Ame ou odeie o quanto quiser, mas a temporada de premiações pelo menos é divertida, quando não é frustrante. Você provavelmente já amou e odiou, talvez ao mesmo tempo, a lista de indicadas ao Emmy 2019, comemorou uma favorita obscura que ganhou uma indicação ou se revoltou pela esnobada de uma outra que excede em qualidade as que receberam nomeações. Faz parte. Mas quando o assunto é a lista de séries indicadas às categorias de drama, a 71ª edição do Primetime Emmy Awards talvez seja a menos dramática em anos.
No aquecimento para a maior premiação da TV, o AdoroCinema resolveu fazer uma série especial de matérias destrinchando as chances e o que pesa para cada um dos gêneros do prêmio da Academia de Artes e Ciências Televisivas (ou ATAS). Nesta primeira parte, falamos sobre as séries de drama — acompanhe o site para nossas análises sobre as séries de comédia e as séries limitadas.
Better Call Saul
A filha de Breaking Bad protagonizada por Bob Odenkirk é uma histórica querida da Academia. Com nove indicações, Better Call Saul aparece pelo quarto ano na lista de nomeadas, tendo recebido menções por todas as suas temporadas até a presente data. A maré de sorte é contraditória porque, apesar de sempre ser lembrada, a série jamais venceu um prêmio. Será que é dessa vez que essa história muda?
Better Call Saul está indicada não apenas como melhor série, mas também foi lembrada em melhor ator (Bob Odenkirk), melhor ator coadjuvante (Jonathan Banks e Giancarlo Esposito), ator convidado (Michael McKean) e melhor roteiro (“Winner”, episódio 4.10). Este quadro nos indica que há uma franca predileção pelas atuações da série de Vince Gilligan e Peter Gould — este último que, aliás, assina o roteiro do episódio indicado, junto a Thomas Schnauz — em detrimento da impecável qualidade técnica. A esnobada da sempre excelente Rhea Seehorn é algo que ainda esperamos ser eventualmente corrigido, mas as expectativas para Better Call Saul, levando em consideração o quadro geral, são baixas.
Isso também tem relação com o próprio distanciamento da quarta temporada, que foi finalizada em outubro de 2018. Com a estreia da quinta marcada apenas para 2020, a série encontra-se em um limbo, um período em que não há novidades para colocá-la de volta na mídia e que o êxtase causado pela temporada anterior já passou.
Game of Thrones
O inegável e indiscutível furacão arrebatou 32 indicações pela divisiva oitava temporada. Sim, o mundo sabe que a temporada final de Game of Thrones não foi a melhor, e a reação negativa aos últimos episódios está espalhada por todos os cantos da internet. Mas antes de que o mundo soubesse disso, a estratégia adotada por outras séries que seriam possíveis fortes concorrentes na temporada de premiações foi uma só: fugir para as colinas. Quer dizer, para 2020.
Por isso não há sinal de The Crown, Stranger Things ou The Handmaid’s Tale, por exemplo. Tampouco de Westworld, que compartilha a casa dos dragões. Se a estratégia de lançamento das novas temporadas dessas produções não fosse se distanciar de Game of Thrones, talvez a série dos agora infames David Benioff e D.B. Weiss não tivesse acumulado até mesmo indicações de melhor roteiro e melhor direção para o risível episódio final da série, “The Iron Throne”. Mesmo sem poder concorrer às categorias principais, The Handmaid’s Tale abocanhou 11 nomeações. Imagina se pudesse?
De fato, as indicações de Game of Thrones fazem tão pouco sentido que o único episódio genuinamente elogiado da 8ª temporada, “A Knight of the Seven Kingdoms”, não foi lembrado em melhor roteiro. Em vez disso, estão ali sem uma justificativa plausível os episódios 3 (“The Long Night”, aquele que ninguém enxergou e fez todo mundo precisar mudar as configurações da TV para diferenciar um cavalo de uma espada) e 4 (“The Last of the Starks”, aquele que virou a chave para a suposta loucura de Daenerys sem o menor sinal de nuance).
No fim das contas, Game of Thrones sempre seria a campeã de indicações ao Emmy 2019, quaisquer que fossem as concorrentes, e a grande vencedora de melhor série do ano. Mas talvez ela ganhasse menos estatuetas se os votantes tivessem mais opções. É claro que uma temporada final sempre tem um apelo no sentido de consagrar uma história, e querendo ou não Game of Thrones é uma das produções que mudaram o jogo nas telinhas, e é desta glamourização que o Emmy sobrevive. Com tantas indicações em atuação, e o esvaziamento na categoria principal, Game of Thrones está fadada a vencer por W.O. Mas estamos torcendo por uma improvável reviravolta.
