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    O que o cancelamento de Luke Cage e Punho de Ferro diz sobre o universo Marvel da Netflix

    A Netflix deu baixa em dois dos quatros Defensores. E agora?

    Sexta-feira, 12 de outubro de 2018. Noite. Uma notícia pega os fãs das séries da Marvel e da Netflix de surpresa: Punho de Ferro está cancelada. Uma semana depois, outro baque: Luke Cage também conheceu o seu fim depois de duas temporadas. Problemas no paraíso?

    A situação é ainda mais esquisita. De acordo com o Deadline, o showrunner M. Raven Metzner e o elenco de Punho de Ferro receberam a notícia apenas algumas horas antes de o anúncio ser feito à imprensa, o que sugere que foi uma decisão tomada de forma imediata — e, vale observar, anunciada apenas um mês após a estreia da segunda leva de episódios. Usualmente, a Netflix aguarda uma janela de três meses para anunciar uma renovação. Já o caso de Luke Cage é diferente. Segundo o Hollywood Reporter, houve conflitos criativos em relação ao rumo que a trama deveria tomar na terceira temporada. O anúncio do cancelamento foi feito em conjunto pela emissora e pela produtora. Neste caso, a janela de três meses após o lançamento acabava de ser concluída.

    Sabemos que séries são canceladas. Faz parte, é o ciclo do audiovisual. Novelas chegam ao fim. Franquias cinematográficas se encerram. Séries são finalizadas ou canceladas. Mas, levando em consideração o contexto em que Punho de Ferro e Luke Cage estão inseridas — e que a Disney está prestes a lançar o seu próprio canal de streaming —, o que isso significa para o acordo entre Marvel e Netflix a longo prazo?

    AO INÍCIO DA HISTÓRIA

    Sarah Shatz/Netflix

    O projeto de adaptar Os Defensores para as telinhas era uma empreitada ambiciosa desde o início. Antes mesmo de qualquer definição de elenco ou equipes de produção envolvidas, a Netflix já havia se comprometido a desenvolver e exibir cinco temporadas — uma para cada um dos protagonistas, Demolidor, Jessica JonesLuke Cage e Punho de Ferro e uma para a reunião dos quatro em Os Defensores. Isso sem fazer ideia se a primeira seria bem recebida. A responsabilidade caiu sobre os ombros do Matt Murdock de Charlie Cox. Se ele não convencesse, o problema seria grande.

    Felizmente, o maior problema neste sentido que o time de Jeph Loeb precisou enfrentar foi com Punho de Ferro, cuja primeira temporada teve a pior recepção entre todas as outras. A questão foi reparada na segunda, que trouxe um novo showrunner e consertou alguns dos problemas mais graves. Já o herói do Harlem teve uma recepção morna do início ao fim, embora os elogios ao final da segunda temporada sejam quase unânimes. O sintoma que parece ter se alastrado entre todas as segundas temporadas aqui — incluindo a de Jessica Jones — é a falta de preparação. Havia necessidade? Até que ponto elas foram realmente planejadas?

    A VIDA E AS TEMPORADAS APÓS OS DEFENSORES

    Aqueles que acompanharam fielmente todas as produções até o lançamento de Os Defensores puderam observar um detalhe: por mais que as tramas e os personagens fossem completamente diferentes e de fato individuais, sempre havia algo que apontasse para o mesmo caminho. Todos os vilões e todas as questões apresentadas tinham alguma relação, por menor que fosse, com a Midland Circle, e isso evidencia que houve uma preparação de campo para a minissérie. Tudo, até mesmo a apresentação de Elektra (Elodie Yung) na segunda temporada de Demolidor, havia sido construído para levar à reunião dos quatro heróis. Houve um plano.

    O mesmo não pode ser dito do que veio depois — isto é, as segundas temporadas de Jessica Jones, Luke Cage e do próprio Punho de Ferro. Apesar de a personagem de Krysten Ritter ser a mais carismática entre as três, a qualidade da trama cai de forma drástica, pecando na insistência de um longo arco temporal ao invés de se espalhar também por casos menores da semana. As demais, então, mal se justificam no ar.

    Jessica Jones tropeça em vilões fracos, mas eventualmente encontra seu caminho (Crítica da segunda temporada)

    Curiosamente, os momentos que mais funcionam nas segundas temporadas de Luke Cage e de Punho de Ferro são os de interação entre Luke (Mike Colter) e Danny (Finn Jones), ou Colleen Wing (Jessica Henwick) e Misty Knight (Simone Missick). A impressão que fica é a de que as duas séries estiveram esse tempo todo nadando contra a corrente. Apesar de grande parte do público pedir frequentemente e torcer para ver Heróis de Aluguel e/ou Filhas do Dragão nas telinhas, a insistência do projeto da Marvel com a Netflix foi de trabalhar cada um destes personagens individualmente. Mesmo que eles não tivessem força o suficiente para isso.

    Com Luke Cage, houve uma tentativa de contornar a situação apresentando-o na primeira temporada de Jessica Jones. A estratégia funciona, porque o personagem neste caso funciona melhor como coadjuvante que como protagonista. Danny Rand chegou contando apenas com sua fama de “Imortal Punho de Ferro.” E o resultado não foi nada prazeroso.

