Nota:2,5 / 5,0
Todo mundo sabe que a nova Era de Ouro da TV é apaixonada por anti-heróis. Walter White (Bryan Cranston), Dexter (Michael C. Hall) e Don Draper (Jon Hamm) são só alguns. Mesmo assim, ainda existe algo desconcertante com o lançamento de Você diante da atual conjuntura social. É uma aposta ousada focar, hoje, num drama sobre o ponto de vista de um stalker obcecado por uma mulher. Muitos irão reclamar desta crítica mencionar o movimento #MeToo. Outros irão dizer que é só entretenimento, então não devia contar. Porém, está na hora de perceber que a televisão surge como uma janela da humanidade. O que aparece nela tem importância significativa. A narrativa importa. E o contexto também.
Baseado no livro de Caroline Kepnes, You (no original) gira em torno de Joe (Penn Badgley), gerente de uma livraria que se apaixona por Beck (Elizabeth Lail), uma aspirante à escritora. Decidido a conquistá-la, o protagonista não encontra limites em seus planos, enquanto tenta esconder suas ações obscuras dela.
Por um lado, a obra produzida por Greg Berlanti e Sera Gamble sabe que está pisando em ovos. O uso de uma criativa narração nos coloca, rapidamente, dentro da mente de Joe, apontando como nem tudo que aparece na tela é real. Existe um filtro: o olhar dele. Ao mesmo tempo, o drama faz críticas interessantes sobre o uso das mídias sociais nas relações humanas. Logo, a história de Kepner tem potencial, mas apresenta falhas significativas.
Desde o início, o espectador sabe que Joe não está certo. Porém, duas coisas surgem amenizando suas ações terríveis. Sua relação com Paco (Luca Padovan) realmente traz um lado humano para o personagem, mesmo sendo forçada em determinados momentos. Se fosse só isso, seria aceitável. O problema surge mesmo quando, ao longo dos episódios, você percebe que ninguém presta nessa história. A ideia era mostrar como todos somos imperfeitos, mas o exagero como tal conceito é aplicado na trama coloca o protagonista em uma situação de vantagem. Pois "entendemos" o ponto de vista dele, dos outros não. Logo, é possível acreditar que parte do público pode torcer para um stalker - ou, pelo menos, tentar justificar e/ou romantizar suas ações.
Sinceramente, o mundo não precisa de uma série focada em atitudes inapropriadas e violentas contra mulheres. Principalmente, quando tal personagem se enxerga como o único salvador da "amada" (ênfase no uso das aspas, pois isso não é amor). Isso sem falar que ele ainda acredita que a garota não consegue tomar decisões sozinha. Na reta final, a série até tenta surgir como uma crítica à necessidade de encontrar um príncipe encantado, mas não é a principal mensagem que a obra passa, infelizmente. Narrativas precisam ter vilões, erros e consequências para criar conflitos, mas a linha entre abordar e glorificar algo não deveria ser tão tênue.
Apesar de tais problemas e um ritmo irregular, é inegável que Você traz arcos interessantes. A disputa pela atenção de Beck entre Joe e a melhor amiga Peach (Shay Mitchell) é cheia de reviravoltas, numa espécie de rivalidade 'gato e rato' surreal. Quando chega o clímax de tal situação, a reta final da primeira temporada apresenta uma sensação de urgência que, finalmente, constrói o suspense prometido no piloto. Para quem leu o livro, também é uma surpresa perceber como essa não é uma adaptação fiel.
Em seu primeiro grande trabalho desde Gossip Girl, Penn Badgley faz uma performance excelente como Joe. Além da narração já elogiada anteriormente, ele consegue equilibrar o charme, o sarcasmo e a psicopatia do personagem. Inicialmente, Elisabeth Lail não tem muito o que trabalhar, mas consegue entregar grandes cenas dramáticas na reta final. Já os fãs de Pretty Little Liars ficarão contentes em saber que Shay Mitchell surge carismática como Peach, enquanto John Stamos é apenas um coadjuvante de luxo no papel de um terapeuta.
Uma montanha russa de falhas bizarras e intrigantes reviravoltas, é possível que tal série vire o novo 'guilty pleasure' da sua lista de maratonas. Vai depender se a história será capaz de prender sua atenção e se é impossível não problematizar tal jornada ao longo do caminho. De uma forma ou outra, nem todo mundo vai gostar de Você. Por mais bizarra que seja essa frase. Sério, quem pensou nesse título?