O começo do fim está próximo: Game of Thrones vai terminar.
Tudo o que envolve o seriado do canal HBO inspirado nos livros de George R.R. Martin é grandioso, barulhento e inédito, entre outros tantos predicados. "O mais ambicioso produto televisivo de todos os tempos" talvez seja a frase que melhor se aplica a essa altura do campeonato. Nunca gastou-se tanto tempo e dinheiro na produção de episódios. Nenhuma obra feita exclusivamente para a telinha alcançou tamanho nível de qualidade estética, com resultados mais impressionantes do que 90 por cento do que é assistido nos cinemas atualmente.
Fãs de todas as partes do mundo levantam essa bandeira já tem algum tempo. Os números de audiência aumentam a cada novo episódio desde a estreia, em 2011. A mídia especializada só fala sobre isso, e a não-especializada também, ainda que pegando o bonde andando. Mais do que um fenômeno cultural passageiro, GoT é a série de TV mais importante da atualidade, e muito provavelmente de todos os tempos. Eu pessoalmente concordo com isso. É difícil argumentar contra os fatos.
Após sete longas temporadas e 67 episódios, Game of Thrones alcança suas aguardadas sete horas e doze minutos finais, divididas em seis capítulos exibidos a cada noite de domingo a partir de 14 de abril. Tal desfecho chegará antes da conclusão da obra original, a qual o diligente e boa-praça Martin ainda sofre para finalizar. O público de televisão tem muito mais pressa do que os leitores de papel. Em ambos casos, o inverno demorou demais para chegar.
Quem estará sentado triunfante no Trono de Ferro em 19 de maio é a pergunta que não vai se calar ao longo da curta oitava temporada. Mas para mim, essa não é a questão mais importante que a série levantou ao longo dos anos. Há muito mais a se enxergar e sentir em Westeros do que apenas os dramas de poder e vingança de Starks, Lannisters, Targaryens e seus agregados.
Assim como não queria nada, Game of Thrones modificou o modo como consumimos ficção na televisão. Mais do que isso, a série alterou nossas expectativas sobre o tipo de conteúdo que costumamos apreciar no sofá de casa. Não que o combo "nudez-sexo-violência-escatologia no horário nobre" tenha sido uma criação de GoT. Mas é impressionante como a narrativa conseguiu subverter o que normalmente vemos em uma história tradicional, e como aderimos rápido a esse jogo, sem questionar muito. Matar o protagonista grotescamente logo na primeira temporada? Claro, por que não? Também passamos a torcer e ter crushes por malvados com lampejos de bondade, aplaudimos quando déspostas são humilhados ou assassinados, contemplamos chacinas, orgias e estupros enquanto comemos pipoca. E vida que segue.
É tudo isso, mas não apenas isso. Me parece que o segredo do sucesso também está na maneira criativa e ambiciosa de contar uma história tão complexa e para poucos. Definitivamente, Game of Thrones não é para qualquer fã de seriado. Trata-se de um drama político com ambientação medieval, calcado em mitos e folclores e pincelado com elementos assumidos de fantasia (lembre-se que os demoníacos white walkers aparecem em toda sua glória com meros dois minutos de programa!). São vários ingredientes de baixo apelo popular juntos, amarrados em uma trama com dezenas de personagens moralmente deploráveis, famílias de nomes complicados e localidades fictícias desoladas e sem charme. Westeros é uma terra desgraçada para se estar, mas desejamos ir para lá semanalmente mesmo assim.
Analisando friamente, o sucesso atual de Game of Thrones parece bem mais improvável do que aquele alcançado por Star Wars há 40 anos. E isso por si só é um grande mérito, visto que a concorrência que GoT enfrenta hoje na cultura pop é muito maior.
A propósito, comparar Game of Thrones a Star Wars é justo? Quem é fã das duas sagas sabe que sim.
Em um mundo real tão complicado como o que vivemos, os conflitos, a mistura de referências e a ousadia de Game of Thrones fazem sentido e tocam fundo. A cada temporada, tamanha ambição se transformou em realização, impressionando e angariando mais fãs e aficionados. Mas é bom lembrar que a série nem sempre causou arrebatamento e demorou a virar unanimidade. Descontado o apreço por nudez e violência, as duas primeiras temporadas pouco tinham de notável. Para muita gente foi difícil superar o (injusto) estigma de "história medieval é um porre". Conheço quem tentou e jamais conseguiu passar do episódio 1. Eu admito que revi o piloto algumas vezes antes de abraçar a causa pra valer.
Persistir valeu a pena. Episódio após episódio, Game of Thrones seguiu dando a entender que o melhor ainda estaria por vir, e isso jamais ficou na promessa. Algumas cenas de ação de sete anos atrás são consideradas visualmente datadas hoje, mas na época já impressionavam. Sinta o ritmo da "Batalha de Blackwater" do episódio 9 da segunda temporada (incrível por si só mesmo em 2012) e compare com a ação da "Batalha dos Bastardos" do penúltimo capítulo da temporada 6, de 2016. Meros quatro anos depois, a evolução é brutal. Será que estamos preparados para presenciar o épico confronto final da oitava temporada, já prometido como algo maravilhoso, absurdo, sem precedentes na história do audiovisual? É tudo o que esperei oito anos para ver.
Mas agora que o inverno chegou, será que é isso o que desejo mesmo?
A conclusão de Game of Thrones é necessária e ocorre no auge e momento ideal. É certo que o status pop alcançado jamais será comprometido, aconteça o que acontecer, morra quem morrer -- ou seja lá quem estiver sentado no troninho na cena final. Para mim, o gosto do desfecho é levemente agridoce. Não quero que a série acabe e a história se conclua, porque não poderei evitar a questão inevitável que sugeri alguns parágrafos atrás: como conseguirei apreciar outros produtos, após tantos anos vendo e vivendo algo tão grandioso como Game of Thrones?
Porque os padrões ficaram elevados demais e será difícil se contentar com menos. Quais opções restam? Não fazer mais comparações? Reduzir totalmente as expectativas? Parar de assistir TV?
Pensando bem, mais do que lamentar, é preciso celebrar os muitos méritos: Game of Thrones merece eternos aplausos por ter ido muito além de seu mero papel de produto de entretenimento. Em menos de uma década de presença na cultura pop, a série ousou em seus métodos, quebrou tabus, gerou discussões e mudou as regras do jogo em definitivo. Nada mal para um drama medieval político cheio de sangue, dragões e gente pelada...
Pablo Miyazawa é colunista do AdoroCinema e consome cultura pop desde que nasceu, há 40 anos, de Star Wars a Atari, de Turma da Mônica a Twin Peaks, de Batman a Pato Donald. Como jornalista, editou produtos de entretenimento como Rolling Stone, IGN Brasil, Herói, EGM e Nintendo World.