Nota: 2,5 / 5,0
Depois dos cancelamentos de Punho de Ferro, Luke Cage e Demolidor, O Justiceiro, uma das séries remanescentes do acordo Marvel/Netflix, chega com uma segunda temporada longa e irregular. Repleta de brutalidade e, acredite, um toque de família e redenção.
Seguindo os eventos do final de seu ano um, a produção acompanha Frank Castle (Jon Bernthal, como sempre muito bem no papel) — que agora assume a identidade de Pete Castiglione, por causa do acordo que fez com a Segurança Nacional — em uma vida calma, sem violência, viajando de cidade em cidade, e até encontrando um cobertor de orelha. Só que, como um bom samaritano (como a série faz constantemente questão de apontar), o problema o encontra. Castle se vê em uma onda de justiça/vingança ao tentar proteger uma menina (Giorgia Whigham, uma revelação) que virou alvo de pessoas perigosas e está envolvida com um misterioso segredo.
Nesse sentido, a série se arrasta tanto em ritmo durante seus arcos narrativos — presentes em 13 longos episódios de mais de 50 minutos cada um — que só descobrimos o porquê da jovem estar sendo perseguida para mais da metade da temporada. Enquanto, por um lado, isso cria um mistério que gera curiosidade, também cansa o público, que se pergunta por qual motivo os personagens não conversam claramente sobre qualquer assunto.
A ameaça, então, vem na forma de John Pilgrim (Josh Stewart), uma figura misteriosa e ameaçadora que usa a fé e a religião para justificar as barbaridades que faz (de longe, faz lembrar do arco de Helena em Orphan Black). Sua aparição tem ainda a participação ilustre, porém, caricata de Corbin Bernsen (Um Time Muito Louco, Psych) e Annette O’Toole (Smallville).
Mas Pilgrim não é o único vilão da temporada. A série cede muito do seu tempo para o arco de Billy Russo (Ben Barnes), que agora se recupera da lesão causada por Frank Castle em seu rosto, aparentemente sem memórias do acontecido. Enquanto o personagem chega cada vez mais próximo de se tornar o vilão Retalho, seu visual decepciona, pois de retalhado tem muito pouco. Surpreendentemente, Barnes conseguiu trazer com méritos a dualidade do personagem, confuso mas cruel, agindo por impulso.
Além disso, a dinâmica do vilão com Frank e Dinah Madani (Amber Rose Revah, contida) se assemelha bastante à da primeira temporada, e gera muitas comparações de ideologia entre Castle e Russo. O desenvolvimento dos relacionamentos de cada um dos personagens é bastante arrastado. E, por vezes, é difícil acreditar que determinada pessoa largaria tudo para seguir a missão de outro, seja Curtis (Jason R. Moore) ou Krista Dumont, forte personagem interpretada por Floriana Lima (Supergirl) — e também por que ninguém tem porteiro ou interfone, sendo que todo mundo vai entrando na casa dos outros sem avisar. Em contrapartida, os longos capítulos dão espaço para o retorno de caras conhecidas das séries Marvel/Netflix, como Karen Page (Deborah Ann Woll) e Brett Mahoney (Royce Johnson).
A série aposta bastante em flashbacks para construir sua narrativa, tanto da primeira temporada, quanto da juventude dos personagens, e usa também, em alguns episódios, do recurso de duas linhas temporais sendo apresentadas ao mesmo tempo. O Justiceiro ainda utiliza alucinações e sonhos para explicar algumas das motivações e medos de seus protagonistas — tanto de Billy e Pilgrim, quanto de Madani e Dumont. Provando que todos eles estão transtornados com alguma coisa — tal qual aconteceu com Castle no ano anterior, que trouxe diversos episódios do personagem sonhando com sua família.
Um dos méritos da produção, entretanto, é humanizar Frank Castle, especialmente por conta de seu relacionamento quase paternal com a jovem Amy. A escolha do roteiro traz fortes cenas, que criam identificação com o público. Afinal, brutos também amam e podem se redimir.
Enquanto Frank Castle continua com o lema "olho por olho, dente por dente", e não hesita em atirar primeiro e não perguntar depois (pois seu tiro é fatal), a série toca em assuntos delicados, como violência, soldados sofrendo de estresse pós-traumático, o relacionamento dos norte-americanos com os russos, e até mesmo o machismo. Na dinâmica entre Castle e Amy, vemos críticas claras às atitudes e ideologias de Frank, com falas ácidas da menina.
Entretanto, não é o suficiente para colocar o dedo na ferida, ou mesmo desagradar os fãs assíduos do vigilante. Mais de uma vez, o personagem usa da justificativa de que é "à moda antiga", por isso defende mulheres, não faz acordo com russos e é adepto do tiro, porrada e bomba. E, por fim, até mesmo quase todos os personagens que condenavam o uso da violência, e a defesa pautada no "matar ou morrer", acabam se rendendo às graças das ações do Justiceiro.
Em uma série protagonizada por homens, as mulheres fortes, porém escassas, da trama, não passam no Teste de Bechdel — que mede se personagens femininas conversam entre si por um tempo considerável sobre algo que não seja um homem em uma produção.
Apesar disso, O Justiceiro funciona no que sabe fazer de melhor: cenas de ação, cujos palcos são galpões, quartos de hotel, elevadores, garagens e até a rua, gerando sequências de qualidade. Seguindo a fórmula já conhecida, Jon Bernthal apanha e bate em praticamente todos os episódios. A série usa e abusa do sangue e da brutalidade na tela, ao mesmo tempo em que aposta na fotografia e no posicionamento de câmera para enriquecer a narrativa.
Não sabemos se O Justiceiro terá uma terceira temporada — seja na Netflix, seja futuramente no serviço de streaming da Disney —, mas é fato que a série consegue encerrar sua trama sem pontas soltas, e deixa espaço para um futuro próspero para Frank Castle.