Corrupção, especialmente na área da saúde, é um tema delicado de ser retratado. Entretanto, Sob Pressão consegue dar conta do recado. A série vai mostrar um pouco desse debate em sua segunda temporada. Inspirada no filme homônimo, a trama acompanha a difícil rotina dos médicos que trabalham na emergência de um hospital público.
"A série vai explicar de maneira bem clara aonde a corrupção mata dentro de um hospital, quando você rouba, o que isso causa de morte. Esse é o tema principal da segunda temporada, mas também tem todos os casos médicos, que são sociais, e a trilha particular de cada personagem", revelou a protagonista Marjorie Estiano em entrevista ao AdoroCinema.
A temática já foi forte no primeiro ano da produção, quase uma "questão empírica" e, agora, vai ser detalhada com um arco longo na série. O objetivo do programa é mostrar "como a ambição pode levar à destruição, sem vilanizar ou demonizar ninguém", explicou o diretor artístico Andrucha Waddington na coletiva de imprensa de divulgação da nova temporada.
Quem se entregará às garras da corrupção serão os personagens de Fernanda Torres, que assume a direção do hospital, e Humberto Carrão, que consegue um emprego como ortopedista no local.
"De um certo modo, é um raio-x da própria corrupção", revelou Torres na coletiva. "A Renata é uma gestora excelente, ela é uma pessoa que tem o dom para gerir um hospital, para organizar", disse sobre sua personagem. "A entrada dela melhora o local e o dinheiro começa a entrar. Só que ela tem essa questão, porque acha que é através da corrupção que o sistema funciona. O que é algo que aconteceu no Brasil como um todo, a gente ainda está vivendo isso, que é 'Olha, eu não posso fazer nada, o sistema funciona assim e, se eu não entrar no sistema, o hospital não melhora'. Conforme ela vai entrando no sistema, o sistema é ganancioso. Então, o que antes era só uma pequena corrupção com alimentação, passa a ser uma corrupção maior com as próteses, e maior ainda com a compra de equipamentos. E, quando ela vê, se transformou em um fora da lei."
É aí que entra Henrique, personagem de Humberto Carrão, que é contratado como ortopedista do hospital. "A corrupção acaba passando muito pela área dele, com as próteses, com as coisas que você pode desviar e ganhar dinheiro das empresas", comentou Carrão ao AdoroCinema. "Não é assim desde o princípio, ele é um cara cansado, impaciente, que sai de um hospital e vai para o outro, fica comparando a estrutura do particular com o público. E chega uma hora que ele cede, que é fraco e eu acho que ele percebe que deve pagar por isso."
"Foi muito importante que não fosse um vilão", explicou Carrão na coletiva. "Existem formas de se relacionar com isso, a dele não é parecida com a da Carolina [Marjorie Estiano], com a do Evandro [Júlio Andrade], de pressionar para que aquilo funcione de forma diferente e você consiga mais verba. Ele vai pelo outro lado, o lado mais fácil que dá dinheiro para ele. Existem desses tipos muito comuns em todos os lugares, de uma resignação que, em certo momento, até é bom que as coisas não funcionem porque, não funcionando 'eu posso me dar bem também, então é melhor que nem melhore'", disse o ator sobre a identificação com o personagem.
"Se as pessoas compreenderem qual é a mecânica da corrupção, terá sido incrível" disse Torres posteriormente em entrevista ao AdoroCinema. "Claro que uma hora ela ultrapassa, uma hora ela contribui para matar alguém e, quando isso acontece, a mulher passa para o outro lado. Mas o mais importante eu acho é que, como através de pequenos acordos, uma corrupção gigantesca vai se formando. A Renata não é má, ela é prática, ela é pragmática e excelente gestora, mas isso acaba levando-a ao crime."
"Esse assunto não é novo e é importantíssimo a gente discutir", comentou Carrão ao AdoroCinema. "A corrupção no Brasil, no Rio de Janeiro, sempre esteve presente e ela está aí. É preciso que a gente discuta corrupção e o que o tema pode gerar de ódio, de ideias reacionárias e autoritárias. O sistema de saúde público é um exemplo, o ex-secretário de saúde do Estado estava preso até outro dia".
"A corrupção deles vai dar em morte, como a corrupção do transporte também dá, e como a corrupção com a cultura também dá", comentou Bruno Garcia, intérprete do clínico-geral Décio. "Eu acho que a gente precisa discutir a corrupção na saúde, a gente precisa discutir a corrupção em todos os lugares, ela está sempre presente e a promessa de acabar com a corrupção esteve sempre presente por toda a história do Brasil."
