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    O que você tem a ganhar com a briga de audiência da Netflix com o mundo (Análise)

    A guerra do "ibope".

    Tornou-se comum nos últimos meses a circulação de notícias do tipo “Netflix revela números de audiência de VocêElite e Sex Education”, apesar de a gigante do streaming ser historicamente contrária a divulgar dados de audiência. Os números, quaisquer que sejam, impressionam: a Netflix tem feito, comprado ou exportado sensação atrás de sensação. Isso segundo ela mesma. Mas a mudança de postura do canal gera dúvidas: por que, agora, compartilhar tais dados? E, acima disso, o quão confiáveis eles são?

    Em janeiro deste ano, a Netflix divulgou que as três citadas acima eram sensações estabelecidas. A primeira, protagonizada por Penn Badgley, teria atingido 40 milhões de espectadores no primeiro mês, e a previsão era de que a segunda atingisse os mesmos patamares. Por fim, a sensação espanhola teria atingido, na mesma janela, 20 milhões de visualizações.

    O detalhe que faz toda diferença é o parâmetro usado para chegar até os números. Conforme relatório divulgado aos investidores em janeiro, tal previsão leva em conta todos os perfis que assistiram a pelo menos 70% do primeiro episódio, globalmente. Isso acaba sendo contraditório com os parâmetros de medição do Nielsen, que analisa a audiência da temporada inteira e pensa a sua manutenção ao longo dos episódios. Quando a Netflix divulga apenas o número relativo ao primeiro episódio, é fácil concluir que há grandes possibilidades de a quantidade de espectadores ter diminuído nos próximos. É o que acontece normalmente.

    Ainda assim, é fácil concluir que Você, por exemplo, foi de fato um fenômeno. A primeira temporada nasceu como uma original do Lifetime, e foi tão mal que a emissora pulou fora da distribuição, e o drama se tornou oficialmente da Netflix. Quando ganhou o streaming, transformou-se no assunto do momento. Aqui mesmo, no Brasil, a série estourou.

    O problema é que com os dados oficiais de audiência da série, é impossível fazer uma comparação com outras produções de repercussão tão grande ou maior. Isso porque, enquanto de Game of Thrones temos dados concretos de quantas pessoas assistiram do primeiro ao último episódio, em determinadas janelas de 24h ou entre 3 e 7 dias, das séries da Netflix sabemos apenas quantas pessoas assistiram à maior parte do primeiro episódio. Como isso pode ser uma comparação honesta? Não é.

    Por exemplo: o episódio final da 7ª temporada do fenômeno da HBO teve 16,5 milhões de espectadores nos EUA apenas nas duas primeiras exibições somadas às visualizações no streaming na mesma noite de estreia. A média da sétima temporada total foi de 31 milhões de espectadores por episódio.

    Comparados assim, a impressão é que Você e Sex Education são fenômenos maiores que Game of Thrones, mas o detalhe é que, enquanto os 40 milhões da Netflix são globais, os 30 milhões da HBO são apenas da terrinha do Tio Sam.

    A solução parece ter sido apresentada pelo presidente do FX, John Landgraf, que há anos trava uma batalha (divertida, para nerds da TV) contra a Netflix. O CEO é uma das vozes mais expoentes questionando a influência da gigante do streaming na comunidade criativa e no tratamento de programação.

    Em painel para jornalistas no início de fevereiro, Landgraf acusou a Netflix de estar “criando uma falsa impressão a respeito de como o seu quadro de originais está performando com os assinantes.” Ele aponta que a Netflix “não segue métricas de audiência da TV universalmente aceitas, e representa mal o tamanho de seu sucesso para a mídia.”

    Casualmente apelidado pela imprensa americana de Prefeito da TV, Landgraf apontou que ao invés dos 40 milhões divulgados para Você e Sex Education, os números mais próximos da realidade de ambas as séries deveriam ser, respectivamente, 8 e 3 milhões — que foram os coletados pelo Nielsen relativos às audiências nos Estados Unidos.

    “A Netflix cria um mito de que a maioria das séries de sua plataforma estão funcionando e que ela entrega mais hits que outras emissoras”, argumentou Landgraf. “Stranger Things é definitivamente um sucesso, mas é uma grande exceção.”

    “Simplesmente não é bom para a sociedade quando uma entidade ou uma pessoa faz as regras de forma unilateral, ou prenuncia a verdade”, justificou, completando com um alerta: “A atitude do Vale do Silício me incomoda.” Para ele, o monopólio que grandes magnatas da tecnologia têm sobre buscas e mídias sociais é perigoso, uma vez que tais companhias frequentemente usam vídeos que inflam suas próprias percepções dos lucros ao invés de darem um parecer honesto de suas performances.

    É justo que Landgraf questione os supostos 40 milhões de audiência de Você e Sex Education, ainda mais levando em consideração a diferença tão grande em relação aos dados do Nielsen. Porém, como recorda a Vulture, o que o Nielsen coleta da Netflix diz respeito apenas aos acessos feitos pelas SmarTVs, descartando notebooks e smartphones. Mas antes de você concluir que todos estes dados são incorretos, vale lembrar que o Nielsen corroborou os ditos 26 milhões de audiência do longa Bird Box, de Sandra Bullock.

    Ou seja… o que significa tudo isso?

    Toda essa exposição de dados é para afirmar que, embora os números de audiência da Netflix sejam questionáveis — e são —, eles não existem à toa. A mudança de postura em relação a dados de acesso vem junto ao perigo de uma concorrência certeira dobrando a esquina:

    Não apenas o Disney+ está vindo aí, como a Warner Bros. e a NBC Universal estão planejando o lançamento de seus próprios canais. A longo prazo, isso pode levar a Netflix a perder os direitos de streaming de clássicos que são carros-chefe. Leia-se: Friends, Grey’s Anatomy, etc. Então, pode até ser que as séries originais da Netflix não sejam os maiores atratores de audiência do canal, mas é necessário fazer com que sejam.

    E como fazer isso, você me pergunta? A receita é velha e eficiente. Foi em agosto de 2017 que Shonda Rhimes surpreendeu a indústria televisiva e trocou a ABC, da Disney, pela Netflix. Depois dela foram outros: Kenya BarrisChanning Dungey e até Ryan Murphy, que aceitou deixar o FX logo após a fusão entre Disney e Fox ser anunciada.

    Atualmente, o que existe entre a Disney e a Netflix é uma disputa silenciosa para mostrar quem tem mais talentos, quem manda mais, quem cria mais hits. E ainda que o Disney+ esteja por enquanto só no papel, a companhia que mudou a forma como se consome entretenimento na Internet preferiu, sabiamente, se resguardar.

    Ao público, resta aproveitar: o lado bom de tanta gente brigando pela sua atenção é que todos eles são obrigados a no mínimo tentar entregar conteúdos de qualidade.

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