Nota: 2,0 / 5,0
O que uma princesa, um elfo e um diabinho têm em comum? O primeiro e único Matt Groening.
O criador de Os Simpsons e Futurama está de volta com uma nova série animada, mas nada de Fox. Desta vez, a casa de sua nova atração é a Netflix, e apesar de a série prometer muita mágica e aventuras, a entrega fica aquém e resulta em personagens até interessantes, mas perdidos em uma história sem rumo.
Disenchantment (título original) conta a história da princesa Tiabeanie (Abbi Jacobson), filha do rei Zog (John DiMaggio) de Dreamland. Ela é uma jovem aventureira e rebelde, que não se dá a convenções sociais apesar de estar com um casamento marcado em virtude das alianças do reino. No fatídico dia de seu casamento, ela recebe um misterioso presente que chega para atormentá-la: o pequeno demônio Luci (Eric André), que vai dar todos os conselhos errados e iniciar uma série de acontecimentos que envolvem magia e desastres.
Paralelamente, Elfo (Nat Faxon) é um elfo que vive em sua cidade mágica mas está entediado com tanta felicidade. Ele resolve se aventurar no mundo real e deixar para trás a vida de doces, cantoria e alegria. É assim que ele se chega para completar o trio principal de aventureiros.
A chegada de Elfo a Dreamland desperta o interesse tanto de Zog quanto dos magos, pois querem usar o sangue dele para fins mágicos. A trama se desenvolve a partir daí, com cada episódio narrando uma aventura diferente do trio que vão desde bebedeiras malucas a jornadas para salvar as próprias vidas.
A assinatura de Matt Groening fica clara em todos os lugares da temporada. Além do traço característico das animações, os personagens têm configurações específicas de intelecto que são muito semelhantes às de Os Simpsons e Futurama. O humor se baseia muito no inesperado, na ironia ácida da construção de cada persona. Mas as piadas acabam recaindo principalmente em situações práticas, o que na maior parte das vezes não funciona ou transparece muito forçado, como se fossem requentadas das séries já estabelecidas de Groening. O tom no geral é indeciso; ora a comédia tenta ser sarcástica e adulta, já em outros momentos tem medo de ousar e não é nem propositalmente ingênua nem tão crua quanto julga ser. Por não ser uma coisa ou outra, cai no limbo com um humor questionável e disforme.
Ainda que tenha uma forte presença da ironia velada, um outro problema de (Des)encanto é que a narrativa peca por um excesso de ganchos. Muitas vezes, construções potentes, que poderiam levar os personagens adiante, ficam esquecidas a troco do prometido "algo maior". O universo em que a história se insere de fato é bem pensado e complexo — tanto os reinos quanto os personagens são ricos, as subtramas são potencialmente interessantes o bastante para darem margem para muitas histórias que poderiam se desenvolver no futuro. Poderiam, mas não se desenvolvem. Não existe aprofundamento de quase nada. Ficar presa a maior parte do tempo ao trio principal é apenas o orgânico aqui. Eles são, afinal de contas, os protagonistas da história. Mas ao invés de cada episódio acrescentar algo ao arco narrativo maior, eles são momentos vazios de significado e de graça. A grande trama, aliás — aquela que se alonga por toda a temporada para que no fim se entenda qual era o grande objetivo de tudo o que aconteceu — definitivamente passa longe de ser o mais interessante da história.
Com a premissa que a série tem — uma personagem principal que é uma princesa dada ao álcool que não cede às convenções sociais —, (Des)encanto tem um prato cheio para quebrar moldes e questionar padrões, sendo uma animação progressista e tão questionadora quanto outras excelentes da Netflix, como BoJack Horseman e Big Mouth. Mas, apesar da excelência do elenco de vozes, a primeira temporada de (Des)encanto se apresenta mais como um experimento sem forma, colocado no ar ainda sem saber de verdade para onde queria ir. Não duvide, há potencial ali. Ele só não apareceu ainda.