Torres ainda revelou que a gestão de Renata sobre o hospital acaba na própria segunda temporada; sem que ela ou Carrão retornem para o terceiro ano da série — já confirmado.
Para Humberto Carrão, foi fácil integrar o elenco, que já estava em sintonia, tendo trabalhado junto no filme e na primeira temporada. "Foi ótimo, porque é uma galera que já se conhece, todo mundo é afinado, é um elenco incrível também", disse ele ao AdoroCinema. "Não é simples de fazer porque tem as cirurgias, os ensaios da cirurgias, e a gente marcava antes para entender o que estava fazendo. Então era bom que eles já estavam afinados e sabiam como funcionava. E é uma equipe incrível, que já estava acostumada a fazer cinema juntos, foi um ótimo trabalho, de cinema mesmo."
O redator final Lucas Paraizo confirmou, na coletiva, que para montar algumas cenas de casos médicos, a produção acompanhou cirurgias e contou a consultoria do doutor Marcio Maranhão, médico consultor de Sob Pressão e autor do livro que inspirou a série.
Os novos atores não são a única novidade da segunda temporada. Desta vez, os personagens de Marjorie Estiano e Júlio Andrade, intérpretes de Carolina e Evandro, vão "unir escovas de dentes".
"Eles vão casar mas vão seguir tendo uma vida normal, tendo altos e baixos", disse Estiano ao AdoroCinema. "Vão ter momentos que eles vão se fragilizar mais, é um cotidiano muito intenso que eles vivem e isso tem reflexos emocionais tanto para o Evandro quanto para a Carolina. Ela ainda vai se deparar com essa questão do abuso, vai ter um reencontro com o pai dela, o agressor, e isso vai desencadear novamente essa fuga dela para o recurso da automedicação", antecipou.
"É isso o que eu gosto nos personagens, eles são heroicos dentro do que todo mundo pode ser mas são falhos também. Isso aproxima tanto no heroísmo quanto na fragilidade, de a gente não se culpar pelas nossas quedas. Eu acho lindo, porque eles mostram de uma maneira que não é glamourizada, o acesso ao outro, a generosidade, a atenção ao outro. Isso fica acessível para o espectador, de como você pode ser atencioso, generoso e cuidar de quem está próximo, não necessariamente em um estado drástico mas você pode ajuda", completou a atriz.
Outro diferencial desta temporada são as cenas externas — como a que um ônibus capota e um homem obeso que tem que ser içado da varanda de sua casa.
"As cenas externas são sempre mais complicadas, tem um episódio que tem tantos elementos especiais, quebram um ônibus, depois ele explode. Foi feito por partes, a conta-gotas", explicou Estiano. "Para estarmos dentro do acidente é muito mais desgastante do que dentro do hospital, onde você está em um lugar mais confortável, e pode pelo menos ficar de pé. No ônibus você não conseguia ficar de pé, tinha ferragem, sangue, muita gente. Eu não faço ideia de como ficou no final mas eu confio plenamente na nossa equipe. Estou ansiosa para ver, acho que esse episódio mostra um ambiente de guerra fora do hospital. É um ambiente onde você está em um caos absoluto e eu sou uma pessoa para tentar conter aquela tragédia, atender aos mais urgentes, esperar a ajuda de fora. Depois que eu terminei esses dias de filmagem dentro do ônibus, meu corpo doía muito, parecia que eu tinha sido atropelada. Foi ótimo porque a gente gravou a sequência de entrada no hospital com a memória desse estado físico", finalizou.
A série vai manter seu formato procedural — ou seja, um caso por episódio —, apesar de ter elementos pessoais dos personagens e da própria corrupção que permeiam toda a temporada. Além disso, a produção vai abordar diversos temas, como obesidade e transexualismo. Inclusive temáticas discutidas no dia-a-dia, no botequim ou na sala de casa, comentou Andrucha Waddington, e que ganham manchetes de jornais com casos bem parecidos.
"O público se coloca no lugar dos personagens e temas, a questão não maniqueísta de como a corrupção corrói e consegue cooptar pessoas que teoricamente não pensariam nisso. Então, estou muito orgulhoso de poder fazer parte de um projeto que oferece ao público, além de entretenimento, uma profunda reflexão", afirmou Bruno Garcia.
A segunda temporada de Sob Pressão tem estreia marcada para a próxima terça-feira (09) na Rede Globo.