Nota: 2,5 / 5,0
Sutileza é a palavra-chave quando se trata de Os Inocentes. A nova série britânica da Netflix utiliza o sobrenatural e a perspectiva mística de super-poderes para tratar de um assunto sensível para a adolescência: a busca por identidade. Não há motivos para duvidar da capacidade de conquista desta trama, mas ela acaba sendo um desafio imposto pelo ritmo lento que não justifica oito episódios.
A série traz os novatos Sorcha Groundsell e Percelle Ascott como os adolescentes June McDaniel e Harry Polk. Quando ela está prestes a completar 16 anos, o casal apaixonado leva às últimas consequências os planos de fugirem de seus lares opressores para viver este romance utópico, e saem em uma viagem sem rumo e sem estratégias definidas.
Mas tão logo os dois conseguem dar este novo passo, algo estranho toma conta de June. Enquanto são perseguidos por um homem misterioso que tenta a todo custo capturá-la, descobrem que ela na verdade é uma shape-shifter — ou seja, possui a capacidade de assumir a forma física de outras pessoas. Sem entender exatamente como ou por que ela possui esta habilidade, June e Harry precisam aprender a lidar com a confiança que sentem (ou não) em um e outro, e com a tomada de decisões sérias que podem levar a resultados catastróficos.
Do outro lado desta história, o professor Halvorson (Guy Pearce) controla o Sanctum, uma espécie de culto com outras mulheres que possuem as mesmas habilidades que June — entre elas está a própria mãe da garota, desaparecida há três anos. Ele quer levá-la para lá, com a promessa de curá-la e explicar as origens de suas capacidades transmórficas. O principal mistério gira exatamente em torno deste núcleo específico e dos objetivos do professor tanto para estas mulheres quanto para a mais jovem.
Apesar da premissa adolescente que fica em uma espécie de lugar-comum da TV voltada para públicos jovens, a série criada por Simon Duric e Hania Elkington se difere pelo tom que estabelece para a trama. Praticamente toda a história se ambienta no interior da Inglaterra, e o clima bucólico dos cenários dá vazão para um desenvolvimento mais lento e contemplativo.
Ter um ritmo lento não é necessariamente um problema. Trata-se de uma estratégia narrativa que, quando usada corretamente, serve para conferir um olhar mais detalhado para a psique das personagens. Aqui, funciona para transformar a narrativa que se pauta no fantástico em algo mais realista. Grande parte do mérito de Os Inocentes está exatamente na construção dos personagens que não é idealizada. A maneira como eles reagem ao que estão vivendo é condizente — eles não sabem o que fazer, e quem saberia? Mas toda a primeira temporada funciona primordialmente para estabelecer o universo e os personagens à base de muita exposição narrativa, o que é enfurecedor.
A base realista da série tem seus propósitos. As transformações de June, por exemplo, ficam tão em segundo plano que dificilmente são a parte principal dos episódios. É claro que estes momentos estão envolvidos nos conflitos, mas não há, por exemplo, grandes efeitos visuais para quando ela assume o corpo de outra pessoa. A habilidade funciona mais como um artifício de roteiro, uma metáfora para tratar da busca pela identidade durante a adolescência. Visualmente os momentos em que ela está em outros corpos são bem concebidos, e os jogos de espelho sempre forçam diálogos entre ela e Harry — diálogos clichês e repetitivos, mas justificados dentro do próprio contexto da série de ser mais focada no relacionamento entre eles do que na fantasia.
Com um alvo óbvio sendo o público jovem, Os Inocentes é imatura mesmo no desenvolvimento da relação entre Harry e June. Desde o início, o amor idealista que sentem um pelo outro é colocado como algo estabelecido, sem que o espectador tenha tempo de conhecê-los individualmente ou sequer entender o que veem um no outro. Por isso, conta muito a favor da série a própria atuação da dupla (Groundsell, aliás, é muito mais convincente que Ascott) e a boa química entre ambos.
O que acaba a prejudicando não é o ritmo lento, mas o esvaziamento de conteúdo e a opacidade dos personagens. Sim, o ritmo serve para imprimir um olhar “pé no chão”, mas acaba deixando muito mais óbvio o quanto há de conveniência. É fácil para Harry e June encontrar pessoas o tempo todo que explicam “o mundo, o universo e tudo mais.” Não há construção de mistério que vá além de um debate repetitivo entre fugir ou não. Entende-se que questões maiores provavelmente estão sendo guardadas para uma eventual segunda temporada, mas há pontos específicos que uma narrativa precisa entregar que são mal explorados e, por isso, tornam-se desinteressantes.
Talvez a pior construção seja a do conflito narrativo principal, aquele que deve unir uma ponta e outra da história. Este conflito não fica claro antes de aproximadamente 60% ou 70% da história. É apenas segunda parte que a temporada entrega uma informação que, por exemplo, havia sido esclarecida para o público na sinopse oficial. Antes disso, três ou quatro capítulos andam em círculos quase desnecessários, que contribuem pouco para a história principal e não funcionam bem como narrativas episódicas isoladas. Facilmente, poderiam ser reduzidos a um episódio só.
Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da temporada em duas frentes que não se comunicam — uma com os adolescentes, a outra pelo grupo encabeçado pelo personagem de Guy Pearce — não incentiva um engajamento na trama. Isolada, a história do Sanctum é repetitiva e sem vida, e só mostra a que veio de fato nos quatro episódios finais. É quando chega lá que a série de fato compensa, pois a conclusão é potente e corajosa. Por caminhos tortos e personagens vazios, The Innocents acaba chegando em um ponto interessante e promissor.
Aqueles, portanto, que passarem pelos exaustivos primeiros episódios, vão encontrar motivos para desejar uma segunda temporada. Com toda a sua lentidão exagerada, a primeira temporada cumpre o seu objetivo de transformar estes inocentes em algo a mais. Resta, agora, aparar as arestas e mergulhar mais fundo nos traumas que imprimiu.