Postado despretensiosamente em junho de 2018, o episódio de abertura da websérie Queering já conta com mais de 800 mil visualizações e a diretora garante: "tudo na base do boca a boca". Apesar de falada totalmente em inglês, a série é criação da paulista Leticia de Bortoli e conseguiu quebrar as barreiras do idioma e conquistar fãs no país, que inclusive interagem contando suas histórias e colaboram na criação de legendas.
Depois de estudar cinema no Brasil e na Argentina, foi nos Estados Unidos que a também produtora e roteirista teve a oportunidade de tirar as coisas do papel. Queering conta a história de uma jovem lésbica às voltas com sua vida amorosa que acaba sendo surpreendida pela própria mãe, que se assume bissexual já num momento mais avançado da vida. Com um tom de dramédia, a trama fala de temas como empatia e embate entre gerações.
Atualmente, a série já conta com duas temporadas completas disponíveis gratuitamente no Youtube, além de ter obtido um bem-vindo reconhecimento no South by Southwest de 2019. Queering teve seu episódio inaugural exibido na mostra de pilotos, o que com certeza deve abrir mais oportunidades para a produção e sua criadora. "O festival é incrível para os filmmakers. Casualmente você encontra muita gente da indústria. É sempre: 'Uau, não acredito que estou falando com essa pessoa sobre o meu projeto'", comemorou Leticia.
Abaixo você confere o primeiro episódio da série e também a entrevista exclusiva do AdoroCinema com a diretora e criadora Leticia de Bortoli:
De onde surgiu a ideia da série? A protagonista é uma jovem que espera viver a vida sem julgamentos, mas ao ver a mãe, ela acaba sendo a primeira a julgar.
Em “Queering” tudo nasceu do meu relacionamento com a minha mãe. Essa ideia de trocar os papéis nessa parte de “sair do armário” foi um jeito que eu tive de tentar ter empatia com o outro lado. Eu sou uma mulher lésbica e quando eu “saí do armário” para a minha mãe não foi: “Que maravilha, vamos fazer uma festa”. Tivemos vários problemas de relacionamento e é o que geralmente acontece. Aí eu pensei: “Nossa, se a minha mãe fosse 'sair do armário' para mim, por mais que eu ache que eu sou diferentona e moderna, acho que eu ia precisar parar um minuto". Isso me ajudou a pensar pelo outro lado, a aceitar que talvez algumas pessoas precisem desse tempo para evoluir o relacionamento depois disso.
Por que é tão importante ter uma série como Queering com fácil acesso? Você chegou a receber contato de alguém que se sentiu tocado?
Eu quis fazer as coisas que eu gostaria de assistir e não vejo. Mas depois que a gente colocou os episódios online e que eu recebi várias mensagens e vi como as pessoas recebiam a série, virou uma coisa muito maior. É bom ocupar espaços e mostrar para as pessoas que nós existimos também. Recebi mensagens de várias mulheres que descobriram a sexualidade mais tarde, com 40, 50... Elas se identificaram muito e é diferente de quando você se descobre mais jovem, que é a idade que você vai curtir, namorar, conhecer gente. Principalmente do Brasil, eu recebi muitas mensagens de pessoas que têm dificuldade de aceitação da família, então você acaba se sentindo menos sozinho quando assiste à história e vê alguém que vive uma vida semelhante a sua de algum jeito.
O Youtube está lançando agora várias séries para os assinantes do Premium, inclusive com gente famosa, diretores, elenco... A plataforma dá algum tipo de suporte para webséries independentes como a sua? Como vocês financiam?
Eu não esperava suporte nenhum, coloquei no Youtube e não prestei muita atenção, mas como a série foi crescendo rapidamente, eles oferecem bastante coisa que eu acho que ajuda. Conseguimos usar o Youtube Spaces em para fazer conteúdo de suporte, entrevista com as atrizes e dá para economizar aí, mas não interfere muito na produção porque usamos locações reais. A primeira temporada foram cinco episódios self funding [risos]. Na segunda temporada a gente já fez crowdfunding. Conseguimos metade do orçamento e a outra metade eu entrei um pouco mais em dívidas... É difícil.
Várias webséries surgiram e acabaram não necessariamente crescendo como websérie, mas levaram seus criadores para alçar outros vôos maiores. Você levaria Queering para outro lugar? Como está isso?
Eu pretendo continuar mantendo o canal no Youtube agora que eu ganhei essa audiência que quer assistir ao conteúdo, que é uma das maiores batalhas de um filmmaker. O “Queering” é uma prova de conceito da história: seriam episódios de vinte e dois a trinta minutos, mas ao invés de fazer só o piloto, a gente foi meio ambicioso e resolveu fazer o que seria uma temporada maior. Eu coloquei no Youtube para testar a reação da audiência e adoraria fazer o original mais longo para TV ou streaming. Estando no SXSW muitas portas se abrem porque começam as conversas!
Você planeja dirigir alguma coisa no Brasil, voltar?
Sim, eu quero muito gravar alguma coisa no Brasil! Eu tenho um projeto, um roteiro que eu estou desenvolvendo já faz alguns meses. O plano inicial era gravar ano que vem para ter tempo de levantar o budget, mas quero gravar o mais rápido possível. Tem vários programas nos Estados Unidos que dão suporte para coprodução com países da América Latina, então espero que no semestre que vem!