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    Mindhunter: Crítica da 2ª temporada

    A força da prática.

    Nota: 4,0 / 5,0

    Se a primeira temporada de Mindhunter foi voltada para a descoberta e o desenvolvimento de uma técnica, a segunda é a sua mais pura aplicação. Tecnicamente, os nove episódios se aproveitam da estética fria do cinema de David Fincher para criar não apenas um distanciamento entre os agentes do FBI e os seus entrevistados, mas para deixar no ar um aspecto de tensão que põe o espectador sempre à beira da expectativa. Consertando alguns equívocos da primeira, a nova temporada é mais focada e objetiva, sem perder sua característica primordial: apresentar padrões e explicitar como os componentes da Unidade de Ciência Comportamental são afetados por seus próprios estudos ou investigações.

    Enquanto a primeira temporada trouxe uma série de entrevistas e a criação dos perfis dos serial killers em primeiro plano, a segunda temporada segue o curso natural e usa todo aquele aprendizado para algo mais palpável. Para isso, é imprescindível a apresentação de Ted Gunn (Michael Cerveris), novo diretor do FBI que vê o time de Holden Ford (Jonathan Groff) e Bill Tench (Holt McCallany) com brilho nos olhos. Ele enxerga no estudo conduzido pela UCC uma oportunidade de estabelecer a precisão e o prestígio da agência, e vai pelo caminho mais estratégico: a propaganda. Tench se transforma em sua carta na manga, contando histórias hiperbólicas e detalhadas sobre Charles Manson e Ed Kemper para engravatados, a fim de que o trabalho deles seja alvo de mais recursos e interesse por parte dos que mandam no jogo.

    Como fios condutores da história, Holden e Tench têm seus papéis invertidos em relação à temporada inicial, justamente em virtude deste novo papel desenvolvido por Tench, mas também porque Ford em segundo plano funciona como um competente arquiteto, perturbador sem ser exaustivamente expositivo.

    Os dez primeiros episódios da série haviam colocado a vida pessoal de Holden no epicentro da trama, sendo o relacionamento dele com a namorada o que servia de espelho para o quão arriscada é a técnica que ele usa para se aproximar dos alvos de sua pesquisa e, acima disso, deixar claros a masculinidade tóxica e o machismo que propulsionaram muitos dos assassinos apresentados naquela temporada. 

    Ao contrário disso, o novo ano da série apenas sugere continuar olhando para o possível desequilíbrio emocional e psicológico do personagem de Ford, mas logo desvia disso e o deixaa como um potente coadjuvante. Seus métodos ainda são erráticos e o transformam em alvo de olhares desconfiados a respeito de sua postura, o que apenas fortalece o interesse no personagem. No fim das contas, apesar de o sistema estar do lado dele, a sua cegueira político-social é o que se transforma em sua cruz metafórica: apesar de ter alcançado seu objetivo em busca do Assassino de Atlanta, o que Holden deixa atrás de si quando volta para a Virgínia é uma sociedade desolada, mães sem resposta e uma divisão racial ainda mais forte.

    Quando o time é deslocado para Atlanta para investigar os assassinatos misteriosos de crianças negras — o que acontece muito em parte devido à própria insistência de Holden, que é abordado por uma recepcionista do hotel e apresentado a um grupo de mães tentando conduzir a investigação que a polícia não faz —, a linha de raciocínio de Ford ao mesmo tempo fascina e incomoda. Primeiro porque, apesar de todos os estudos que ele havia feito para determinar que o assassino deveria ser um homem negro, entre 20 e 30 anos, ele é incapaz de enxergar a situação sensível em que está. Afinal, estamos falando da Geórgia na década de 1970. Um estado do Sul dos Estados Unidos, em que a maioria da população negra é historicamente rebaixada, em uma realidade em que a polícia já está deixando o KKK correr solto. Dizer que o assassino é um homem negro não é nada diferente do que qualquer outro policial faria naquele contexto. 