Killing Eve
Depois de apenas duas indicações pela primeira temporada, Killing Eve acumula 9 pela segunda, incluindo direção (“Desperate Times”, episódio 2.04), melhor atriz (para Sandra Oh e Jodie Comer), atriz coadjuvante (Fiona Shaw) e roteiro (“Nice and Neat”, episódio 2.02). Muito desse salto tem relação não necessariamente com qualidade (a primeira temporada é melhor que a segunda), mas com destaque na mídia.
A série foi premiada no Globo de Ouro, BAFTA’s, SAG Awards e Gotham Awards, por exemplo, e neste meio tempo a produtora executiva (e showrunner da primeira temporada) Phoebe Waller-Bridge se transformou em uma das criadoras de conteúdo mais celebradas da televisão. Isso fez com que não apenas Fleabag acumulasse 11 indicações pelo seu segundo ano, mas que Killing Eve também se aproveitasse da justa maré do reconhecimento.
No caso das indicações na categoria de melhor atriz, via de regra, Oh e Comer devem dividir os votos que forem para Killing Eve, o que invariavelmente diminui as chances de ambas. Mas o fato de a série também acumular uma indicação em melhor elenco é um bom indício de que o elenco é bem visto — assim como a indicação em melhor montagem igualmente favorece o caso em direção, ainda que Game of Thrones continue sendo a favorita.
Ozark
“Como Ozark consegue tantas indicações apesar de não ser uma série popular ou querida pela crítica?”
Muitas foram as vezes em que esta pergunta foi repetida logo após o anúncio das indicações. É verdade que, como já explicamos neste artigo, as campanhas de marketing e o dinheiro têm muita relação com isso, ainda que a tríade do Emmy leve em consideração relevância, qualidade e popularidade. Talvez, mais uma vez a escassez de The Crown, Stranger Things, The Handmaid’s Tale e Westworld explique algumas jogadoras secundárias terem tanta força. São nove indicações para Ozark, a quarta maior acumuladora da Netflix, atrás de Olhos que Condenam (16), Boneca Russa (13) e Nosso Planeta (10), e sua grande presença só não é um mistério quando investigamos o quanto a Netflix investiu em sua divulgação.
Ainda que a probabilidade de Ozark passar batida pelo Emmy no próximo dia 22 de setembro seja imensa, ela já cumpriu o seu papel: garantir que a gigante do streaming marque presença em número nas indicações e não perca espaço para a HBO, a maior jogadora do Emmy de todos os tempos.
Pose
Desde que American Horror Story ganhou uma cadeira cativa nas categorias de séries limitadas do Emmy (um padrão rompido neste ano, aliás), Ryan Murphy foi ganhando uma reputação renovada na televisão, e uma que ganhou ainda mais força depois do sucesso arrebatador de American Crime Story, tanto com The People v. O.J. Simpson quanto com The Assassination of Gianni Versace. Com Pose, a proposta é diferente, mas tão próxima ao coração e à essência da televisão de Murphy quanto poderia ser.
A história ambientada entre o fim da década de 1980 e o início dos anos 90 utiliza a transição cultural como plano de fundo para mostrar a cultura dos bailes, o universo dos artistas trans e o reflexo desse espaço no que se entende hoje por cultura pop, seja nos campos da música, da moda, dança ou artes audiovisuais. De certa forma, é Ryan Murphy escancarando as origens do que é cultuado hoje como camp, à sua própria forma exagerada e melodramática.
Por carregar essa essência e esse brilho literal, aliados a figuras como Billy Porter, Indya Moore e Mj Rodriguez, Pose é provavelmente mais uma que vai segurar uma cadeira para chamar de sua por mais de uma temporada. São seis indicações, mas a falta de menção em categorias como roteiro e direção reflete um esvaziamento que não dá o melhor dos recados para a série, pois indica que não há embasamento nas qualidades técnicas e de texto que justifique uma vitória na categoria principal — ou pelo menos, não segundo os votantes da Academia.
Por outro lado, Pose se aproveita de um marketing natural. Durante boa parte do período de votação, a série esteve nos holofotes por causa da exibição da segunda temporada, que se encerrou no último dia 20 de agosto. Mesmo assim, suas chances são poucas, sobretudo quando levamos em consideração que o drama concorre pela primeira temporada, e ainda tem uma grande jornada a percorrer tapetes vermelhos afora.
