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    O Mundo Sombrio de Sabrina: Crítica da primeira temporada

    Série focada em personagens aposta na representatividade, no terror e drama adolescente, mas demora a encontrar seu nicho.

    Nota: 4,0 / 5,0

    Completar 16 anos é um marco na vida de qualquer menina. É quando a jovem apresenta sua beleza e inocência para a sociedade. A data das debutantes, comemorada no Brasil aos 15 anos de uma adolescente; nos Estados Unidos, é celebrada aos 16. Imagine, então, que para bruxas, essa comemoração tenha um simbolismo ainda maior. É nesta data que Sabrina Spellman precisará passar por um batismo sombrio e escolher entre o mundo dos mortais e o dos bruxos. Ganhar mais poderes e colocar sua liberdade em risco, nunca envelhecer mas perder o contato com suas amigas e namorado? Escolha complicada.

    Essa é a premissa de O Mundo Sombrio de Sabrina, nova série da Netflix que reimagina a origem da menina meio bruxa, meio humana, conhecida pela sitcom dos anos 90, Sabrina, Aprendiz de Feiticeira, e baseada na personagem de uma HQ dos anos 1960. Inspirada nos quadrinhos "Chilling Adventures of Sabrina", do showrunner Roberto Aguirre-Sacasa (criador de Riverdale), a produção tem uma pegada bastante obscura, dando alguns sustos, mas não perde sua essência de drama e humor adolescente, com pitadas de representatividade.

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    A estrela da série de fato é Sabrina, vivida por Kiernan Shipka. A atriz, conhecida por interpretar a pequena Sally Draper em Mad Men, brilha em todas as cenas em que aparece. Ela consegue dominar todas as nuances da menina, forte, determinada, empoderada, um pouco teimosa, e, por vezes, fragilizada. Sabrina é apresentada como uma típica adolescente idealista, com ideias próprias, que comete erros. Ela toma decisões ruins na vida e faz o que todo jovem faria se tivesse poderes mágicos. Teima até conseguir resolver determina situação, deseja o bem, mas é imprudente e as coisas nem sempre dão certo.

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    Um dos destaques da produção é que a personagem de Sabrina é desenvolvida a partir de seu relacionamento com os demais do elenco. Pode-se dizer, inclusive, que O Mundo Sombrio de Sabrina é uma série pautada em personagens. Veja as tias Zelda e Hilda, por exemplo. A primeira, interpretada de forma magistral por Miranda Otto (O Senhor dos Anéis, Homeland), parece mais fria, rigorosa, devota à Igreja da Noite, preocupada com as regras e com o que os outros acharão da sua família; entretanto, demonstra ser frágil, amorosa, emotiva e faz de tudo para sua família prosperar. Já a segunda, vivida por Lucy Davis (Mulher-Maravilha, The Office) traz uma Hilda excêntrica, espirituosa, carinhosa, que não hesita em ajudar quem for preciso — usando meios duvidosos, inclusive.

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    Enquanto as duas assumem o papel de tia má/tia boa, o primo Ambrose (Chance Perdomo) configura o parceiro de todas as horas, que no final do dia dá aquele puxão de orelha em Sabrina. Condenado a passar a eternidade em prisão domiciliar, em diversos momentos, ele demonstra estar amargurado por sua situação, por mais que seja divertido, leviano, uma espécie de alívio cômico (na falta da "acidez" de Salem falante) e não tenha receios de demonstrar sua pansexualidade.

    Outros personagens que ganham destaque são as amigas mortais de Sabrina, Susie (Lachlan Watson) e Roz (Jaz Sinclair), e o namorado Harvey (Ross Lynch). Cada um deles têm questões que são exploradas ao longo da temporada. Susie, determinada, sofre bullying por ser não-binária e questiona a si mesma sobre ser uma aberração. Roz, estudiosa, teme a possibilidade de ficar cega, como sua avó, mas percebe que sua família tem uma espécie de intuição. Harvey, ingênuo e fofo, apaixonado por Sabrina, briga com sua família para encontrar seu individualismo, mas é julgado por seu pai, que quer obediência a todo custo. Lynch, em dos seus primeiros papéis fora do protagonismo, está contido, e peca um pouco nas cenas que exigem sua entrega emocional.

