Nota: 3,0 / 5,0
Jovens e adultos desajustados, um desejo de fazer a diferença e uma linha tênue que separa o que é bom do que é ruim costumam ser naturais pontos de origem para histórias de heróis. Não seria diferente com The Umbrella Academy: uma receita que dá certo não precisa ser colocada à prova, por mais que se repita. Ainda assim, a nova adaptação da Netflix consegue trazer um frescor muito bem-vindo para o gênero — quando consegue se desligar da preocupação e abraçar seu lado mais insano.
Adaptada da história escrita por Gerard Way e desenhada por Gabriel Bá, The Umbrella Academy tem início quando 43 mulheres ao redor do mundo dão à luz ao mesmo tempo, sem terem apresentado qualquer sinal de que estavam grávidas até então. Um excêntrico milionário, Reginald Hargreeves (Colm Feore), decide adotar sete destas crianças especiais, cada uma dotada de um poder, e assim está formada a Umbrella Academy.
Anos depois, já adultos e cada um cuidando da sua vida, os filhos — cada um inicialmente batizado apenas com um número — retornam à mansão onde foram criados para o funeral do pai, que morreu misteriosamente. Ou, pelo menos, os que restaram: Luther, o Número Um (Tom Hopper); Diego, o Número Dois (David Castañeda); Allison, Número Três (Emmy Raver-Lampman); Klaus, Número Quatro (Robert Sheehan) e Vanya, Número Sete (Ellen Page). Número Cinco (Aidan Gallagher), que havia desaparecido na infância graças à sua capacidade de se locomover através do tempo, retorna do futuro como um homem de 58 anos preso no corpo de um jovem de 13, com uma mensagem e uma missão: o mundo vai acabar e eles têm oito dias para impedir o apocalipse.
A série faz um remix das duas primeiras minisséries da HQ vencedora do Prêmio Eisner, “Suíte do Apocalipse” e “Dallas”. Por isso, ao mesmo tempo em que precisam descobrir o que causa o fim do mundo — e como revertê-lo —, os irmãos são desafiados pela presença assassina de Hazel (Cameron Britton) e Cha Cha (Mary J. Blige), que vêm a Terra na tentativa de capturar e eliminar Cinco, que fugiu de seu trabalho para voltar e avisar sobre o iminente fim.
A primeira coisa que chama a atenção em The Umbrella Academy, do ponto de vista positivo, é o visual inegavelmente deslumbrante. Há traços evidentes que se inspiram nos anos 1920 ou 30, sobretudo na arquitetura. A contraposição de luz baixa com cenários espaçosos na mansão Hargreeves transmite a ideia de um lugar pouco vivido, apesar de ter sido a casa de sete crianças. O pouco uso de cores, justificado pelo clima enlutado pela morte de Reginald, serve para deixar mais evidente que o passado foi traumatizante. Nada disso é exatamente inédito, mas para aqueles que conhecem os quadrinhos, o reconhecimento é imediato. A inspiração nos traços de Bá é clara, desde a concepção dos cenários ao vestuário e à postura dos Hargreeves.
Quanto à história, ela vai se distanciando aos poucos dos pontos fixos dos quadrinhos. As pequenas alterações que são feitas no início geram outras ao longo da temporada, no velho fenômeno do efeito borboleta. No entanto, grande parte das modificações soam mais como complementos do que como rupturas: enquanto o motivo da morte de Reginald não tem tanta atenção nos quadrinhos, aqui é investigado; a relação de Diego com a mãe é um ponto hiper sensível e tocante. A ideia de uma expansão demonstra entendimento e apreço pelo material de origem.
No entanto, a série ganha vida com dois aspectos: o primeiro são dois personagens extremamente bem caracterizados. Aidan Gallagher é incrível como Número Cinco, é sarcástico e te faz realmente acreditar que naquele corpo habita um cinquentenário. Já Robert Sheehan, ainda que tenha uma atuação por vezes demasiadamente afetada, é de longe o que mais causa empatia. Apostar na dupla formada por Klaus e Cinco é uma vitória certa.
O segundo ponto são as sequências insanamente divertidas. Da cena de luta na Griddy’s Doughnuts embalada por “Istambul (Not Constantinople)” à dança de Luther e Allison — uma das poucas passagens em que o grandalhão não é a pessoa mais irritante da existência, diga-se de passagem — , The Umbrella Academy consegue em seus melhores momentos ser alucinada e nonsense, a pura representação do ritmo veloz e libertário dos quadrinhos. Nas suas grandes passagens, a série assume de coração aberto que não precisa ser necessariamente calcada na realidade ou justificar os seus atos para que seja divertida ou original. Aliás, a ideia é justamente o contrário: quanto mais ela mescla elementos e quanto mais deixa os exageros tomarem conta, melhor fica.
Mas apesar da embalagem lustrosa e da apresentação divertida, os bons momentos não são suficientes para disfarçar o maior problema de The Umbrella Academy: a síndrome de dez episódios que tentam ser um filme de dez horas.
É natural que a série precise alongar e modificar certos arcos tendo em vista que não apenas a história mescla duas HQs como ambas são extremamente velozes. Mas quanto mais ela destrincha e esmiúça o arco narrativo do apocalipse, mais deixa de lado a premissa de que cada episódio precisa funcionar e ter um início, meio e fim. Em sua preocupação exagerada em conduzir o espectador até o fim, não aproveita ótimos ganchos para histórias potencialmente deliciosas. Ela passa rapidamente por coisas incríveis, como Klaus no Vietnã e a própria rotina solitária de Cinco. Enquanto isso, Ellen Page passa 80% da temporada completamente desperdiçada, uma personagem tão obviamente sem vida que fica muito claro que ela será de grande importância no fim da história.
The Umbrella Academy teria muito mais gás se tivesse três ou quatro episódios a menos, e se desenvolvesse o arco de evolutivo de Vanya com menos obviedade. Nos momentos que é incrível, é fantástica. Mas nessa insistência dos 10 episódios, acaba se repetindo demais e explicando coisas que seriam mais divertidas se Cinco não precisasse detalhar duas ou três vezes o porquê de acontecerem. É como se o roteiro adaptado por Jeremy Slater (O Exorcista, Quarteto Fantástico) se esquecesse da diversão, porque quando se preocupa demais com o romance entre Allison e Luther, por exemplo, ou em tentar convencer o público que Leonard (John Magaro) não é o vilão (ainda que seja óbvio que suas intenções não são das melhores), torna-se apenas um programa genérico no mesmo descompasso problemático das séries de heróis da Marvel/Netflix, agora todas canceladas.
Com tudo isso, é importante destacar que os episódios finais de The Umbrella Academy acabam sendo recompensadores, pois recobram o ritmo e fazem a jornada valer a pena — no entanto, fazem o público desejar que tivessem chegado com um pouco de antecedência. É um drama familiar embalado em uma história deliberadamente confusa de heróis, cujos personagens são (em sua maioria) extremamente bem construídos. Cada um mostra a que veio e, quando a série lembra que escalou Ellen Page, sai do chão. O que faltou foi mergulhar mais de cabeça no mundo anacrônico em que existe e se divertir no caminho.