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    One Day at a Time: Crítica da 3ª temporada

    Menos sólida que a temporada anterior, comédia da Netflix continua brilhando e tratando temas sérios com leveza e inteligência.

     Nota: 4;0 / 5,0

    Durante duas temporadas, One Day at a Time conquistou corações balanceando com cuidado uma equação rara na TV. Ao mesmo tempo em que se ancora em piadas abertamente inocentes e simples, a série equilibra arcos narrativos sérios como ansiedade, imigração e homofobia. Na terceira temporada, a comédia continua apostando na mesma fórmula bem-sucedida, mas perde força com momentos cômicos que nem sempre funcionam e uma contraparte dramática que não surte o efeito desejado a longo-prazo.

    Após todo o peso da excelente segunda temporada, é entendível que a terceira queira ser mais leve. Afinal de contas, a família Alvarez passou por momentos intensos nos últimos dois anos, de Elena (Isabella Gomez) saindo do armário e sendo rejeitada pelo pai ao derrame de Lydia (Rita Moreno), passando pelos cuidados com a saúde mental de Penélope (Justina Machado). Desta vez, temos mais destaque do que em anos anteriores aos “agregados” — Dr. Berkowitz (Stephen Tobolowsky), Schneider (Todd Grinnell) e Syd (Sheridan Pierce) —, e somos confrontados pelo claro amadurecimento de Elena e Alex (Marcel Ruiz).

    A temporada abre com a família precisando lidar com o falecimento de uma tia, que reúne grande parte dos Alvarez, inclusive a irmã mais nova de Lydia, com a qual ela não tem muito contato. O episódio marcado pelas participações especiais de Gloria EstefanStephanie BeatrizMelissa Fumero faz um grande trabalho de escancarar as diferenças filosóficas dentro de uma mesma família, e acaba ressoando de forma particularmente pungente com o público brasileiro, dado o cenário político divisivo atual.

    A partir disso, lidamos com uma série de quebra de parâmetros, visto que a temporada se calca em um grande pilar: a nova fase do amadurecimento dos adolescentes, com seus relacionamentos e descobertas. Elena abre uma nova etapa do relacionamento com Syd, as duas têm a primeira briga baseada em ideias diferentes, Penélope descobre que Alex está fumando maconha, e estes momentos abrem espaço para que a confiança entre mãe e filhos seja testada.

    A relação continua sendo espelhada na própria dinâmica entre Lupe e Lydia, algo que é sempre interessante porque deixa claro o quanto a diferença entre gerações é bem estudada e refletida entre o time de roteiristas. Mas de forma geral, todas as histórias da temporada acabam tendo vida curta. O debate a respeito do uso de drogas — incluindo álcool e medicamentos — não é muito aprofundado e acaba perdendo fôlego antes de ser retomado com a recaída de Schneider, que também é tratada de forma brusca e óbvia. Quando as menções aos seus 8 anos de abstinência tornam-se repetitivas, é fácil concluir que algo não acabará bem.

    Tudo isso é desenvolvido junto a uma passagem de tempo, sentida por algumas marcas que não são exatamente significantes para todo o resto — como o teste de direção de Elena, o tempo do castigo de Alex, a aproximação da prova de Penélope e as conquistas de Lydia com sua “bouquet list.” Mas essa passagem casa com o quanto a temporada é menos interessada puramente em traumas, e quer mais estudar como uma família é capaz de superá-los e seguir em frente, problema após problema, sempre unida.

    A abordagem veloz de tópicos como a masculinidade tóxica, o despertar sexual de Elena e o aumento das crises de ansiedade de Penélope se contrapõe à construção lenta que ficou estabelecida nas temporadas anteriores, tornando o terceiro ano da série possivelmente menos sólido. Mas, se por um lado, isso pode ser frustrante para quem se acostumou à excelência da trama assinada por Gloria Calderon Kellet e Mike Royce, deixa ótimos ganchos para uma possível — e bem-vinda — renovação.

    Por mais que a terceira temporada seja a mais fraca até então, é inegável o quanto One Day at a Time continua sendo um raro ponto de aconchego na televisão. A comédia conhece os seus personagens em mínimos detalhes, e consegue aproveitar todos de maneira equilibrada, justamente por não se prender a um deles especificamente. É uma série que se desafia a todo momento, tratando assuntos provocadores e fazendo perguntas genuínas que não se propõe a responder, apenas a deixar no ar: qual a “responsabilidade” da mulher na desconstrução do machismo entre os homens? É possível proteger os filhos do mundo? Algum dia você vai conseguir ter uma relação equilibrada com seus pais?

    É genuíno o quanto a temporada se dedica a mostrar as falhas e as reparações de Alex, ainda mais porque este era um personagem que facilmente poderia ser escanteado, uma vez que está cercado de personagens femininas tão fortes. E também é muito nobre a reparação no que acontece entre Elena e seu pai, Victor (James Martinez). No fim das contas, One Day at a Time continua sendo uma comédia do tipo em extinção, que abraça o seu espectador e mostra, nas pequenas coisas, que os momentos ruins podem ser derrotados. A série transmite uma energia mais do que necessária para se acreditar que há algo de bom no fim do túnel. E quem não precisa disso?

     

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