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    Do lado dos bruxos, a série apresenta o sedutor Nicholas Scratch (Gavin Leatherwood), que forma uma espécie de triângulo amoroso entre Sabrina e Harvey. Feiticeiro estudioso dos ensinamentos do pai da menina, ele parece meio dúbio em suas atitudes, pouco confiável, do tipo "arroz de festa" — não exatamente mérito do roteiro, talvez, mas da atuação de Leatherwood — porém, acaba mostrando sua devoção aos amigos.

    Além dele, Sabrina encontra na Academia de Artes Ocultas as três Weird Sisters (Irmãs Estranhas, em tradução), órfãs que não gostam da menina por ela ser mestiça. Entretanto, o relacionamento entre elas evolui, não deixando, é claro, de cair no senso comum e caricato de "Meninas Malvadas". Prudence (Tati Gabrielle) é a líder das Irmãs e, naturalmente, ganha mais espaço na produção. Porém, é curioso que as outras duas, vividas por Adeline Rudolph e Abigail F. Cowen, pouco falem, como se a série não pudesse (ou quisesse) dar espaço para elas. Só é possível notar uma diferença significativa entre suas personagens próximo do final da temporada.

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    As três não são as únicas antagonistas da produção. A professora Mary Wardell, interpretada de forma brilhante por Michelle Gomez (Doctor Who), tem um arco longo, que demora a ser desenvolvido. Apesar disso, a vilã — que passa por uma transformação de boazinha para malvada e não hesita em manipular Sabrina — é uma das grandes influenciadoras de pontos de virada no roteiro.

    Ainda assim, quem se faz mais presente na dualidade entre bem e mal é o Sumo Sacerdote Faustos Blackwell, vivido pelo veterano Richard Coyle. Uma espécie de "Papa sombrio", ele fala em nome do Senhor das Trevas — sim, o Satã — e preza pela obediência e conservadorismo dentro de sua Igreja Satânica. Nesse quesito, a produção esbanja de referências e trocadilhos bem humorados de frases e itens religiosos — trocando o "sagrado" por "profano", como em "Biblia Profana de Satã". Seu arco é um bocado confuso, com muitas idas e voltas sem explicação, daqueles que muito fala e pouco diz. O relacionamento de Blackwell e Zelda, por exemplo, é um dos elementos que fica perdido no churrasco. 

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    Com um elenco majoritariamente feminino, a trama consegue apresentar como pano de fundo temáticas importantes e, ainda assim, controvérsas. Entre elas, individualismo, sexualidade, bullying, empoderamento feminino, devoção cega à religião, inclusive, necromantismo, ocultismo e orgias. Tanto que mescla assuntos "pesados" com outros bem humorados, mas com transições um pouco bruscas, que dificultam que o público "respire" entre uma cena e outra. Além disso, uma das falhas é que parece esquecer alguns mistérios e casos não resolvidos — como o do rapaz Connor — lá no meio da temporada; fatos que nem sequer são citados nos últimos episódios. A produção possui grandes cenas, fruto sem dúvida de seu orçamento, mas que, por vezes, vêm acompanhadas de desfechos previsíveis, ou preguiçosos.

    Com episódios de 50 minutos a 1 hora, a temporada traz um visual que faz referências ao terror clássico, como O Exorcista (com direito a um demônio assustador e vômito!), O Bebê de Rosemary, A Noite dos Mortos Vivos, A Mosca, e até A BruxaOs Goonies e Buffy.

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    Destaque para o episódio 5, um capítulo engarrafado, que se passa todo dentro da mansão dos Spellman. Com uma clara influência de A Hora do Pesadelo, os personagens são manipulados por um demônio do sono que invade seus pesadelos. É nesse momento que passamos a conhecer melhor cada um dos membros da família de Sabrina, seus medos, anseios e desejos mais profundos. Um arco muito bem desenvolvido, e um dos melhores capítulos da temporada.

    O Mundo Sombrio de Sabrina veio para suprir a lacuna deixada por Stranger Things em outubro este ano. Trazendo elementos de terror, humor e drama adolescente, parece que conseguiu — mesmo que a escolha de seu nicho tenha demorado a acontecer. Com diversas reviravoltas, a série, já renovada para a segunda temporada, deixa alguns pontos em aberto para o próximo ano.

    O Mundo Sombrio de Sabrina está disponível na Netflix.

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