Nota: 3,5/5,0
O que é ser normal? Qual é o limite entre o aceitável pela sociedade e o auge da loucura? Não é a primeira vez que uma série de TV tenta desbravar a mente humana. E existem diversas formas de abordar tal questionamento. Algo adequado à imensidão da capacidade imaginativa de cada um de nós. Você acredita que esse é um prelúdio filosófico demais para uma simples crítica? Pois saiba que, se não tem vontade de embarcar numa curiosa jornada, Maniac não é a série para você.
Após formar seu nome com séries dramáticas no estilo de True Detective e The Alienist, Cary Fukunaga decidiu adaptar uma singular comédia norueguesa. Na versão hollywoodiana, o público acompanha Owen (Jonah Hill) e Annie (Emma Stone), dois jovens que se inscrevem numa bizarra experiência para compreender a mente humana, com o objetivo de terminar qualquer tipo de dor humana. Mas isso é só a ponta do iceberg de uma trama bem surreal, misturando fantasia e realidade.
A narrativa em si não é tão fácil de abraçar. Tem um começo confuso, sem deixar claro se estamos diante de um humor 'nonsense' ou uma metáfora elaborada sobre a sociedade. Quando os protagonistas se encontram e tais experimentos começam, a diferença narrativa é gritante. Não apenas por envolver mundos ilusórios criados por tal dupla, mas por facilitar a compreensão de tais personagens. Seus defeitos, suas dores, suas vontades e suas personalidades acabam se tornando mais fáceis de ler no mundo de imaginação. Curioso, não? Com aventuras que envolvem espiões até jornadas na idade média, é possível entender como Hill e Stone se interessaram pela trama, a ponto de serem produtores executivos. Surge ali um parque de diversões, pronto para os atores se jogarem nas mais inusitadas situações (e ostentarem bizarros figurinos!).
Por outro lado, é inevitável abraçar o complexo mundo ficional criado por Fukunaga. Composto por grandes tecnologias que mudam a rotina da sociedade de maneiras alarmantes, mas com um estilo retrô que retoma as nostalgias dos computadores dos anos 90 ou jogos de cartucho. Já no mundo de 'mentirinha', cada fantasia embarca num estilo completamente diferente, tanto artístico como técnico. Mas pequenos detalhes seguem conectando-as com a trama principal, numa jornada de easter-eggs feita para o espectador tentar capturar. É algo paradoxal, feito para criar um certo incômodo. Mas é tão perfeccionista, cuidadoso e colorido que, desde o início, é impossível não se apaixonar (pelo menos) por tal grande acerto da direção de arte.
Contracenando novamente quase uma década após Superbad - É Hoje, a parceria entre Stone e Hill segue boa, mas é a vencedora do Oscar por La La Land quem brilha, com uma atuação capaz de se conectar com o espectador, a partir de simples mudanças de olhares. Talvez isso aconteça pois a jornada de sua Annie é mais fácil de acompanhar. Sua dor é palpável a cada instante. Com um personagem esquizofrênico e apático diante da vida, Jonah Hill assume o papel mais complexo de sua carreira e não decepciona, apesar de realmente se destacar apenas na reta final da narrativa.
Paralelamente, o público também acompanha os especialistas responsáveis por tal experimento, se desdobrando para enfrentar uma inusitada complicação. Infelizmente, é aqui que o show encontra seu ponto fraco. A escolha por uma representação estereotipada de tais doutores talvez seja proposital, mas se desconecta do restante da narrativa. Enquanto Sonoya Mizuno fica presa embaixo de uma pesada caracterização, escalar Justin Theroux como o excêntrico James Mantleray é um erro. Ele peca no exagero em diversos momentos, inclusive numa cena sobre realidade virtual que é difícil de esquecer... pelos motivos errados. Tal núcleo perde o timing cômico, apesar de partir de um potencial interessante. Sobra para Sally Field tentar salvar tal aspecto da trama com seu charme e talento. Não consegue, mas ajuda a torná-lo suportável.
Dentre mil fantasias e situações inusitadas, a grande questão que fica é se Maniac é a obra mais genial ou estranha do ano. E a resposta fica nas mãos do espectador. Depende até onde você esteja disposto a abraçar essa história, que deseja relativizar o 'ser comum'. No final das contas, a série tenta desconstruir a racionalização feita para diferenciar fantasia e realidade. Pois o que realmente importa é a conexão humana. É saber com quem contar e valorizar aqueles que estão ao redor, pois ser solitário é a verdadeira loucura. Só que Fukunaga escolheu uma forma muito bizarra para contar isso.