Segurança em Jogo
A série protagonizada por Richard Madden, e que rendeu ao ator um Globo de Ouro pelo personagem e quatro indicações ao drama no BAFTA’s, foi a segunda série dramática na qual a Netflix mais investiu em marketing visando uma indicação ao Emmy, perdendo apenas para Ozark. Enquanto a série de Jason Bateman obteve nove indicações, Bodyguard teve apenas duas: em melhor drama e em melhor roteiro (pelo primeiro episódio).
Neste contexto, é difícil pontuar o que é mais surpreendente: Segurança em Jogo ter acumulado duas indicações apesar da baixa relevância ou o fato de nenhuma dessas indicações ser para Madden, talvez a indicação mais óbvia e esnobada neste pequeno conjunto — tendo em vista justamente a sua vitória no Globo de Ouro.
De qualquer forma, a maior presença da atração no Globo de Ouro (uma premiação organizada pela associação de jornalistas estrangeiros em Hollywood, a HFPA) pode muito bem ser justificada pelo fato de a produção de Bodyguard ser britânica, o que carrega um certo favoritismo — o mesmo que The Crown herdou de Downton Abbey, por exemplo.
Esse mesmo favoritismo não é refletido no Emmys, o que fica claro com a presença sutil da série na premiação. Se nem mesmo Richard Madden convenceu, duas indicações e a falta de outros nomes fortes são os fatores para uma conta cujo resultado é muito simples: Segurança em Jogo está fadada a ficar esquecida no churrasco junto às filhas da Adriana Bombom.
Succession
A família mais insuportavelmente e deliciosamente rica, privilegiada e problemática da HBO está em Succession, uma série cujo sucesso de crítica infelizmente ainda não se refletiu como deveria em sucesso de público. Ainda. A primeira temporada rendeu à série cinco indicações, e a diferença em relação a Pose (que também está indicada pela temporada inicial) é justamente o que essas indicações nos dizem. O drama familiar e midiático de Jesse Armstrong e Adam McKay foi muito bem lembrado também nas categorias de melhor roteiro (“Nobody is Ever Missing”, episódio 1.10, escrito por Armstrong), melhor direção (“Celebration”, episódio piloto comandado por McKay) e melhor elenco, para o trio Francine Maisler, Douglas Aibel e Henry Russell Bergstein.
Toda a diferença da fortaleza ou da fraqueza de uma série reside justamente nas indicações em roteiro e direção. A última vez que uma série ganhou o prêmio de melhor drama sem estar concorrendo em direção e roteiro foi em 1999, quando a campeã foi The Practice (sim, em outra vida). Depois disso, três vezes séries ganharam o prêmio de melhor drama sem estarem concorrendo em direção (A Sete Palmos em 2002, 24 Horas em 2006 e Mad Men em 2010). Via de regra, é claro que tudo isso favorece a mais óbvia: Game of Thrones.
Brian Cox e Kieran Culkin que fiquem por aí por mais uns anos.
This Is Us
Em tempos nobres de televisão em que todos os olhos estão voltados para HBO, Netflix, a guerra do streaming e o Peak TV, This Is Us permanece firme e forte como a representante solitária das networks (ou seja, da TV aberta) neste seleto grupo de indicadas ao Emmy de melhor série drama. É inegável que ano após ano a série vá perdendo um pouco mais de seu apelo com o formato de retratar as variadas épocas das vidas dos membros de uma família, mas é igualmente impressionante o fato de ter conquistado suas nove indicações. Sete delas estão distribuídas pelo numeroso elenco, o que também explica qual a origem do carinho conquistado pela série junto aos votantes da ATAS: trata-se de um reconhecimento da força da atração junto ao público.
Afinal de contas, um dos fatores que o Emmy reconhece em suas indicações é exatamente a relevância. Da mesma forma que sua indicação é um símbolo da resistência do formato episódico, a sua permanência junto aos espectadores passa o mesmo recado, de que a rotina mais simplificada na TV continua eficaz. É claro que This Is Us perde força frente a séries como Game of Thrones e Killing Eve, mas a quantidade de indicações para o elenco revela o quanto a indústria reconhece a sobrevivência de boas histórias na TV aberta, por mais que os prazos de validade invariavelmente sejam menores.