Nota: 3,5 / 5,0
Em 19 de abril de 1989, Trisha Meili, uma mulher de 28 anos, foi estuprada e violentada enquanto corria pelo Central Park, abandonada em um estado que a deixou em coma por 12 dias. Cinco garotos negros do Harlem pagaram por este crime, um dos casos mais noticiados da época, e permaneceram na prisão entre 6 e 13 anos, apesar de não o terem cometido. Esta é a história deles.
O caso dos Cinco de Central Park é o objeto de investigação da nova série dirigida, escrita e produzida por Ava DuVernay. A cineasta de Selma: Uma Luta pela Igualdade e A 13ª Emenda segue no tema das denúncias contra o sistema carcerário e o racismo, e coloca uma lente de aumento nesta história para tratar com uma identidade única um tema bastante universal.
A história parte dos pontos de vista de Antron McCray (Caleel Harris/Jovan Adepo), Yusef Salaam (Ethan Herisee/Chris Chalk), Korey Wise (Jharrel Jerome), Raymond Santana (Marquis Rodriguez/Freddy Miyares) e Kevin Richardson (Asante Blackk/Justin Cunningham), os cinco garotos com idades entre 14 e 16 anos que foram incriminados na investigação do ataque de Trisha Meili. A direção de DuVernay trabalha sempre em um contraponto: retrata com muita dor a perda da inocência infantil através dos olhos dos garotos, e os problemas na investigação, deliberadamente ignorados a favor de ser montado um caso perfeito contra eles.
Por isso, o roteiro não poupa o espectador de encarar de frente o desespero e a injustiça. Lágrimas, gritos sem esperança e socos contra mesas e paredes são enfatizados aqui com closes de câmera e pausas dramáticas, uma tática que é muito favorecida pelo talento dos jovens atores – Jharrel Jerome e Asante Blackk se destacam acima da média – e pela própria natureza do caso.
Esta queda pela dramaticidade, no entanto, é uma característica forte do cinema de Ava DuVernay, algo que deixa em bastante evidência o laço emocional da diretora com suas histórias, mas não deixa de ser um recurso cansativo. A clareza – ou falta de sutileza – parece ser nesta minissérie algo proposital, sobretudo quando levamos em consideração o uso de imagens reais do presidente Donald Trump pedindo na televisão, à época, que os cinco meninos levassem a pena de morte.
A decisão de usar imagens de arquivo de Trump, e não de refazer os anúncios com algum ator, é uma provocação, um ato de resistência que funciona estrategicamente também para sugerir a verossimilhança da minissérie.
Olhos que Condenam (ou When They See Us, no original), no entanto, não está interessada necessariamente nos pormenores do caso, na linha temporal dos acontecimentos na noite do crime, pois seu foco é a brutalidade policial e as consequências psicológicas deixadas nos acusados, levados por uma maré de acontecimentos sobre a qual não têm nenhum controle.
Por isso, cada um dos quatro episódios serve a um propósito bem definido. Eles são divididos em quatro grandes momentos desta história, cada um deles evidenciando sob um ângulo diferente como esses jovens foram roubados de qualquer autonomia, como o governo e a sociedade falharam com eles desde o primeiro momento. Existe um grande senso de reparação na série, uma determinação em fazer com que eles a experiência deles seja entendida.
Isso também significa que muitas cenas não são fáceis de serem assistidas. Depois que os garotos são capturados pela polícia na noite do crime e na manhã seguinte, são submetidos a uma série de interrogatórios – requeridos pela promotora Linda Fairstein (Felicity Huffman) – que duram horas e horas, utilizando a crueldade que for necessária, abusivos e feios. Crianças contra adultos são colocados nestes aquários, e o público é levado a encarar de frente como todos os elementos estudados pela série se unem neste microverso: o racismo é o principal instrumento em jogo para incriminar os cinco rapazes, e a brutalidade policial é o meio necessário para fazer com que a discriminação se camufle em algo “justificável”.
Olhos que Condenam é óbvia em seu objetivo – coloca Donald Trump como a representação do privilégio, ditando as conversas sobre o caso ainda que não tenha conhecimento algum sobre ele – de mostrar que essa história é pertinente até os dias de hoje porque continua se repetindo. Ela não deixa de executá-lo com muita força e clareza, e é uma série que causa grande impacto porque sabe onde dói. Ela não suaviza a história que está contando para o conforto de ninguém. Ajuda também o fato de ela dar o destaque merecido a Jerome, o ator que melhor absorve o papel.
Uma decisão que causa certo estranhamento é o fato de a série passar quase que com superficialidade pelo período de reclusão da maioria dos meninos, acompanhando apenas Wise, em um episódio doloroso e memorável. Quando o segundo grupo de atores assume as versões mais velhas dos cinco meninos, a história é esvaziada e o público não tem a chance de construir laços afetivos com eles. Aqueles que já serviram aos seus propósitos são deixados de lado e nunca os conhecemos de fato. Embora When They See Us torne a história dos Cinco de Central Park algo universal, deixa um pouco a desejar quando quer fazer o inverso.
Mas a série funciona bem como uma espécie de complemento ao documentário já citado da diretora, e seu recado está mais do que dado. É sábia na escolha de apontar o dedo a Trump, e a divisão bem estruturada serve para tornar cada hora um produto único e justificado. A grande carga dramática é sentida com força, mas também deixa ir embora a oportunidade de apresentar melhor os garotos a mundo em suas individualidades.