    Para qualquer outra empresa, manter esta balança desequilibrada no ar seria algo impensável. Sem pestanejar, a Marvel também cancelou, após uma temporada, a série Inumanos, que foi a mais unanimemente criticada. A insistência com as segundas temporadas de Luke Cage e Punho de Ferro parece ter sido apenas uma decisão contratual ou pensada com o objetivo de estabelecer um universo Marvel nas telinhas, com produções que interagissem entre si, da mesma forma que acontece com Os Vingadores.

    ENTRA DISNEY PLAY

    A peça com encaixe estranho neste quebra-cabeças de renovações e cancelamentos é o iminente lançamento do Disney Play, o canal de streaming da Disney que ainda não foi lançado, mas já promete balançar o mercado e a Netflix. O que antes seria impensável vai acontecer lá, com a migração de personagens do Universo Cinematográfico Marvel para as telas menores. Já foram confirmadas duas séries: uma de Wanda Maximoff, a Feiticeira Escarlate, e outra de Loki — protagonizadas respectivamente por Elizabeth Olsen e Tom Hiddleston. Ambas as produções ficam a cargo da Marvel Studios, encabeçada por Kevin Feige, e não da Marvel TV de Jeph Loeb (que responde por todas as demais produções para a TV ou streaming). Por isso, os cancelamentos soam estranhos. Por que a Netflix abriria mão de duas propriedades da Marvel, por menor que sejam, quando está prestes a ter que lidar com uma concorrência de tão grande porte?

    A questão da concorrência transpassa por outras séries e outros filmes. Uma nota recente sugere que a Netflix possa perder os direitos de redistribuição de séries da Warner — como Friends — em breve, quando sair do ar o canal de streaming da WarnerMedia. Anteriormente, já havia sido confirmado que a companhia perderá os direitos dos filmes de Star Wars e dos Vingadores quando o Disney Play for lançado — inicialmente, apenas nos Estados Unidos, como prioridade para 2019.

    “Temos sido compradores bastante confiáveis”, defende Ted Sarandos, o Chefe de Conteúdo Original da gigante global. “De forma crescente, alguns dos vendedores têm se tornardo mais complicados, o que significa que há conflitos dentro de suas próprias companhias a respeito do que eles querem vender e quando eles querem vender,”pontuou a respeito da janela de exibição.

    "Se todos os ‘Assassinos da Netflix’ por aí se unirem e tomarem de volta suas franquias, isso seria um grande baque,” ressaltou Peter Cathy, fundador da consultoria digital CreaTV Media. “A audiência de crianças e famílias representa um número surpreendentemente alto, e crianças assistem a franquias várias vezes. Os pais estão felizes de pagarem por esse tipo de ‘babá’, enquanto o conteúdo estiver lá. Se princesas Disney, Star Wars, Marvel, DC Comics, Pixar e outras mega propriedades saírem do universo Netflix, a companhia certamente sentiria isso.”

    QUEM FICA, COMO FICA

    Jessica Miglio/Netflix

    Com a segunda temporada de Luke Cage, que contou com a participação de Danny, o público concluiu o que leitores de HQs já sabiam: estes dois funcionam melhor como dupla do que individualmente. Já sabíamos que Cage é melhor coadjuvante que protagonista, de experiência em Jessica Jones. Sabemos, também, que Colleen é uma personagem infinitamente melhor que o órfão bilionário, e que a dupla com Misty Knight entrega um resultado dinâmico e descontraído que poderia ganhar mais espaço.

    O maior erro deste microverso Marvel foi dar “um passo maior que a perna” em sua concepção. Os fãs se interessaram pela série solo de Demolidor, que já era um personagem conhecido e com sustento; demonstraram curiosidade com Jessica Jones, por ser diferente e ter uma protagonista feminina. Porém, convencer o público de que havia um motivo para acompanhar horas e horas de Luke Cage e Punho de Ferro foi uma tarefa mais difícil, pois ambos são bastante obscuros. Talvez o resultado seria melhor se Heróis de Aluguel houvesse sido apresentada desde o início, ao invés de permanecerem na insistência de histórias de origem repetitivas e preguiçosas. É muito mais divertido vê-los juntos (assim como é divertido ver Jessica e Luke, ou Jessica tirando sarro de Matt, ou, honestamente, Jessica fazendo qualquer coisa), mas ambas parecem ter se esquecido disso no objetivo cego de serem sérias demais, pé no chão demais, sem um contraponto que causasse uma emoção maior.

    Justiça seja feita, Luke Cage tem seus muitos méritos, pois a primeira temporada tem uma metáfora potente, e a segunda termina muito bem. Tanto esta quanto Punho de Ferro poderiam ser melhores, se tivessem menos episódios, focassem nos personagens certos e nos times que funcionam. Com os cancelamentos, restam no ar apenas dúvidas: eles continuam existindo para Demolidor e Jessica Jones? Como ficam os direitos de uso dos personagens? Poderia a Disney resgatá-las para o Disney Play, caso realmente haja interesse? Poderiam as duas séries canceladas se unirem e ser transformadas em um produto só, como alguns fãs têm sugerido? Estariam as outras duas fadadas a um iminente fim?

    Sejamos lógicos. Se o objetivo fosse acabar com Luke Cage e Punho de Ferro e transformá-las em uma só — Heróis de Aluguel, Filhas do Dragão ou ambas —, então todo este anúncio teria sido feito de uma vez só. Parece improvável que elas ganhem alguma continuação. É uma pena por Simone Missick e Jessica Henwick, que são muito boas e mereciam mais espaço.

    Uma coisa é certa: Os Defensores realmente não terá segunda temporada.

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