Era uma história que despertava o interesse de todo mundo. Menino conhece menina. Menina conhece menino. Menino se casa com menina. Menina corta o pênis do menino.
Em 1993, Lorena Bobbitt se tornou o centro das atenções da mídia após mutilar o membro do marido, John Wayne Bobbitt. O chocante conteúdo de tal história foi foco de muitos debates. E piadinhas, é claro. Agora, chegou a vez do produtor Jordan Peele (Corra!) contá-la para um novo público, a partir da série documental Lorena — cujo primeiro episódio já foi visto pelo AdoroCinema.
Se o caráter gráfico do caso é o que ficou marcado na memória popular, existe algo ali muito mais importante. Na realidade, o conflito do ex-casal Bobbit é uma consequência do sexismo presente na sociedade. E é ao tocar nesse tema que a série brilha. Sem tempo a perder, o primeiro episódio já faz questão de contextualizar uma década de 90 com diversas derrotas sofridas por mulheres vítimas de abuso. Basta lembrar de Anita Hill, por exemplo. A opinião feminina era sempre oprimida pela voz masculina e, ao perceber que isso não mudou tanto nos dias atuais, a obra demonstra a importância de recontar essa história, quase 25 anos depois.
O grande destaque no trabalho do diretor Joshua Rofé é retratar a polarização da opinião pública (algo presente até em parte dos especialistas entrevistados). As reações imediatas dos homens eram apoiar John e chamar Lorena de louca. Já as mulheres questionavam qual atrocidade a levou para tal ponto. Quando a esposa revela que era estuprada e agredida pelo marido, traz a tona uma difícil realidade. Só que tudo se torna ofuscado pelo sensacionalismo dos tabloides, obcecados em encontrar o "detalhe" mais chocante da história, ao invés de promover um debate que incomoda.
Lorena (a série) encontra um trunfo ao destacar a opressão da voz de sua protagonista jogada no meio de um furacão — sofrendo com uma mídia populista, leis antiquadas e uma hipocrisia moralista. O primeiro episódio foca nas reações iniciais e a visão obcecada da imprensa, então fica o desejo para que essa crítica social não perca espaço para os aspectos curiosos da história nos próximos capítulos. Afinal, quem já ouviu falar nos Bobbitts, sabe que um pênis jogado pela janela do carro é só o começo...
É normal que documentários tenham depoimentos daqueles envolvidos em determinado caso, mas não é todo dia que ambos os lados da polêmica aceitam desabafar para as câmeras. Jofe se esforça numa distribuição igualitária de fala entre Lorena e John, mas todas as entrevistas apenas recontam o que aconteceu, sem aprofundar o assunto, até agora. Já sua estética parece não saber qual caminho seguir. Imagens de arquivo e as (muitas) participações do casal na televisão são apresentadas de forma decente, mas o problema surge com as desnecessárias reconstituições — que não acrescentam nada relevante para a série, além de aproximá-la daqueles telefilmes documentais exagerados de TV a cabo.
Como esperado, o primeiro episódio de Lorena se apoia nos constrangimentos iniciais, mas começa uma crítica interessante sobre o sexismo, explicando como o caso Bobbitt representa uma batalha dos sexos pela busca de justiça. A esperança é que tal debate seja aprofundado nos outros três capítulos, ao invés de cometer os mesmos erros de uma mídia sensacionalista, que falhou em contar a história real de Lorena.
Lorena estreia na Amazon Prime Video em 15 de fevereiro.