A premissa da nova série de Matthew Weiner é no mínimo intrigante: em oito episódios antológicos, The Romanoffs pretende contar histórias de supostos descendentes diretos da família real russa. A série é pura ficção, mas o mote é real: já foi provado que os bolcheviques não deixaram vivo nenhum Romanov de sangue azul, mas ainda hoje há proprietários do sobrenome famoso não só acreditando na linhagem, quanto usando títulos de nobreza falsos. Nada mais atual, afinal de contas.
Num momento da sociedade em que qualquer argumento serve e funciona para buscar sua individualidade, desde números nas redes sociais até a posição dos astros no dia do nascimento, apelar para um parentesco com alguma coroa é uma estratégia tão legítima quanto qualquer outra. Em The Romanoffs, o criador de Mad Men explora a pergunta existencial do "quem sou eu?" trazendo personagens que escolhem se apegar a um passado de tragédias. Qualquer coisa serve, menos ser só mais um na multidão.
Os caminhos que a série deve percorrer são imprevisíveis — e provavelmente irresistíveis. Cada capítulo dura cerca de 80 minutos, o que não só aproxima a produção do cinema quanto permite aprofundar personagens e explorar devidamente cada caso antes de partir para uma nova crônica em seguida. A atração é exclusiva do Amazon Prime Video e tem episódios disponibilizados semanalmente, o que já indica a melhor forma de assistir: mesmo tratando-se de um produto original de um serviço de streaming, o recomendado aqui é apreciar aos poucos, não maratonar.
The Violet Hour é o capítulo de estreia e Weiner já deixa claro que não só pretende viajar o mundo quanto vai fazer isso da forma mais orgânica possível. Uma vez na França, fale francês, oras. No episódio, Aaron Eckhart é um americano morando em Paris que vive às voltas com a tia adoecida. O hobbie da mulher é contar os casos da família, desde a fuga da Rússia às pressas, para onde nunca mais voltou, até o período em que nazistas tomaram seu apartamento em Paris. No papel está Marthe Keller, que se apropria totalmente da personagem e carrega a história nas costas até o último terço do episódio, quando o ritmo perde fôlego.
O tema central aqui é herança, mas o conflito se torna mais interessante quando um fato externo entra na trama: a jovem cuidadora islâmica que passa a trabalhar para a Romanoff da vez. A religião da moça traz uma das discussões mais relevantes e críticas do episódio: enquanto quem usa um hijab tem o tempo todo sua ascendência ocidental questionada, um norte-americano branco pode se gabar à vontade de ser um cidadão multicultural — e talvez até parente da coroa russa! A ancestralidade aqui parece ser coisa para quem tem "tempo". Ter acesso a sua história familiar e ser respeitado por isso também é um privilégio. Para poucos.
The Romanoffs vai aos poucos se aprofundando no que significa ter o sobrenome russo no documento. Seria sinônimo de tragédia? De polêmica? De derramamento de sangue, luxo, riqueza? Os personagens também não sabem, mas adoram nadar no mar de possibilidades que os separa dos demais, a ponto de se afogarem na própria fantasia. No episódio The Royal We, Corey Stoll é Michael Romanoff, um homem de meia idade desinteressado com a própria vida e curioso com absolutamente qualquer outra coisa que lhe permita escapar da própria realidade.
Para tentar entendê-lo (e entretê-lo), a esposa Shelly (Kerry Bishé) adquire ingressos para uma espécie de "convenção Romanov" num cruzeiro. Um evento dos mais cafonas, com palestras, festas e banquetes, tudo para que essa grande família afastada da mãe Rússia possa se conhecer. O episódio começa pacato, mas cresce um bocado ao tocar em temas como adultério, assassinato e impulsos criminosos. O roteiro é surpreendente, mesmo com o Romanoff aqui sendo um excelente exemplo de profecia autocumprida. O único erro foi deixar Shelly, uma personagem descente e convincente, numa posição de passividade pouco provável até os minutos finais.
Nos próximos episódios, mais aparições estreladas estão prometidas, assim como a volta da parceria com diversos atores que já trabalharam com Weiner em Mad Men — Christina Hendricks é uma delas. A trilha de discussões que a série pretende abranger está na mesa, muito baseada na frase que se ouve no trailer da série: "O sangue real se dilui com o tempo, mas o veneno sobrevive". A profundidade dos personagens já promete ser o trunfo da produção e, até onde os Romanoffs da ficção chegarão, certamente o maior suspense.