    O que a série faz de interessante neste sentido é pontuar a falta de visão de Holden Ford eventualmente através dos olhares de diversos outros profissionais envolvidos, e sobretudo das mães que perderam seus filhos. As contradições de seu caso são apontadas o tempo todo, e sua profunda exatidão matemática que o faz ignorar determinadas particularidades que existem em Atlanta mas não em Baltimore, por exemplo, também. No fim das contas, estamos sim diante de mais uma série que fala sobre o racismo através do ponto de vista dos personagens brancos, e uma discussão rica fica de fora justamente por este motivo. Mas Mindhunter está o tempo todo ciente da posição estrangeira dos agentes brancos. Mostrar a incompreensão do peso do racismo neste caso, e por consequência em muitos outros, é um de seus grandes objetivos. A exposição nua e crua da tragédia que os olhos treinados dos policiais caucasianos jamais conseguiram ver.

    Dois aspectos fazem da segunda temporada de Mindhunter um objeto que vence em coesão. O primeiro é tratar do Assassino de Crianças de Atlanta como uma única grande investigação que transpassa por toda a temporada. A segunda é entender que, por mais que todos os eventos em Atlanta passem diretamente por Holden, ele é mais uma conexão entre todos os acontecimentos do que o acontecimento em si.

    A consequência imediata disso — e, novamente, positiva — é a bela narrativa da história de Tench e sua família. A complexidade da tragédia com o pequeno Brian (Zachary Scott Ross) é, em termos simplificados, um microverso. É uma análise mais aproximada das origens de um trauma psicológico, e mais uma vez uma forma de aproximar o trabalho dos agentes em campo com suas vidas pessoais. À medida que Tench se esforça cada vez mais para conseguir se dividir entre a investigação em Atlanta e a atenção necessária à família (e claramente fica para trás em ambas), ele vai aos poucos se transformando no que talvez mais o preocupa Holden: a imagem do isolamento.

    Trazer Tench para o centro da história traz consequências ricas porque observar a sua fraca tentativa de se conectar com o filho e com a esposa, Nancy (Stacey Roca), é o oposto de vê-lo navegar tranquilamente entre figuras poderosas em um jantar na casa de Ted ou em um retiro de férias. Ele entende e é capaz de conversar com assassinos dos mais cruéis já vistos, mas não consegue tirar uma palavra da boca do filho. Toda a tragédia aqui é que não é surpresa alguma ele chegar em casa e encontrar um lugar vazio. Mas, para ele, foi.

    Mais uma vez, há muitos elementos em curso em Mindhunter. Alguns estão mais à frente da narrativa que outros, e essa mistura de informações que pesam na construção de um perfil psicológico, bem balanceadas em uma história que entende que sua existência é tão complexa como uma mente pode ser, faz com que dissecá-la seja um trabalho desafiador. Mindhunter está interessada em muitas coisas ao mesmo tempo, e passa por homofobia, opressão, culpa e o enfrentamento da inexatidão das contas. Holden, Tench e Wendy estão ligados pela farsa que montaram para si mesmos; É incômodo ter que olhar de perto para a vida pessoal de cada um deles, porque são repletas dos mesmos fantasmas que os perseguem em suas vidas profissionais. É a capacidade de entender o aspecto inseparável entre os dois lados de quem cada um deles é que faz de Mindhunter uma série endurecida, mas jamais forçada.

    As maiores falhas da temporada estão em momentos de exposição exagerada do diálogo, que servem claramente para que o público tenha certeza que entendeu o que está sendo dito, e não porque aqueles personagens precisam explicar certas decisões um para o outro. A recorrente falta de espaço para Wendy Carr (Anna Torv) também é um ponto a ser levado em consideração, ainda que ela tenha ganhado um papel mais amplo neste ano. Mesmo assim, entre os três protagonistas, ela continua sendo aquela que não encontrou um lugar para si na história. Seria ótimo vê-la mais participativa em uma temporada seguinte.

    A segunda temporada de Mindhunter é uma construção mais rica e mais exata porque tem mais capacidade para se aprofundar em temas que a primeira havia apenas tocado superficialmente, mesmo que para isso desvie do estudo dos serial killers. A incompreensão a respeito do próprio assassino, Wayne Williams (interpretado com crueza à perfeição por Christopher Livingston), vem justamente porque ele não se encaixa nos moldes de Kemper e companhia. Há um vazio pesado no lugar onde deveria haver julgamentos e convicções a respeito de todas as crianças assassinadas — algo que, até hoje, não existe. O que existe é remorso e sofrimento.

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