NOTA: 3,5 / 5,0
Esta crítica contém alguns spoilers da 3ª temporada e de eventos anteriores!
Nas Partes 1 e 2 de La Casa de Papel, até mesmo os momentos em que a narrativa se afunilava em supostos becos sem saída deixavam claro que tudo se resolveria de um jeito ou de outro. A morte de Berlim (Pedro Alonso), por mais trágica que tenha sido, foi importante para dar mais profundidade à trama e mostrou que o grupo de assaltantes guiado pelo Professor (Álvaro Morte) era capaz de se unir ainda mais. E, de fato, é isso o que acontece na Parte 3 da produção espanhola, que demonstra sem delongas sua ambição de mobilizar um novo ato contra o governo, mas ao mesmo tempo sem a mesma segurança que existia no primeiro plano de assalto à Casa da Moeda. Agora, o roubo no Banco da Espanha prova que, se tudo deu certo na primeira vez, é bom continuar preparado, pois isso não quer dizer que o mesmo desfecho se repetirá numa segunda oportunidade.
Oito episódios dão a medida perfeita para a nova etapa de La Casa de Papel, que se encontra um tanto mais madura e centrada majoritariamente em seus arcos principais. Como o cenário é basicamente o mesmo do anterior (um assalto, um banco e a dinâmica em grupo), não há mais a necessidade de detalhar a relação dos assaltantes com os reféns, assim como sub-tramas que envolvem novos personagens, como Bogotá (Hovik Keuchkerian) e Palermo (Rodrigo de la Serna), são inseridas de modo acertado diante do atual contexto. A perda de Berlim, o sofrimento de Professor, a separação do grupo (todos em duplas espalhados ao redor do mundo após o primeiro assalto) e o motor para que um novo roubo seja organizado após três anos são elementos-chave nesta 3ª parte. Durante boa parte dos episódios, tudo está alinhado e o ritmo é sempre instigante, mas ainda assim a série se prende muito à urgência da colisão entre os assaltantes e a polícia - elemento este já visto em larga escala anteriormente.
No entanto, por mais que a repetição do embate entre os dois lados exista, desta vez há uma questão social e política maior. Após anos de refúgio, Tokio, Nairobi, Rio e os demais integrantes da resistência ainda são apoiados por parte da sociedade, que os enxerga como vigilantes e justiceiros. Eles próprios também se consideram assim, e os primeiros episódios explicitam bem este rompimento de uma visão que outrora tinha como foco o fato deles serem apenas ladrões mascarados de Salvador Dalí. Agora eles não estão mais em fuga: os personagens são líderes de um movimento criado naturalmente com as ações das temporadas anteriores, mas que agora são devidamente aproveitadas a seu favor diante do sequestro de Rio (Miguel Herrán) e da tortura física e psicológica que a polícia comete com o personagem.
Apesar de possuir ótimas cenas de ação e tensão - além de contar com belíssimas locações paradisíacas -, o início da trama acaba sendo bem fraco ao se centrar na narradora Tokio (Úrsula Corberó, uma das personagens com as camadas mais rasas da série), cuja motivação pessoal acarreta justamente no sequestro de Rio. Tudo acontece rápido demais para que possamos nos colocar em seu lugar, por mais que já saibamos que a personagem é aventureira e é apaixonada pela liberdade, mesmo também amando seu companheiro. A boa notícia (ótima, na verdade) é que, graças às atitudes impensadas de Tokio, a trama consegue incluir o cativante Berlim novamente nos holofotes. Desta vez, no passado.
As idas e voltas no tempo fortalecem a história do novo roubo à medida que vamos conhecendo Palermo, amigo de Berlim, e toda a ideia do assalto em si. Da mesma forma que os mínimos detalhes do plano de Professor pareciam perfeitos, o projeto que Berlim criou com dedicação também funcionava perfeitamente - mas somente em teoria, visto que seu plano é consumado com uma pressa que inviabiliza a perfeição que Professor tanto valoriza. O desespero e a imprevisibilidade dão as caras em La Casa de Papel com muito mais intensidade nesta temporada, especialmente diante da motivação do personagem em unir novamente sua equipe a fim de garantir a segurança de Rio - por mais que saiba que todos os riscos reaparecerão em dobro agora. Como líder, Professor continua demonstrando sua onipresença na execução do plano, mas agora também o vemos na companhia de Lisboa (Itziar Ituño) e com a necessidade de lidar diretamente com seu passado.
A 3ª temporada de La Casa de Papel cede mais espaço para Nairobi (Alba Flores) brilhar com seu protagonismo marcante e que também apresenta uma das construções de personagem mais interessantes. Há muita força nos diálogos entre Berlim e Salvador/Professor, dois irmãos que se unem sobretudo na genialidade da composição de planos mirabolantes, e também na atenção a personagens como Helsinki (Darko Peric), que ganha traços comoventes. As relações entre os personagens remanescentes neste segundo roubo estão realmente mais próximas e humanas, fato este determinante para elevar a carga dramática em momentos pontuais, mas certeiros.
Independentemente de seguir a cartilha já conhecida de perseguição entre o lado do governo e o dos assaltantes sem entregar nenhuma mudança drástica, La Casa de Papel não se alonga tanto em alguns assuntos repetitivos para se dedicar a uma nova perspectiva de um plano que poderia ser exatamente igual ao anterior, mas acaba sendo algo completamente diferente. A graça da nova temporada se encontra na abordagem mais realista e brutal do que realmente pode acontecer em um roubo que não se resume apenas no ouro conquistado, mas se firma a partir das escolhas de quem está ao redor dele. Com uma season finale de ações e resultados chocantes, é certo dizer que os eventos da futura temporada não serão só mais um ato de resistência. Serão atos de defesa.