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    Unbreakable Kimmy Schmidt: Crítica da 4ª temporada

    Mesmo sem ousar muito, série abraça ainda mais o nonsense para dar toque de autenticidade no desfecho de seus personagens.

    Nota: 4,0 / 5,0

    Unbreakable Kimmy Schmidt sempre foi uma série pautada por situações inusitadas – até mesmo estranhas e absurdas – que sempre acabavam por simbolizar algo muito maior. Temas pertinentes como machismo, abuso, desigualdade e igualdade de gênero permearam todas as temporadas, sobretudo o último ano da produção. Mantendo um bom nível no que se diz respeito à atualidade dos temas citados, a presença dos movimentos #MeToo e Time's Up certamente ajudou e muito no desenvolvimento da primeira metade da temporada, lançada em junho de 2018. Seja ao inverter papeis (colocando a própria Kimmy na pele de assediadora sexual no episódio "Kimmy é... uma garotinha na cidade grande") ou ao citar diretamente figuras como Kevin SpaceyDonald Trump e, claro, Harvey Weinstein, o tom de sátira ganhou força com a presença de críticas explícitas e necessárias.

    Ao mesmo tempo, o fato do quarto ano da série representar os últimos episódios de Kimmy, Titus, Jacqueline e Lilian fez com que uma perspectiva mais ampla com relação aos personagens se tornasse primordial para encerrar a jornada de modo coeso com cada indivíduo, ao mesmo tempo que coesa com a mensagem da série em si. Felizmente, Unbreakable Kimmy Schmidt abraça o absurdo como nunca em sua última temporada e ainda consegue se manter na linha de seu próprio tom: sempre esperto, afiado e, em certos momentos, até incômodo, evitando cair no didatismo ou em repetições forçadas.

    Se por um lado a discussão encontrada na primeira metade da temporada era mais latente e direta nos discursos, a segunda metade segue mais focada nos objetivos de cada um e com um espírito mais descontraído. Sempre otimista (mas já não tão ingênua), Kimmy permanece com seu jeito aventureiro de ser em uma Nova York atual e desenvolvida (não só em tecnologia mas também nos temas propostos), e sua intérprete Ellie Kemper parece estar ainda mais confortável no papel. Além de contagiante, é divertidíssimo acompanhar seus passos no trabalho, em casa ou em locais inusitados, principalmente por conta de sua visão de mundo e de como ela acredita que pode agregar a cada situação apresentada. O nonsense é o cerne da protagonista e ele continua a se propagar por onde ela passa sem dificuldade – transportando-o para seus companheiros também.

    As tramas do quarteto acabam por se distanciar em alguns momentos (como já acontecia durante a segunda e terceira temporada), mas são interessantes o suficiente para manter a atenção do espectador. Apesar de Kimmy e sua história de superação com relação ao abuso que sofreu no bunker por 15 anos serem deixados um pouco de lado, a prioridade claramente era entregar um desfecho plausível para a personagem – enquanto procurar demonstrar seu crescimento como pessoa por via de atitudes e pensamentos. Sendo assim, pode-se dizer que a missão foi cumprida por diversas óticas: a de Kimmy como sonhadora, como adulta e como profissional. Tudo isso da mesma forma como fora desenvolvida nas temporadas anteriores, mas reforçando seu avanço.

    Titus, Jacqueline e Lilian tiveram bons momentos na temporada como um todo, em especial nos seis últimos episódios. Seja na Broadway, com uma maior liberdade no trabalho ou com mais clareza na vida pessoal, os três personagens também foram mantidos dentro de suas essências. As situações mirabolantes que o roteiro entregou neste 4º ano seguiram o tom exato de cada um, misturando situações mais sérias com as mais leves de forma orgânica, e em sua maioria com um aprendizado válido. É impossível não torcer para que cada um possa construir um futuro favorável, e os episódios pavimentam caminhos bem positivos para o trio. No entanto, é inevitável observar que apesar de não serem preguiçosos, não há guinadas surpreendentes que os façam pensar em algo que os possa renovar de algum modo. O caminho que eles seguirão não sai muito do lugar-comum, no final das contas.

    Um dos maiores méritos de Unbreakable Kimmy Schmidt é o de aproveitar bem as situações que se passam num presente condizente com a nossa realidade (ao mesmo tempo com uma atmosfera única que parece ser de um mundo paralelo); mas a série também abriu espaço para mostrar como as coisas poderiam ter sido caso Kimmy não entrasse no carro do Reverendo Wayne. No episódio "Kimmy assiste a De Caso Com o Acaso!" somos introduzidos a uma realidade bem diferente, com todos os personagens se encontrando em situações adversas nem tanto associadas às suas personalidades, mas sim ao rumo que os fatos tomaram. O "efeito borboleta" é bem interessante de ver, mesmo que o episódio não traga nenhum aprofundamento mais ousado nas escolhas de cada um.

    As participações especiais foram muito além do básico na última metade da temporada. Jon Bernthal, Zachary QuintoSteve BuscemiBusy Phillips deram as caras em diferentes situações, todas hilárias a seu modo. Referências à série da Netflix Marvel - Demolidor, assim como a breve dinâmica entre o personagem de Bernthal e Titus, foram os pontos cômicos mais altos, da mesma forma que a presença de Busy Phillips entregou mais dramaticidade ao arco de Lilian – que pode ser uma "mãezona" bem justa quando quer. As pequenas aparições de Xanthipee e Lori-Anne servem como uma pontinha de nostalgia próximo ao desfecho da série e também são muito bem-vindas.

    Unbreakable Kimmy Schmidt ganhou seu fim no momento certo, em que ainda se encontrava dentro de tudo aquilo que propôs desde o princípio: uma narrativa leve e dinâmica com elementos dramáticos mais fortes do que pode-se imaginar num primeiro momento. Por trás de uma blindagem colorida e aparentemente indefesa, existe todo um projeto de Tina Fey cuja originalidade e visão crítica se mantiveram afiadas até o fim. Pode não ter sido um desfecho tão irreverente quanto as primeiras impressões que a série garantiu na primeira temporada, mas certamente a trajetória de Kimmy se encerrou de maneira pontual e, principalmente, honesta.

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