temporada 01, foi a primeira vez que eu interpretei um escravo. Eu já tinha feito um ex-escravo. Fazer um escravo na senzala mesmo é muito doido, é muito definitivo, porque automaticamente o nosso sangue, o nosso DNA carrega essa injustiça social e racial muito forte que existiu. Em alguns momentos, nos olhávamos — eu, Jéssica Ellen e Flávio Bauraqui — e começávamos a chorar no set, porque a gente lembrava daquilo que a gente não viveu, mas nossos antepassados infelizmente viveram. É muito dolorido. Nesse momento, essa segunda temporada, é muito mais relax. Para ter uma ideia, até direito de posse a gente tem”, disse sobre Domingos possuir um barraquinho na comunidade na Gamboa. O ator ainda antecipou que seu personagem não terá contato direto com os Bulhosa. “A Lucélia é o elo dele com a família protagonista”.

    Ambientação

    Globo / Paulo Belote

    Com o novo presidente, chegam promessas de modernidade e a era da rádio, frente ao período de estagnação após anos da hegemonia da elite do chamado “café com leite”. No entanto, segundo Torres, sua personagem não está preocupada com a ascensão social, mas sim deslumbrada com a chegada dos militares. “A Maria Teresa os acha lindos, fica sonhando do Geraldinho, seu filho, ser militar, o filho ser militar e então ela entra para uma liga de Donas de Casa Perfeitas, que são as mulheres dos militares.”

    O clima da década de 1930 esteve evidente desde a chegada no local das gravações: na arquitetura rústica, nos figurinos dos atores e figurantes mirins, tanto dos moradores simples da primeira comunidade que se forma no Gamboa, quanto nas roupas coloridas e arrumadas usadas por Maria Teresa e sua liga de “Donas de Casa Perfeitas”.

    A ambientação é, principalmente, percebida no diálogo trocado entre as personagens de Fernanda Torres e Jéssica Ellen. Antes patroa e escrava, Maria Teresa e Lucélia agora assumem papéis de chefe e empregada doméstica em busca de seus direitos. Algo que poderia muito bem acontecer no século XXI.

    “O esqueleto da sociedade continua sempre igual, assim como a relação da Maria Teresa com a Lucélia, que é empregada. Ela não consegue entender como um pessoa precisa ter folga, ela acha um absurdo ter que ter folga, ter horário e, como tudo no Brasil, essas relações se dão pelo afeto, então ela fica magoada, triste, da Lucélia ter uma folga”.

    Globo / Paulo Belote

    A nova temporada inclusive aborda o empoderamento de Lucélia lutando por seus direitos, justamente em uma tomada que envolve as personagens de Ellen e Torres. “É uma cena maravilhosa, que eu mais gostei de fazer na série, porque é o momento em que a Lucélia percebe que chegou na ‘tampa’, o balde entornou”, explicou Jéssica Ellen na entrevista. “Ela tem uma cena muito forte e bem emotiva com a Dona Maria Teresa, que é o momento em que ela coloca os limites dela e percebe que não só ela depende do emprego, mas a família também precisa dela para a funcionalidade da casa, que sempre esteve nessa estrutura. É um momento bem legal da série, da virada do personagem.”

    Segundo Ellen, representar essa história faz parte de um papel social importante. “É muito bom quando a gente consegue usar o humor para levar a luz para assuntos que são muito potentes e necessários de serem abordados. Existem muitas Lucélias no país e que bom que a Lucélia da ficção conseguiu reivindicar os seus direitos, acho que muitas pessoas vão se identificar com ela.”

    Série de comédia

    Globo

    Humor é o que não falta em Filhos da Pátria. O texto de Bruno Mazzeo faz questão de colocar o dedo na ferida através da comédia. Segundo Torres, inclusive são questões que a deixam horrorizada. “Nós filmamos um negócio que você fala ‘caramba, será que tem graça?’, porque tem um humor que no final você pensa ‘que coisa horrível!’, várias coisas da Maria Teresa são assim”, disse a atriz. “Hoje ela fazendo caridade no morro, que é a favela começando na década de 30, se estabelecendo ali na Gamboa, e aí ela vem com as mulheres que fazem caridade no morro, donas de casa perfeitas, mulheres de casa, e ela vem dizendo ‘nossa, que lugar exótico, é tão diferente do Brasil’. Mas ela mora ali na Tijuca, então acha que o Brasil é a casa dela”, explicou sobre a cena acompanhada pelo AdoroCinema na ocasião.

    Serjão Loroza acredita que trazer questionamentos com o humor tem sua carga de importância — ainda mais no momento político atual. “Linguagem é poder. Estamos vivendo esse período e precisamos entender que as coisas podem ter um desdobramento que não é aquele que desejamos. [As pessoas dizem] ‘O politicamente correta está acabando com o humor’. [Mas] não. Está fazendo-o ficar mais inteligente. O artista não pode ser o inimigo da sociedade, pelo contrário, se percebemos que pelo nosso humor consegue fazer a sociedade ficar mais legal, vamos aderir a isso”, disse o ator. “Queremos um mundo melhor não daqui a 50 anos, daqui a 5 segundos.”

    Filhos da Pátria aborda assuntos atemporais e problemas sociais que existem até hoje, e poderia ser ambientada em qualquer período da história do Brasil. Quando perguntada qual época a futura possível terceira temporada abordaria, Fernanda Torres desconversou: “Aí o Bruno [Mazzeo] que tem que responder, não vou dar spoiler”.

    A segunda temporada da série tem estreia prevista para o segundo semestre de 2019 na Rede Globo.

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