O desejo dos fãs de Harry Potter descobrirem mais sobre a história dos Marotos, grupo formado por Tiago Potter (também conhecido como pai do bruxinho que sobreviveu), Sirius Black, Remo Lupin e Pedro Pettigrew, acaba de se tornar realidade. Calma, J.K. Rowling (ainda) não anunciou uma nova obra ou filme que contará essa trama. Mas quem disse que tem que vir da autora para acontecer?
A websérie brasileira Marotos: Uma História, um projeto audiovisual independente e sem fins lucrativos, foi idealizada pela jovem diretora Nathalia Bottino, que escreveu o roteiro ao lado de Flora Martins e Luciana Carvalho. A ideia surgiu quando as três tinham filmado um curta-metragem e resolveram comemorar em uma cafeteria ao lado do Cine Odeon, no Rio de Janeiro. Foi Nathan Leitão, que atuou como produtor executivo e interpretou Frank Longbottom, que sugeriu que a trama se tornasse uma websérie.
O AdoroCinema esteve na pré-estreia do episódio piloto e conversou com exclusividade com Nathalia Bottino, Flora Martins, Luciana Carvalho e a assistente de direção e diretora artística da produção Thainá Gomes. Curiosamente, o evento aconteceu justamente no cinema ao lado de onde tudo começou.
A principal questão na hora de fazer uma história baseado em algo que já existe são os direitos autorais. Segundo Flora Martins, eles tem que seguir uma série de regras da Warner Bros. para produzir conteúdos de Harry Potter. "Não podemos lucrar com isso, não podemos colocar animais, não podemos usar financiamento coletivo, então estamos nos mantendo dentro da linha para não ter problemas", afirmou a roteirista.
O roteiro
"Começamos a escrever o roteiro da websérie em setembro de 2017 até março de 2018, ou seja, foi muito tempo", explicou a diretora Nathalia Bottino sobre o surgimento do projeto. "Começou meio solto", disse Flora Martins, explicando que elas escreveram cerca de 300 cenas independentes.
"Fizemos um recorte temporal, que queríamos que fosse no último ano de Hogwarts até a formatura, na primeira temporada, e para pegar mais a Guerra Bruxa. Não queríamos eles crianças, crescendo e tudo o mais. Pegamos o último ano para podermos usar os mesmos atores até o final da série", completou Bottino. "Relemos os livros, revimos os filmes, pesquisamos para acertar cada detalhezinho, para não ter nenhum furo. Vocês sabem que fãs de Harry Potter são bem... chatos! Não é verdade?", disse, rindo. "Tudo o que já tinha de fato escrito pela J.K. Rowling, colocamos; o que não tinha, tivemos a liberdade criativa de fazer."
"Foi basicamente pegar o que a J.K. Rowling já tinha pronto e preencher as lacunas", explicou a roteirista Luciana Carvalho. "Mas o mais legal pra mim foi dar vida aos personagens... Os próprios Marotos não são o que você esperaria de um herói. Então, tivemos que pegar esses personagens e transformar em pessoas que você gostaria de assistir. Não os retardados do colégio", brincou.
O mais interessante da websérie é que, enquanto os protagonistas são masculinos, as roteiristas são mulheres. Para "Foi difícil", admitiu Flora Martins. "Sentamos um dia inteiro nós três para discutir o homem hétero e pensar em referências. Para o Tiago, uma das primeiras referências foi o Johnny Bravo, que não sabe ouvir não, é chato a beça. Meu ex é referência do Sirius", disse, rindo, "e tem coisas que os meninos falam que eu fico 'cala a boca'. E fui eu que escrevi isso."
"Os nossos atores também são muito parecidos com os personagens. Irritantemente parecidos", disse Luciana Carvalho. "Mas amo todos, só para deixar registrado", completou. "Muita coisa pegamos deles, entregamos o roteiro e falamos para eles criarem."
"Eles improvisaram cenas", disse Thainá Gomes. "Foi muito legal porque eles criaram uma dinâmica entre si. Os atores ficaram muito amigos, e quando a gente sai todo mundo junto, eles se tratam como Almofadinhas, Pontas, Aluado, Rabicho", disse sobre os apelidos usados pelos Marotos na história. "E isso foi parar nas telas."
Mundo bruxo brasileiro
Apesar de ser ambientada em Hogwarts, a série foi gravada no Brasil. Por conta disso, as roteiristas assumiram o desafio de fazer uma versão brasileira da produção.
Assumimos a brasilidade de algumas coisas porque a história se passa na Inglaterra nos anos 1970, mas a gente está no Brasil, sabe?", afirmiu Bottino. "Não temos uma locação gótica. Vamos ter no máximo um neocolonial, o português. Tivemos que adaptar essas coisas e uma vez que estamos adaptando, pensamos 'por que estamos fazendo isso'? Então, quando a J.K. está falando de Segunda Guerra Mundial, nós falamos de Ditadura Militar", complementou Martins.
"Temos os alunos se posicionando quanto a isso. Na Ditadura Militar, os jovens se posicionaram contra. A época em que os Marotos se passa, eles também estão lutando contra as injustiças, preconceito e a guerra que está acontecendo", disse Bottino. "Então, em relação a assumir a brasilidade, são algumas coisas na trilha sonora, alguns atores são mais morenos, são negros..."
"Nós trouxemos brasilidade para o nosso elenco também. Mudamos alguns personagens que eram brancos, colocamos negros... Tomamos essa liberdade. É uma coisa brasileira. Assumimos o projeto no Brasil. E o Brasil não é de uma cor só, Brasil é uma mistura. Brasil não é Europa. Então quisemos trazer isso para o nosso elenco também", revelou Thainá Gomes, ao que Martins completou: "Se a J.K. Rowling não especificou a cor da pele, nós tomamos essa liberdade".
As locações
Além da escolha dos atores, as criadoras tiveram que escolher locações que tivessem alguma conexão com o mundo bruxo idealizado por J.K. Rowling. Entre elas, o Jockey Club Brasileiro e o colégio o Santa Marcelina, ambos no Rio de Janeiro. "Tentamos pegar locações que fossem ter alguma semelhança com Hogwarts. É muito difícil. Hogwarts é um castelo de pedra, gótico, não tem isso aqui. Então tivemos que caçar, fazer uma pesquisa extensa", disse Bottino, exaltando que tudo aconteceu graças a parcerias. "Tivemos muitos gastos, mas custo com locação não tivemos."
"Tivemos várias parcerias, as pessoas estavam abertas para ajudar", explicou Gomes. "É complicado no Brasil fazer um audiovisual de fantasia e você vê que as pessoas estavam abertas para essa possibilidade, estavam querendo ajudar. Para mim, foi um dos saldos mais positivos que tivemos do projeto."
"Com certeza porque é um projeto independente, os atores, a equipe, todo mundo entrou com o coração", completou Bottino. "Foi no amor mesmo, na parceria, e deixamos isso claro desde o início porque é um projeto independente, sem fins lucrativos, e ninguém ia receber nada."
Escolha do elenco
Foi justamente uma surpresa para elas que, quando lançaram o teste de elenco, receberam mais de 70 emails no tempo em que se assiste a um filme no cinema. "Ao todo, foram 300 emails que recebemos que todos os lugares do país. Foi aí que começamos a ver a proporção que isso estava tomando. Achamos que ia ser muito pouca gente, não esperávamos. Fizemos cinco dias de teste de elenco. O primeiro choque de realidade foi ali."
A escolha do elenco, inclusive, foi um processo divertido, segundo Thainá Gomes. "Entrava um ator e ele recebia um determinado monólogo de certo personagem. Aí depois do teste, a gente falava 'nossa, esse cara é o outro personagem!'. Enquanto tiveram atores que saíram da nossa sala e falamos 'esse já é perfeito para aquele ator'". Foi o caso de João Pedro Novaes, intérprete de Tiago Potter, que conseguiu o papel na hora, revelou Flora Martins.
Desafios
Quando perguntadas sobre qual é o maior desafio da produção, todas elas disseram, em uníssono, "Dinheiro". "Fazer cinema independente no Brasil de uma história que é de magia, bruxaria, tem efeitos, se passa nos anos 70, e com que dinheiro? Não tem", admitiu Nathalia Bottino. "O orçamento saiu do nosso bolso, porque tivemos que abrir mão do Catarse, ma das regras da Warner é que não pode ter financiamento coletivo. Então tivemos que só aceitar doações, só que aí são quase nada. A gente gastou bastante dinheiro."
"Ainda teve o problema de que fomos assaltados no meio da produção, roubaram 95% do nosso material", lembrou Thainá Gomes, de que perderam material de luz, câmera, que somavam ao total 25 mil reais. Apesar das dificuldades, elas admitiram sentir orgulho e conquista de terem conseguido entregar um bom resultado.
Sabemos que temos muito o que melhorar ainda, não temos condições, não temos os melhores equipamentos de luz, de som, a gente tem que melhorar muito, só que na situação que estávamos, no contexto, tudo pelo o que passamos, é muito vitória estarmos aqui hoje. Especialmente do lado onde tudo começou. É especialmente emotivo", comentou Nathalia, com lágrimas nos olhos.
"São oito episódios na 1ª temporada mas faltam mais sete", disse Bottino, explicando que somente o primeiro capítulo está pronto. "O piloto é para a gente vender a imagem da série para conseguirmos patrocínio, coprodução, equipamento, e que os fãs doem através do Paypal."
E a J.K. Rowling?
Sonhadoras, elas admitiram que esperam que Marotos: Uma História chegue até os ouvidos de J.K. Rowling, como aconteceu com o filme independente Voldemort: Origins of the Heir, que recebeu autorização oficial da Warner para acontecer e foi divulgado pela autora de Harry Potter. "Pelo amor de Deus, sim. Ainda estou na esperança de ela aparecer aqui hoje", brincou Flora.
"É porque a J.K. Rowling é muito aberta com relação a isso. Eles são bem receptivos", disse Luciana, "Já tem Animais Fantásticos que vai ser no Brasil, então vai que", deixando a ideia no ar, ao que Nathalia afirmou: "Seria meu sonho?!"
O primeiro episódio de Marotos: Uma História já está disponível no YouTube. Leia as primeiras impressões do AdoroCinema.